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Aramis

A antropologia e sociologia para atender melhor a magia do cinema

A bibliografia de cinema em português aprofunda-se. Agora são dois ensaios com abordagens sociológicas e antropológicas da mitologia das imagens que chegam as livrarias: "As Estrelas - Mito e Sedução do Cinema", de Edgar Morin (José Olympio Editora, 162 páginas) e "Antropologia do Cinema", de Massimo Cnegacci (Editora Brasiliense, 175 páginas, segunda edição revista e aumentada). Nesta época de recessão editorial, é significativo o surgimento destes dois básicos livros - aos que se acrescenta também uma abordagem bastante profunda de Gilles Eleuze ("Cinema 2: A Imagem-Tempo", Brasiliense) e o referencial "And the Winner Is... Nos Bastidores do Oscar", de Emanuel Levy (Trajetória Cultural, 418 páginas, NCz$ 1.500,00), que já registramos anteriormente. Na área de biografias, também há novidade: "Há Males que Vem para Bem", autobiografia de Alec Guinness (Francisco Alves, 270 páginas), com deliciosas revelações. Pelo visto, 1990 - mesmo com os efeitos do plano collorido - se afigura fértil para a ampliação da bibliografia de cinema, que, aliás, tem crescido nestes últimos anos. Autor de "Antropologia da Comunicação Visual", "Dialética da Família" e "Dialética do Indivíduo" (estes dois também editados pela Brasiliense), Canevacci, nascido em Roma, 1942, é há 15 anos assistente de Antropologia Cultural do Instituto de Sociologia da Universidade de Roma. Publicado originalmente pela mesma Brasiliense em 1984, "Antropologia do Cinema - do Mito à Indústria Cultural" chega agora numa segunda edição, revisada e ampliada, tradução de Carlos Nelson Coutinho. Não é uma obra digestiva em termos de cinema - sem as fofocas e revelações que tantas autobiografias trazem, mas sim um ensaio com uma proposta de uma nova antropologia, radical, dirigida interdisciplinarmente às várias expressões culturais do mundo moderno. Assim, Canevacci fez um grande avanço nos estudos sobre o cinema e as ideologias nas sociedades industriais. A partir da busca do "espírito do cinema", dos seus mecanismos de reprodução de estereótipos e de toda mitologia que o cerca, o antropólogo italiano, que anteriormente se voltou para a família e o indivíduo, lança uma nova luz sobre a questão da indústria cultural do capitalismo. Uma obra que, após uma leitura atenta e profunda, merece que se volte a comentá-la - de princípio aqui ficando o registro de seu aparecimento nas livrarias, em Curitiba, na Ipê Amarelo e do Chaim - que possuem as melhores estantes sobre obras de cinema. A Brasiliense vem se caracterizando por excelentes lançamentos na área do cinema. Assim, ao lado de ensaios sobre o cinema brasileiro, com ensaios de Jean Claude Bernardet ("Cineastas e Imagens do Povo", "O que é Cinema"), Ismail Xavier ("Glauber Rocha e a Estética da Fome"), e Fernão Ramos ("Cinema Marginal, 1968-1973"), trouxe também obras referenciais como "Hitchcook / Truffaut", "Hollywood" (entrevistas de Michael Cimino), "Os Filmes de Kurosawa", de Donald Richie e dois básicos ensaios: "A Linguagem Cinematográfica", de Marcel Martin, lançado há poucas semanas, e os dois volumes de "A Imagem Movimento", de Gilles Deleuze, cuja segunda parte está saindo agora. "Cinema 2: A Imagem-Tempo" tem como ponto de partida uma das conclusões do estudo precedente de Gilles Deleuze: a necessidade de arrancar dos clichês cinematográficos algo mais que sua verdade aparente. Agora, Deleuze propõe uma autêntica reeducação do olhar, à luz dos conceitos filosóficos, formulados por Bergson em sua obra "Matiére et Memoire". Gilles Deleuze, 75 anos, desenvolveu uma concepção original de filosofia, em constante interação com outras áreas do saber. Nada mais natural, portanto, que após visitar a literatura("Proust e os Signos", 1964, "Forençe Universitária" e "Kafka, por uma Literatura Menor", 1975, Imago), a psicanálise ("O Anti-Édipo, Capitalismo e Esquizofrenia", 1972, Imago) e até a pintura ("Francis Bacon, Logique de la Sinsation", 1981), voltasse suas atenções para o principal meio de expressão artística surgida no século XX, com dois volumes de "Cinema" (publicados na França em 1983/84, respectivamente). Nada mais natural, também, que escolhesse como instrumento teórico para essa sua visita à sala escura, as reflexões bergosnianas sobre o movimento, tempo, duração e imagem. A profundidade da abordagem deleuziana não diminui em nada porém, o prazer da leitura. Filosófico-cinéfilo, Deleuzer ancora todas as suas idéias em exemplos concretos, fazendo desfilar aos olhos do leitor imagens dos clássicos dirigidos por grandes mestres, como Chaplin, Herzog, Antonioni, Godard e Visconti. Imagens que mostram que o cinema é o espaço por excelência para a análise das complexas relações entre passado e presente, memória e acontecimento. A câmera, segundo Deleuze, funda uma consciência que se define não pelos movimentos que é capaz de captar, mas pelas relações mentais e psicológicas nas quais é capaz de entrar. Assim, "A Imagem-Tempo" é uma obra importante para se compreender que, longe de viver sua decadência, o cinema é uma arte inesgotável.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
07/04/1990

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