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Aramis

Aldir e Maurício, no melhor disco de 1984

Há quatro anos, Maurício Tapajós (Rio de Janeiro, 27.12.1943), dono já de uma sólida obra com ilustres parceiros - paralelamente a uma das mais lúcidas e corajosas lutas em defesa dos direitos autorais - gravou um elepê como intérprete ("Olha Aí", produção da Sociedade de Artistas e Compositores Independentes Ltda.). No primeiro semestre de 1984, Maurício voltou aos estúdios para fazer um álbum duplo, - desta vez registrando a parceria com Aldir Blanc e realizando aquele que é, em nossa opinião, o melhor disco produzido no Brasil em 1984. Seu registro acontece hoje - coincidindo com a edição do suplemento CLÁUDIO, no qual fizemos o levantamento dos melhores da música de 1984, por uma razão simples, tratando-se de uma produção independente, até agora o magnífico álbum duplo de Maurício/Aldir não teve uma distribuição regular, fazendo com que a fórmula mais fácil para consegui-lo seja solicitá-lo diretamente a Saci (Rua Joaquim Silva, 11 - sala 1.202 - Lapa - CEP 20.241 - Rio de Janeiro - fone 252-3483). Comparado ao que as grandes gravadoras produziram durante este ano, o álbum Aldir/Maurício é o exemplo de competência, talento e bom gosto. São 20 músicas do mais alto nível, com arranjos excelentes, interpretações dignas - dos autores e alguns convidados especiais. Sendo um álbum duplo, os seus realizadores não deixaram por menos: convidaram Mello Menezes, artista plástico e criador de capas do mesmo nível do paranaense Elifas Andreato, para realizar um belíssimo trabalho de programação visual. Um óleo dos mais inspirados para a capa e um encarte que se transformou em verdadeiro livro a parte, tal talento dos nomes convocados para elaborarem textos e criarem ilustrações: Paulo Cesar Pinheiro, Tarik de Souza, Chico Caruso, Luis Pimentel, Nilo de Paula, Moacyr Andrade, Jaguar, Ney Hamilton, Eliane Soares, Paulo Emílio, Fátima Nóbrega, Marco Aurélio, Mariano, Edson Braga, Reinaldo, Luiz Carlos Saroldi, Paulo Caruso, Herminio Bello de Carvalho e Jorge Eduardo. Em cada texto e ilustração, os amigos convidados para se associarem neste projeto procuraram transmitir mais do que uma simples exaltação ao talento da dupla, mas também darem pinceladas numa espécie de grande grafite que mostra a dimensão humana, política e artística de Maurício e Aldir Blanc (Mendes, Rio de Janeiro, 2/8/1946). Ao se lançarem na corajosa produção deste álbum - que deve ter custado mais de Cr$ 20 milhões, a preços de 8 meses passados - mesmo com uma generosa contribuição da Petrobrás (por sinal, a estatal que mais tem estimulado boas produções culturais), Maurício e Aldir investiram tudo o que tinham (e não têm) num trabalho que reflete exatamente o que eles pensam/ acreditam. E apesar desta individualização extrema, fizeram uma obra aberta, que percorre vários gêneros e emociona tanto quanto, em seu humor cortante e acre, pode divertir. O disco um abre com mais uma ir6onica composição de Maurício - "Sai da Frente Brasil", que, de certa forma, completa uma longa trilogia com "A Voz do Brasil" (nestas duas com parceria de Aldir Blanc), e que está na abertura do lado B do mesmo disco. Estas três musicas de Maurício, são documentos preciosos de uma fase na qual utilizando inteligentes imagens e sabendo extrair das entrelinha tudo que é possível, pintaram um quadro de nosso País. Canções que acima do humor político permanecerão, temos certeza, assim como ficaram os mais inspirados sambas de Noel Rosa e Lamartine Babo (este, aliás, um dos ídolos de Maurício). O humor cáustico e atual de Maurício e Aldir não fica apenas nesta trilogia e se espraia em composições novas: "Sobe o Dólar", "O Sandoval Tá Mudado" (nesta com a participação de João Nogueira); "Valquíria" - cuja atualidade neste final de governo João Figueiredo não poderia ter sido maior, estabelecendo imagens deliciosas; ao falar da Valquíria "filha de Maria" que "de tanto ouvir falar em montarias/ cismou de comprar um corcel", mas que comprando "um jerico", há dias foi vista no caminho da Penha em plena avenida Brasil E a pedir mais milagre o burro empacou