Antonio Chimango, a sátira rio-grandense
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 15 de agosto de 1986
A falta de identificação e informação da cultura nativista entre nós, faz com que aconteça despercebidamente uma interessante encenação no palco do Auditório Salvador de Ferrante, neste final de semana: "Antonio Chimango" (21 horas, até domingo).
Adaptado do "poemeto campestre" de Amaro Juvenal, esta montagem do grupo Pés na Terra, de Porto Alegre, recebeu o prêmio especial Açorianos pela Criação/85 e representou o Rio Grande do Sul no I Festival Sul Brasileiro de Teatro Amador (Criciúma-janeiro/85) e no III Festival Brasileiro de Teatro Amador (Ouro Preto, agosto/86). Em Porto Alegre, em diferentes palcos, manteve-se em cartaz por quase um ano (setembro/85 - julho/86), sempre com bom público.
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"Antonio Chimango", definido como poemeto campestre, foi escrito por Ramiro Barcellos em 1915, cinco meses antes de sua morte. Satirizando a figura de Antonio Augusto Borges de Medeiros (1864-1961), evidentemente que pela violenta rivalidade política da época, Ramiro usou um pseudônimo, escolhendo o de Amaro Juvenal. Caudilho rio-grandense, Borges de Medeiros substituiu a Julio de Castilhos (1860-1903) no governo do Rio Grande so Sul em 1902 e, com apenas um hiato de um quinqüênio, governou o Estado até 1928 - num período de intensas lutas internas. Este clima político, fez com que "Antônio Chimango", caricaturando Borges de Medeiros passasse muitos anos clandestino e só na Revolução de 1923 é que ficou mais conhecido - embora, em 1915, tivesse saído sua primeira edição em Porto Alegre (muitas outras se sucederam, naturalmente, e hoje a obra está no catálogo de Martins Editor, que se dedica apenas à literatura gaúcha.
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Em 1982, durante seis meses, o compositor e cantor Martin Coplas, argentino radicado em Porto Alegre, trabalhou num projeto interessantíssimo: a transposição musical do poemeto "Antonio Chimango" para uma gravação independente, cuja circulação, infelizmente, ficou restrita apenas ao Rio Grande do Sul. Com a presença de artistas altamente qualificados, como Luiz Carlos Borges (que é o coordenador do Musicanto, festival nativista em Santa Rosa), Os Araganos, Ribamar Machado, os declamadores Roberto Azambuja e Nelson Ribas, "Antonio Chimango" foi uma experiência marcante, semelhante, em seus propósitos, as adaptações musicais de "Martin Fierro", "Vida e Morte Severina", "Cantata Santa Maria de Iquique" e também o "Romance Y Muert de Juan Lavalle" de Ernesto Sabato, musicado por Eduardo Fallu (compositor e violonista argentino) em 1964.
Infelizmente, na impossibilidade de se conhecer esta gravação histórica, temos, no palco, a visão que o diretor Maurício Guzinski fez do texto de Amaro Juvenal, com músicas de Celau Moreira e coreografia de Morgada Cunha. Narrando, com humor e sátira, a saga dos chimangos gaúchos, dos tropeiros a conduzir a uma boiada e a ascensão de um político corrupto e que se aproveita do poder. Um tema que, passados quase cem anos, continua atual e oportuno.
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