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Aramis

34 anos depois, "Brasil Diferente" polimizará?

Quando saiu a primeiro edição de "Um Brasil Diferente" (Editora Anhembi, São Paulo, 1955, 506 páginas), houve polêmicas em torno das idéias que o seu autor, Wilson Martins, expunha. Vivíamos no governo Bento Munhoz da Rocha Neto (1950-1955) - a quem o autor dedicou a obra - e o Paraná estava na sua grande fase de transição político-social-econômica. No vigor de seus 34 anos, já com várias publicações editadas e uma carreira em crescimento como professor e crítico de literatura, Wilson Martins levantava suas idéias sobre "O pujante Paraná, apresentado num retrato de corpo inteiro", conforme consta da nota de orelha da reedição (Secretaria da Cultura / T. A. Queiroz, 470 páginas), ainda não lançada oficialmente e com preço de venda a ser definido). O texto de orelha da obra não tem assinatura, o que surpreende, já que até agora todas as edições feitas pela Secretaria da Cultura, na atual administração, trazem sempre introduções, prefácios ou ao menos notas do advogado René Ariel Dotti, titular da pasta. Paulista de nascimento mas curitibano por adoção, revisor de "O Dia" e locutor da Rádio Clube Paranaense nos anos 40, quando de seus tempos de estudante, Wilson Martins é, há muito, respeitado como um dos mais equilibrados (e rigorosos) críticos brasileiros. Comparada a grande geração de scholars que se dedicaram à crítica literária (Álvaro Lins, Agripino Grieco entre outros), escrevendo no suplemento literário de "O Estado de São Paulo" por décadas - e a partir dos anos 70, no "Jornal do Brasil", Martins, semanalmente, envia de Nova Iorque - onde reside desde o início dos anos 80, como professor de Literatura Brasileira da mais importante universidade da Big Aple - seus argutos textos. Sua obra, editada no Brasil e no Exterior, espraia-se em meia centena de títulos, desde pequenos opúsculos a projetos ambiciosos, como "História da Inteligência Brasileira" (7 volumes, Cultrix, 1976/79). Anualmente, Wilson e sua esposa, Annie, reservam os meses de junho e julho para vir a Curitiba, rever parentes e amigos. Nos últimos anos, em sua simpatia e acessibilidade, Wilson tem falado para muitos jornalistas, paralelamente ao cumprimento de um ocupadíssimo programa de homenagens sociais que sempre merece. No ano passado, o secretário René Dotti propôs a reedição de "Um Brasil Diferente", para muitos considerada a sua obra mais importante em termos de Paraná, e que embora não estivesse totalmente esgotada (na Biblioteca Pública existiam, até há pouco, exemplares da primeiro edição) é desconhecida de novas gerações. Infelizmente, a editora paulista F. A. Queiroz, mais especializada em livros jurídicos, escolhida por Dotti, para fazer, em regime de condição, o relançamento, só aprontou agora a tiragem de 2 mil exemplares. Se o livro tivesse sido concluído em julho, quando Wilson se encontrava no Brasil, por certo o marketing em torno de seu relançamento seria bem melhor, garantindo maior interesse dos leitores. Também foi lamentável que a habitualmente caprichosa Teresa Cristina Montecelli, coordenadora do setor de artes visuais da Secretaria da Cultura, não tivesse podido acompanhar as diversas fases de produção industrial do livro, pois teria, por certo, evitado que a qualidade das fotos das ilustrações - e especialmente da capa a cores - saísse prejudicada. A bela fotografia de um russo [urso] branco, feita por Carlos R. Zaello de Aguiar (o "Macacheira", fotógrafo da própria Secretaria) perdeu muito na impressão final, tornando praticamente impossível a sua reprodução nos reviews em jornais e revistas. xxx Mesmo antes de "Um Brasil Diferente" ("Ensaio sobre Fenômenos de Culturação no Paraná") ser relançado, mas com base no conhecimento de sua edição original, o jornalista Luiz Geraldo Mazza levantou algumas questões em torno das idéias expostas por Wilson Martins. Em sua integridade e coerência, o autor não mudou em uma linha aquilo que pensava há 34 anos passados, frisando, na "nota para a segunda edição" que "este é um livro de 1955. Não me refiro ao ano da edição original, mas a sua data intelectual e historiográfica, pois fixa a configuração sociológica do Paraná tal como se apresentava no momento mesmo em que - completado o processo aculturativo aqui descrito - começava a modificar-se com as maciças imigrações internas, a expansão econômica, a ocupação progressiva do território, a diversificação das culturas, o desenvolvimento industrial e concomitante urbanização (fatores interdependentes e simultâneos), enfim, todo o processo modernizador que tornou diferente de si mesmo, nos dias que correm, aquele Brasil que até então era apenas diferente da imagem tradicional e convencional proposta pelos lugares-comuns de "país tropical" definido pelo "triângulo" das raças formadoras. O Paraná transformou esse triângulo em polígono, o que ainda não se havia percebido e que muitos, mesmo depois disso, se recusam a perceber". xxx Luiz Geraldo Mazza, 56 anos, tem lembrado que em 1955, debates inflamados sobre as idéias expostas por Martins em "Um Brasil Diferente", aconteceram no auditório da então recém inaugurada Biblioteca Pública do Paraná. Passadas três décadas e meia, com o Paraná refletindo tantas transformações, será interessante saber se haverá uma leitura crítica da obra de Martins que comporte debates. Seria oportuno que não apenas Mazza, em sua metralhadora giratória que o fez um dos mais respeitados críticos na imprensa paranaense, mas outros segmentos intelectuais - historiadores, sociólogos, economistas, estudantes de ciências sociais e mesmo políticos (embora estes raramente tenham o hábito da leitura se debrucem sobre as 469 páginas do livro em que Wilson Martins expõe suas idéias. Afinal, até agora, as obras editadas pela Secretaria da Cultura não têm encontrado a necessária repercussão, ficando apenas nos limites estaduais. No caso de "Um Brasil Diferente", então, o interesse por sua análise e discussão tem que partir daqui - para que se justifique o investimento feito na sua reedição. Além do mais, sendo a bibliografia ainda reduzida em propostas interpretativas que expliquem o Paraná deste século, o mergulho que Wilson Martins, com sua cultura, erudição e visão fez há quase 40 anos, deve permanecer válida. Se assim não fosse, não teria concordado com o reaparecimento do livro, sem qualquer revisão ou mudança em seus conceitos.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
03/09/1989

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