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Aramis

Amostragem do ótimo cinema que vem em 87

Se um festival de cinema vale, entre outras coisas, como uma amostragem da situação de como vai a área, pode-se dizer que após o Festival de Brasília o otimismo aumentou. Como dizia a experiente Pola Vartuck, crítica d' "O estado de São Paulo" e que ao longo de sua vida profissional esteve como jurada em inúmeros festivais, esta 19ª edição foi positiva em trazer tantos curtas e médias como longa-metragens de vigor. A Embrafilmes, através de sua diretoria - e com um trabalho excelente de imprensa, coordenada pelas jornalistas Mary Ventura e Margarida Santos, fez com que Brasília voltasse a ter um evento do maior significado, no que contou a experiência de Marco Antônio Guimarães, responsável pelo Festival em sua época de ouro e que após permanecer afastado da Fundação Cultural do Distrito Federal por algum tempo, reassumiu com vigor o difícil encargo de produzir uma mostra representativa de nosso cinema. RETRATO DO BRASIL Como já frisamos em textos publicados nos últimos dias, coincidência ou não, os curtas e médias metragens que, de 29 de outubro a 3 de novembro, projetados na tela do cine Brasília, ofereceram um retrato sincero, honesto e mesmo que as vezes desagradável do Brasil - não deixa de ser absolutamente documental. Assim, filmes que abordaram a situação dos camponeses - desde o dilacerante "Fibra", do baiano Fernando Belens, sobre os mutilados devido a máquinas de benefíciamento de rami (ou sisal), até duas visões que se complementam do mundo cruel dos bóias-frias - "A Classe que Sobra", de Peter Overback e "Mulheres da Terra", de Marlene França, trouxeram imagens marcantes. Mesmo perdendo-se devido a sua forma extremamente lenta de narração, "Aos Ventos do Futuro", de Hermanno Penna, sobre a luta dos índios, por seus direitos, tantas vezes esbugalhados, valeu pela sinceridade da realização - e se dos 50 minutos desta metragem original, for extraído um curta, o mesmo poderá prestar um grande trabalho a causa indígena. Mesmo usando uma linguagem simbólica, o baiano Edgard Navarro, inspirado em texto de Chico Buarque, denunciou em "Lin e Katazan", curta de 9 minutos, a violência contra os operários da construção civil. Misturando cinema de animação e cenas reais, "Quem Matou Elias Zi?", de Murilo Santos (cineasta radicado em Brasília), mostrou a violência contra os camponeses - e foi premiado com destaque na categoria (melhor curta do júri popular; melhor roteiro e música). Uma visão universitária do movimento cultural dos anos 60 ("Infinita Tropicália", de Adilson Ruiz), originalmente apresentado como filme-tese na ECA-SP - foi o grande premiado entre os médias (trilha sonora, montagem, pesquisa, direção e filme). O lirismo de "Cora Doce Coralina", de Vicente Fonseca, sobre a poeta goiana Ana dos Guimarães Lins Preta (1889-1985), fez com que o cineasta Wlademir de Carvalho instituísse o prêmio Conterrâneos para destacar a produção regional. A própria cidade de Brasília foi focada, com sensibilidade, em dois curtas: "Brasília, Uma sinfonia", de Regina Martinho da Rocha - inspirado na obra de Antônio Carlos Jobim e Vinícius de Moraes, composta em 1961, para a inauguração da Capital e "Brasiliários", que Sérgio Bazi e Zuleica Porto, fizeram inspirados em crônica de Clarice Lispector (1922-1977). APERITIVO PARA 87 Os longa-metragens que disputaram os troféus "Candango", são um aperitivo da produção 1986, que somente estará nas telas (salvo algumas exceções) no próximo ano. aos 18 longas já concluídos este ano, somam-se mais 26 em fase de produção e destes, o festival de Brasília teve uma amostragem em vários gêneros. O cinema histórico ressurge com "Chico Rei", de Walter Lima jr., produção tumultuada que se estendeu por 6 anos - e cujo lançamento comercial dependerá de um mecenas disposto a cobrir Cz$ 1.000.000,00 que o produtor Paulo Cesar Ferreira investiu para sua finalização. Assim, a curto prazo, não veremos na tela a saga do mitológico Chico Rei, que libertava os escravos mineiros através do trabalho nas minas de ouro da província. Já o produtor Tarcísio Vidigal, entusiasmado com os prêmios obtidos por "A Dança dos Bonecos" especial do júri; da crítica (dividido com "A Cor de Seu Destino"); música (Nivaldo Ornelas), fotografia (Fernando Duarte), cenografia/bonecos (Paulo Henrique Pessoa/Juliana Junqueiro/Anísio Medeiros/Álvaro Apocalypse), espera que a Embrafilmes consiga colocar este mágico e belo filme destinado a infância nos cinemas, nas próximas férias de verão. No elenco, apenas um nome conhecido - Wilson Grey, pela primeira vez num personagem principal, mas o que encanta é a menina Cintia Vieira e os bonecos criados por Álvaro Apocalypse. "Vera", de Sérgio Toledo - que deu a Ana Beatriz Nogueira o prêmio de melhor atriz - deve ser levado a alguns outros festivais antes de chegar aos circuitos comerciais, a exemplo de "A Cor do Seu Destino", o grande filme do Festival - e que deu prêmios a Julia Lemmertz e Chico Diaz como melhores coadjuvantes. "Quebrando a Cara", documentário de longa-metragem sobre Eder Jofre, dificilmente terá uma boa carreira comercial se não for feito um trabalho de merchandising - e seu diretor, Ugo Giorgetti, pensa em explorá-lo em vídeo. Já "Baixo Gávea", de Haroldo Marinho Barbosa - que valeu a Louise Cardoso o prêmio de melhor atriz e a Carlos Gregório o de melhor ator - pelo seu tema extremamente carioca, tem tudo para ser bem consumido na Zona Sul neste verão. Quanto aos demais Estados, vai depender da habilidade do experiente Marco Aurelio Marcondes em seu faro de executivo na comercialização de nosso cinema. LEGENDA FOTO 1 - Arrigo Barnabé, paranaense de Londrina, acabou com o prêmio de melhor trilha sonora por "Vera" - e ainda foi visto como ator em "Cidade Oculta", dirigido por Chico Botelho (a direita), filme que encerrou o Festival. LEGENDA FOTO 2 - Guilherme Fontes [Marcos Palmeira] e Andrea Beltrão em "A Cor dE Seu Destino", o melhor filme exibido em Brasília - e possível representante do Brasil no próximo festival de Berlim. LEGENDA FOTO 3 - Neto do pintor Lasar Segall, o estreante Sérgio Toledo levou a Brasília seu filme "Vera", com belas imagens. LEGENDA FOTO 4 - Wilson Grey, o diretor Ugo Giorgetti ("Quebrando a Cara") e o produtor Wagner Carvalho ("Cidade Oculta"). LEGENDA FOTO 5 - Ana Beatriz Nogueira, melhor atriz do festival de Brasília - em cena, ao lado de Raul Cortez - é a revelação de "Vera", filme do paulista Sérgio Toledo. LEGENDA FOTO 6 - Um filme lírico e mágico - "A Dança dos Bonecos", conquistou o público e teve várias premiações. A menina se chama Cintia Vieira. LEGENDA FOTO 7 - Um filme com produção complicada e que levou 6 anos para chegar as telas "Chico Rei" só teve uma premiação em Brasília: o troféu "Jangadeiros", da Organização Católica de Cinema.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Cinema
5
09/11/1986

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