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Aramis

As 5 décadas na voz daquele que tudo sabe sobre coisas musicais

João Gilberto sempre foi único na seleção de seus repertórios. Ao longo dos 10 elepês que gravou em quase 40 anos de carreira, pode-se notar sempre que esteve antenado com o que existe de melhor, mais importante e bem feito em termos de música. Mais do que isto! Graças a ele, músicas que estavam esquecidas foram revigoradas como "O Trem de Ferro", do cearense Lauro Maia, "Bolinha de Papel", de Geraldo Pereira (na época, 1960, esquecido, 5 anos após sua morte), "A Primeira Vez", da dupla Bide - Marçal e "Izaura", de Herivelto Martins / Roberto Martins. Assim, ao lado do pessoal da Bossa Nova, de Caymmi e Ary Barroso, João buscou sempre um repertório que batesse no seu coração - fosse incluindo uma versão do fox de M. Dixon / H. Woods ("Trevo de Quatro Folhas", em 1961) ou valorizando boleros magníficos ("Besame Mucho", de Consuelo Belasques; "Eclipse", de Ernesto Leucona; "Farolito", de Agustin Lara), gravados em seu elepê feito no México, com arranjos de Oscar Carlos Neves. Sabendo tudo da música brasileira - sem sair do seu apart hotel (no qual recebe pouquíssimos amigos), João escolheu um repertório para seu novo disco que cobre cinco décadas. Por exemplo, nada mais expressivo dos anos 20 do que "Do Something to me", primeiro sucesso do compositor americano Cole Porter (1892-1964), lançado no musical "Fifty Million Frenchman", na Broadway, por Betty Campton e Jack Thompson. Dos anos 30, o antológico "Palpite Infeliz", que Noel Rosa (1910-1927) compôs em 1934 como tréplica da polêmica com Wilson Baptista (1913-1968), lançado por Aracy de Almeida (1914-1988) em 1936. Janet de Almeida (1921-1946), que apesar do nome era homem, irmão mais moço de Joel de Almeida, 77 anos, e que morreu precocemente, de cirrose (autor de sambas antológicos como "Eu Quero um Samba", parceria com Haroldo Barbosa, lançado pelos Namorados da Lua em 1944) compôs "Eu Sambo Mesmo", em 1938 - lançado pelos Anjos do Inferno em 1946 - faixa com que João abre este seu elepê. Também dos anos 30 é "Una Mujer", bolero de um francês - Paul Miskarlk em parceria com Ben Molar e Olivari. Mas foi na versão de S. Pondal Rios e na voz de Gregorio Barrios (que o gravou em 1948, na Odeon), que se tornou um clássico do romantismo. Aliás, na gravação de João, neste caso, os arranjos de Fischer, com muitas cordas, funcionaram. Charles Trenet (Paris, 1926), compôs e gravou a canção "Que Rest-t-il de Nos Amours" em 1947. A gravação de João Gilberto só está na fita cromo e no CD assim como "Sorriu para Mim" do violonista Garoto (Augusto Aníbal Sardinha, 1915-1955) e Luís Cláudio (de Castro, Curvelo, Minas Gerais, 22/03/1935) lançado pelo hoje esquecido cantor Venilton Santos (disco Continental, matriz nº 17.161-A). De Herivelto Martins, 78 anos, João já havia gravado, em 1973, "Izaura" (parceria com Roberto Riberti) em contracanto com a sua então mulher Miúcha. Agora, foi buscar o clássico samba-canção consagrado pelo Trio de Ouro: "Ave Maria do Morro" (1942). Para os anos 50, João buscou além de "Sorriu para Mim", três preciosidades. Dois integrantes do grupo Namorados da Lua, onde João estreou em 1951- Inaldo Vilarinho e Antônio Botelho, são os autores de "Eu e Meu Coração", gravada por Doris Monteiro (Rio de Janeiro, 21/10/1934) em outubro de 1955. Foi substituindo o bom amigo Jonas Silva (desde 1970, o bravo lutador pelo melhor da fonografia - jazz, clássicos - na etiqueta Imagem) que João entrou no grupo Namorados da Lua. Assim, nada mais justo do que João o homenageie cantando o seu enternecedor samba "Rosinha", que o próprio Jonas havia gravado em 78 rpm da Mocambo, em 1952, acompanhado ao piano por um garoto que começava a carreira, chamado João Alfredo Silva - o Johnny Alf. Fernando Lobo (Recife, 27/07/1915), jornalista, letrista, homem de rádio e televisão, desde 1939 no Rio de Janeiro - pai do compositor Edu Lobo - foi um mestre na música romântica e em junho de 1956, a cantora Neusa Maria lançava seu "Siga" (Sinter). Agora, João faz com que se ouça novamente este belíssimo samba-canção nascido numa noite de dor de cotovelo no histórico restaurante Cabeça Chata, de Manezinho Araújo. Assim como havia feito com "Estate" (Bruno Brigheti) no elepê "Amoroso" (1977), João Gilberto mostra uma outra belíssima canção romântica italiana: "Málaga", de Fred Bongusto, 51 anos. Finalmente, João mostra que também ama São Paulo ao gravar "Sampa", que Caetano Veloso, 48 anos, lançou em 1978 no elepê "Muito" (Phonogram). Como em todas as faixas, a interpretação de João Gilberto faz com que esta tão conhecida homenagem de seu conterrâneo baiano a São Paulo, ganhe uma nova roupagem e tenha um sabor novo.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
4
31/03/1991

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