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Aramis

18 anos sem sucesso (com muita criação)

Muita pouca gente, neste país, pode se orgulhar de alguma coisa, principalmente quando o que os destaca da multidão é o fracasso. Mas ser constante no fracasso, durante dezoito anos, é coisa que só uns poucos loucos ou predestinados conseguem ter. Quem de vocês consegue imaginar um grupo musical que tem uma atividade ininterrupta durante dezoito anos e não entrou nem uma vezinha só que seja nas paradas de sucesso do Brasil? Alguma coisa está estranha neste raciocínio, seja o conjunto em si, ou as paradas de sucesso. E se o erro é do conjunto, porque seria que o Guiness Book of Records aceitou o já legendário Joelho de Porco em seus índices, como o conjunto mais fracassado do mundo? Na próxima edição do GBoR, o Joelho estará em destaque, ao lado de grandes ídolos como Ben Johnson e Giuseppe Franco (campeão mundial de cuspe à distância). Se deve haver fracasso, que seja no mínimo retumbante. Por isso o Joelho, depois de um álbum duplo que já se tornou "cult" entre os curitibanos e sábios colecionadores de discos do país ("Saqueando a Cidade", 1983), colocou 66 músicos ao vivo dentro de seus estúdios e gravou mais esta obra-prima do desperdício cultural, que se chama "Dezoito Anos sem Sucesso". A última vez que tal número de músicos entrou em uma vez só em um estúdio, neste país, foi durante a gravação do disco de Wilma Bentivegna (Hino ao Amor). E é em nome da retomada do processo natural de criação musical no Brasil que o já lendário Joelho de Porco, sem usar nenhum instrumento eletrônico, aglutina seu produto sonoro, de maneira definitiva. É uma ousadia sem nome fazer, no país em que vivemos e, nos tempos que hoje correm, um disco "pré-rock'n'roll", igualzinho àqueles que se fazia antes que Betinho e seu conjunto soltassem os seus primeiros acordes. E para tal, contaram com a colaboração inestimável de um dos mais absolutamente fantásticos maestros disponíveis no mercado, o popular Portinho, que, se não bastasse ser o arranjador predileto da Angela Maria, a querida Sapoti, ainda é pai do inesquecível Sérgio Porto, de tão saudosa memória. Tico Terpins (solteiro, 22 anos, olhos verdes), Zé Rodrix (24 anos, olhos amendoados), Próspero Albanese (19 anos, solteiro, olhos azuis) e David Drew Zingg (31 anos, solteiro, olhos provavelmente turquesa) são a comissão de frente do já legendário Joelho de Porco, liderando o maior e mais ativo grupo de músicos inativos do rock'n'roll tupiniquim. O disco que vocês têm agora em mãos consta dos seguintes insucessos: Lado A 1) "Dezoito Anos Sem Sucesso" - pequena cantata lítero-musical de inspiração techno-pop, baseada em uma entrevista do grande ídolo pop Tim Maia, e com um arranjo pop do não menos pop Rezende. 2) "Mariquinha, Maricota" - Cha-cha-cha homenagem a Xavier Cugat e às menininhas do Caribe, lembrando um velho refrão juvenil, muito utilizado como fundo musical das leituras das obras completas de Carlos Zéfiro nos banheiros escolares do Dante Alighieri. 3) "Flipper" - Nossos ídolos são todos mamíferos americanos - Muhamed Ali, Bing Crosbi, Mitzi Gayner e Flipper, este último recebendo esta singela homenagem. 4) "O Homem que eu Amo" - uma homenagem de coração aos nossos amigos entendidos, com fundo musical de George e Ira Gershwin. 5) "Mamãe. Mamãe" - Seguindo os passos de Timothy Leary e John Winston Lennon, o nosso grito primal. 6) "Rebelião" - Uma pequena lembrança de nossos imitadores americanos, os não tão legendários Blues Brothers (um vivo e o outro nem tanto) que certamente aplaudiriam mais este insucesso. Lado B 1) "Pisa Ni Mim" - Esta canção vem a provar que Lennon e MacCartney também sabiam escolher bom repertório; Robinson foi muito feliz na composição desta canção, e o já legendário Joelho de Porco foi mais feliz que os Beatles na concepção do arranjo. Uh! 2) "The Savers" - Nossa faixa instrumental é uma raridade para audiófilos. Esta canção foi o primeiro exemplar de música popular gravado através de sintetizadores, que nem de longe fizeram justiça à sua beleza. Mas o Joelho de Porco conseguiu descobrir o Bert Kaempfert que mora dentro de todos nós e revitalizou a canção com toda a honestidade possível. 3) "Im Himmel Gibst Kein Bier" - No céu não tem cerveja é o mote desta polca-canção, que vai como uma homenagem a todos os nossos fãs de Santa Catarina. 4) "De Véu e Grinalda" - Os direitos autorais deste fado canção de 1970 foram cedidos por seu letrista Leon Cakoff ao 13º Festival Internacional de Cinema em São Paulo. 5) "Twist de Branco" - Uma lembrança do programa Times Square da TV Excelsior, com especial destaque para Dorinha Duval e Daniel Filho. 6) "Boeing 723897" - Quarta regravação deste rock-canção sem pé nem cabeça. Pede-se encarecidamente ao público ouvinte que tenha um pouco de paciência.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
22
29/01/1989

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