18 anos sem sucesso (com muita criação)
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 29 de janeiro de 1989
Muita pouca gente, neste país, pode se orgulhar de alguma coisa, principalmente quando o que os destaca da multidão é o fracasso. Mas ser constante no fracasso, durante dezoito anos, é coisa que só uns poucos loucos ou predestinados conseguem ter. Quem de vocês consegue imaginar um grupo musical que tem uma atividade ininterrupta durante dezoito anos e não entrou nem uma vezinha só que seja nas paradas de sucesso do Brasil? Alguma coisa está estranha neste raciocínio, seja o conjunto em si, ou as paradas de sucesso. E se o erro é do conjunto, porque seria que o Guiness Book of Records aceitou o já legendário Joelho de Porco em seus índices, como o conjunto mais fracassado do mundo? Na próxima edição do GBoR, o Joelho estará em destaque, ao lado de grandes ídolos como Ben Johnson e Giuseppe Franco (campeão mundial de cuspe à distância).
Se deve haver fracasso, que seja no mínimo retumbante. Por isso o Joelho, depois de um álbum duplo que já se tornou "cult" entre os curitibanos e sábios colecionadores de discos do país ("Saqueando a Cidade", 1983), colocou 66 músicos ao vivo dentro de seus estúdios e gravou mais esta obra-prima do desperdício cultural, que se chama "Dezoito Anos sem Sucesso". A última vez que tal número de músicos entrou em uma vez só em um estúdio, neste país, foi durante a gravação do disco de Wilma Bentivegna (Hino ao Amor). E é em nome da retomada do processo natural de criação musical no Brasil que o já lendário Joelho de Porco, sem usar nenhum instrumento eletrônico, aglutina seu produto sonoro, de maneira definitiva.
É uma ousadia sem nome fazer, no país em que vivemos e, nos tempos que hoje correm, um disco "pré-rock'n'roll", igualzinho àqueles que se fazia antes que Betinho e seu conjunto soltassem os seus primeiros acordes. E para tal, contaram com a colaboração inestimável de um dos mais absolutamente fantásticos maestros disponíveis no mercado, o popular Portinho, que, se não bastasse ser o arranjador predileto da Angela Maria, a querida Sapoti, ainda é pai do inesquecível Sérgio Porto, de tão saudosa memória.
Tico Terpins (solteiro, 22 anos, olhos verdes), Zé Rodrix (24 anos, olhos amendoados), Próspero Albanese (19 anos, solteiro, olhos azuis) e David Drew Zingg (31 anos, solteiro, olhos provavelmente turquesa) são a comissão de frente do já legendário Joelho de Porco, liderando o maior e mais ativo grupo de músicos inativos do rock'n'roll tupiniquim. O disco que vocês têm agora em mãos consta dos seguintes insucessos:
Lado A
1) "Dezoito Anos Sem Sucesso" - pequena cantata lítero-musical de inspiração techno-pop, baseada em uma entrevista do grande ídolo pop Tim Maia, e com um arranjo pop do não menos pop Rezende.
2) "Mariquinha, Maricota" - Cha-cha-cha homenagem a Xavier Cugat e às menininhas do Caribe, lembrando um velho refrão juvenil, muito utilizado como fundo musical das leituras das obras completas de Carlos Zéfiro nos banheiros escolares do Dante Alighieri.
3) "Flipper" - Nossos ídolos são todos mamíferos americanos - Muhamed Ali, Bing Crosbi, Mitzi Gayner e Flipper, este último recebendo esta singela homenagem.
4) "O Homem que eu Amo" - uma homenagem de coração aos nossos amigos entendidos, com fundo musical de George e Ira Gershwin.
5) "Mamãe. Mamãe" - Seguindo os passos de Timothy Leary e John Winston Lennon, o nosso grito primal.
6) "Rebelião" - Uma pequena lembrança de nossos imitadores americanos, os não tão legendários Blues Brothers (um vivo e o outro nem tanto) que certamente aplaudiriam mais este insucesso.
Lado B
1) "Pisa Ni Mim" - Esta canção vem a provar que Lennon e MacCartney também sabiam escolher bom repertório; Robinson foi muito feliz na composição desta canção, e o já legendário Joelho de Porco foi mais feliz que os Beatles na concepção do arranjo. Uh!
2) "The Savers" - Nossa faixa instrumental é uma raridade para audiófilos. Esta canção foi o primeiro exemplar de música popular gravado através de sintetizadores, que nem de longe fizeram justiça à sua beleza. Mas o Joelho de Porco conseguiu descobrir o Bert Kaempfert que mora dentro de todos nós e revitalizou a canção com toda a honestidade possível.
3) "Im Himmel Gibst Kein Bier" - No céu não tem cerveja é o mote desta polca-canção, que vai como uma homenagem a todos os nossos fãs de Santa Catarina.
4) "De Véu e Grinalda" - Os direitos autorais deste fado canção de 1970 foram cedidos por seu letrista Leon Cakoff ao 13º Festival Internacional de Cinema em São Paulo.
5) "Twist de Branco" - Uma lembrança do programa Times Square da TV Excelsior, com especial destaque para Dorinha Duval e Daniel Filho.
6) "Boeing 723897" - Quarta regravação deste rock-canção sem pé nem cabeça. Pede-se encarecidamente ao público ouvinte que tenha um pouco de paciência.
Enviar novo comentário