e a Valquíria caiu Um gozador comentou: - Já não se cavalga tão bem no País! Afinal somos meio leitões somos chefes de casas civis. Outro momento de antológico humor é o "Entre o Torresmo e a Moela", que gravada também pela MPB-4 em seu último elepê ("Quatro Coringas", Barclay), foi proibida de ter divulgação no rádio. xxx Se Aldir Blanc é um cronista sarcástico do cotidiano - o que tem provado nas excelentes letras para parceiros maravilhosos (como João Bosco, Maurício e, agora, também Chico Buarque que tem uma filiação assumida com o bolero e o tango. E o lado romântico de Aldir Blanc está em faixas magníficas - cada uma, por si, digna de ser destacada entre as melhores do ano. Por exemplo, mais do que nenhuma, nos emociona o "Perder Um Amigo", parceria com Maurício, que fala, tão bem, num tema tão caro e que tem em Milton Nascimento (uma das ausências mais sentidas neste ano musical) um de seus grandes cultores. Perder um amigo/é a última gota Se o cara duvida/que a vida é marota Perder um amigo/Perder o sentido/ Perder a visão/as mãos, os ouvidos... Perder um amigo/Perder o encontro Marcado e marcar-se/Com a perda do espelho Nos olhos do amigo/aonde melhor/conheci minha face Outro momento de maior lirismo de Aldir é Valsa do Maracanã", esta em parceria com Paulo Emilio da Costa Leite - e na qual é o único intérprete, revelando-se um cantor afinado e emotivo - o que repete em "Adolescente" e "Mãos de Aventureiro". Marília Barbosa, uma das mais belas vozes da MPB - infelizmente sem gravar há alguns anos - valorizou sobremaneira a "Colcha de Retalhos", cujo arranjo de base de Maurício acrescentou-se o arranjo (sopros/cordas) do mestre Radamés Gnatalli. Aldir Blanc é também o único intérprete do belíssimo choro "Santo Amaro" (com Franklin Correa da Silva/Luiz Cláudio Ramos), lançado há alguns anos pelo Quarteto em Cy. Cristina Santos - irmã da atriz Lucelia Santos - estréia interpretando "A Louca", música de fundo político (em homenagem às mães argentinas) criada originalmente para a revista "A Chama da América". Chris e Cristina - a dupla tão nossa conhecida (Chris e Maritza Fabiane, esposa de Heitor Valente) interpretam "A Minha Casa É Sua", otimista canção que Maurício Tapajós fez em homenagem a Angola, após visita naquele país. Excelente o arranjo de Cesar Camargo Mariano. Outro tema emocionante é "O Bonde" - parceira de Maurício com Suely Costa e Sidney, produzido por Hermínio Bello de Carvalho. Entre outras músicas descontraídas, "Antonieta na Gafieira" (com a participação de Paulo Emílio) é uma homenagem a uma das figuras mais simpáticas do Rio de Janeiro, professora de dança de gafieiras. Entre o sentimental, o político, a caricatura e o humor, Aldir e Maurício atingem outro dos pontos altos em "Falha Humana", uma das mais perfeitas letras entre as tantas que este álbum apresenta. Esta produção também nos traz Maurício como o arranjador do ano - desenvolvendo um trabalho magnífico e maduro. Entretanto, ele buscou também auxílio de outros excelentes arranjadores como gaúcho Geraldo Flack ("A Voz do Brasil"), Cesar Camargo Mariano ("A Minha Casa É Sua"), Radamés Gnatalli ("Querelas do Brasil", "Colcha de Retalhos"), Nelson Martins dos Santos (para os sopros em "Antonieta na Gafieira"). Se Aldir comparece com outro parceiro - Paulo Emilio - Maurício também em duas faixas comete "infelicidade": o delicioso "Frevo do Elefante" (com a participação do Quinteto Violado) e parceria com Eugenio Monteiro; em "Cidade do Sol", com Mirabó Dantas. Os melhores instrumentistas participaram das diferentes sessões de gravações. O astral foi magnífico e o resultado é este álbum duplo maravilhoso - um dos melhores momentos da MPB dos últimos anos - e que, em nosso entender, sintetiza o que de melhor se produziu neste ano na MPB. LEGENDA FOTO - Aldir e Maurício: um álbum antológico
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
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30/12/1984
Fui grande amiga de Paulo Emílio. Frequentei a casa de Aldir Blanc nos anos 80. Gostaria de reencontrá-los. Márcio Proença! Como vai? Beijos!!!!!

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