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Aramis

Alvorecer Nativista (XI)

Em menos de 15 anos, os festivais se multiplicaram. Ultrapassando fronteiras, os eventos nativistas provocaram a revalorização dos elementos culturais que vinham sendo desprezados pela juventude dos centros urbanos. Os gaúchos voltaram-se para si e descobriram, assim, vastos campos a ocupar, na área musical e literária, principalmente, mas com desdobramentos no artesanato, no teatro e no cinema. Sem falar na indústria de confecções, em restaurantes e boates típicas. Assim, falando no nativismo, não estamos, apenas, nos preocupando com festivais isolados, mas partindo de um evento que já nasceu consagrado, o Musicanto, da cidade de Santa Rosa, estabelecendo uma visão de algo que se solidificou e que começa a deixar os limites do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, especialmente nas regiões Oeste e Sudeste, de colonização de emigrantes dos pampas, começam a ver que o gauchismo não é mais sinônimo de "grossura". Há 20 anos, nenhum jovem universitário sairia na rua Rua da Praia, em Porto Alegre, pilchado com bombachas, ponches, chapéu e lenço. Hoje, a moda é essa e só uma indústria de confecções artesanais de Porto Alegre, a Alchieri, faz uma média de 100 bombachas por dia. Há 14 anos no ramo, um dado marcante é o imenso número de pedidos para a confecção de bombachas femininas que a loja vem recebendo, assim como a Ana Terra Confecções, que iniciou há dois anos o trabalho de utilizar motivos regionais para estilizar indumentárias, tornando-as de fácil consumo. XXX O jornalista Gilmar Eltelvein, da "Zero Hora", numa série de reportagens intitulada "A volta do gaúcho", lembrou outro aspecto da questão: a proliferação de estabelecimentos que assumem o gauchismo. Nos últimos quatro anos, surgiram bares e restaurantes nativistas em Porto Alegre, mudando a paisagem das ruas da Capital. Na madrugada, rapazes pilchados carregam as malas de garupa forradas de erva-mate, fumo em corda ou picado, documentos e bugingangas pelas avenidas principais, perambulando de encontro aos bares. Já não assustam mais ninguèm nem são motivo de piadas, como ocorria nos anos 50 e 60. João Carlos Paixão Cortes, 52 anos, engenheiro-agrônomo, compositor , folclorista e o mais conhecido pesquisador do tradicionalismo, além de ex-dançarino e cantor do grupo Os Gauderios, recorda que 1948, quando liderou o movimento tradicionalista sofria as maiores agressões. Em sua voz trovejante diz: -"Foi na marra, no muque, que conseguimos impor respeito pela tradição!" Outro tradicionalista, Barbosa Lessa, autor de vários livros (incluindo "Os Guaxos", em 20a edição pela Tchê), até há pouco secretário de Cultura e Turismo do Rio Grande do Sul, em recente artigo na revista "Nativismo", observou que "Paixão Cortes, 1947, apesar do verdor de seus 19 anos, foi extremamente hábil ao trazer para seu pioneirismo tradicionalista, antes de qualquer outra coisa, o aval da Liga da Defesa Nacional, interligando a Pira da Pátria (nacional) ao Candieiro Crioulo (estadual), juntando assim a Semana da Pátria à Semana Farroupilha, e assim não antepondo ao Grande Mito os mitos que então ressuscitava com seus jovens companheiros: o cerne sul-riograndense, a pujança da cultura pastoril etc". No ano passado, foram comemorados 35 anos de instalação do primeiro Centro de Tradições Gaúchas. Embora, desde 1898, quando foi fundado o "Grêmio Gaúcho", em Porto Alegre, algumas tentativas tradicionalistas tenham acontecido, foi a partir doCTG criado a 24 de abril de 1948 que o movimento se consolidou. Hoje, existem exatamente 753 CTGs, nos 284 municípios do Rio Grande do Sul. Só em Alegrete, há 15 centros. Em todo o Brasil, passam de 1.500 os CTGs, "que se espalham por onde os gaúchos vão", explica Paixão Cortes. No Paraná, há algumas dezenas de CTGs e um movimento crescente, apesar de não ter ainda festivais de música nativista com o mesmo vigor dos que ocorrem no RS. Em muitas e importantes cidades, os CTGs se constituem no clube de elite. E os clubes que até há alguns anos resistiam aos bailes e festas tradicionalistas foram obrigados, nos últimos anos, a identificar-se com esse novo comportamento.As únicas excessões são Campinas, reduto aristocrático e eleitista dentro do Rio Grande do Sul, e a cidade de Rio Grande. Entretanto, nem todos os intelectuais vêm o tradicionalismo da mesma forma. Tau Golin, 29 anos, de São Borja, escritor, pesquisador e, sobretudo, ativo político, preocupado com os problemas da América Latina, publicou, no ano passado. "A Ideologia do Gauchismo"(Tchê Editora, 174 páginas, Cr$ 6 mil), na qual faz uma análise marxista do movimento, vendo o sentido capitalista que sempre regeu as relações de estancieiro x empregados. Seu livro provocou muitas discussões e polêmicas, mas não tão grandes quanto o pequeno opúsculo de pouco mais de 50 páginas intitulado "Bento Gonçalves, o herói ladrão". Às vésperas do sesquincentenário da Revolução Farroupilha, da qual Bento Gonçalves (1788-1848) é considerado o grande herói, as colocações que Tau Gomes faz, naturalmente, irritaram muita gente. O primeiro livro-resposta foi escrito por um gaúcho radicado no Rio de Janeiro: "Bento Gonçalves: Mito e História", de Fernando G. Sampaio (Martins Livreiro editor, 141 páginas, Cr$ 7.000). Tau Gomes pouco se importa com a resposta. Ele está preocupado com a atividade política, que o levou ao Musicanto, em Santa Rosa, para reunir assinaturas contra a sentença de morte de vários presos do regime de Pinochet, no Chile. Dentro de suas andanças políticas, Tau Gomes deverá vir a Curitiba nos próximos dias.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
31/10/1984

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