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Aramis

Apocalipse na tela (II)

É plenamente justificável que "O Dia Seguinte" (cine Vitória) tenha estreado nacionalmente, quinta-feira, 19, recedido da maior cobertura dada a um filme estrangeiro nestes últimos anos. Afinal, o tema abordado - a guerra nuclear - é mais atual do que nunca e simultaneamente ao lançamento de outro indispensável filme, "Jogos de Guerra" (Cine Condor), há toda uma crescente preocupação sobre aonde levará a escalada armamentista nuclear. Os números e quadros que tanto "Veja" como "Isto É" - que dedicaram suas matérias de capa, nas edições desta semana - divulgaram, mostraram a dimensão desta questão que tanto angustia europeus e americanos, mas que no Brasil - talvez pelo fato da população enfrentar os problemas da sobrevivência do dia-a-dia - não chegou ainda ao rol das primeiras preocupações. A editoria da "Veja", para "abrasileirar" o problema, traçou uma perspectiva do que representaria a explosão de uma bomba de apenas um megaton sobre a Praça da Sé, centro de São Paulo o que provocaria uma cratera de 300 metros de diâmetro e 60 de profundidade. Além disso, haveria uma área de 181 quilômetros quadrados de destruição quase completa e perto de 1,5 milhão de mortes. Uma bomba de 20 megatons sobre Nova Iorque eliminaria entre 5 a 10 milhões de pessoas. Como diz a "Veja": "É tenebroso, mas soa irreal. Dizer que o quartel general americano em Beirute voou pelos ares em outubro passado com uma carga de apenas 2 toneladas de TNT talvez ajude a colocar o,potencial nuclear numa perspectiva mais humana". xxx A estréia de "O Dia Seguinte" faz com que também se volte a 6 de agosto de 1945, quando o bombardeiro americano Enola Gay jogou sobre Hiroshima, uma bomba de 12 quilotons, ou seja, tinha um poder explosivo equivalente a 12 mil toneladas de dinamite. Na observação de "Isto É", "uma típica ogiva termonuclear moderna tem 500 quilotons e requer uma bomba do tamanho da que foi usada em Hiroshima como um mero detonador, o fósforo que inicia a reação em cadeia". Portanto, não foi sem razão que tantos militantes pacifistas como os que defendem a política armamentista da administração Ronald Reagan tenham se confrontado, em debates pela televisão, anúncios exibidos nos intervalos de exibição de "The Day After" na noite de 20 de novembro de 1983 e também em jornais e revistas. Mesmo com menor intensidade - especialmente pelo fato do filme no Brasil ser lanççado em cinemas, o que com o ingresso a Cr$ 1.200,00 limita o público - o debate em torno do tema ganha dimensão. Mas a atenção que desperta junto a imprensa, a colocação de dados precisos com relação aos riscos cada vez maiores de uma guerra nuclear, inclusive por engano ou acidente (o que é desenvolvido em "Jogos de Guerra"), faz com que se louve a divulgação que se possa fazer em torno do filme dirigido por Nicholas Meyer, nova-iorquino, até agora só era um nome familiar aos que acompanham o cinema mais de perto: como autor de uma sátira a Sherlock Holmes ("Uma Solução Sete por Cento) e diretor de um esplêndido science-fiction - "Um Século em 43 Minutos" (Time After Time, 79), no qual usando livremente a sugestão de "A Máquina do Tempo", livro que H. G. Wells (1866-1946) publicou em 1895, especula sobre o que aconteceria se Jack, O Estripador, fugisse da vitoriano na Londres do final do século passado, após ser identificado como o cruel assassino, e viesse parar na liberal San Francisco dos anos 70. Assim, Nicholas Meyer foi o quarto nome da relação dos diretores convidados ara dirigir "O Dia Seguinte", após o projeto ter sido aprovado. A idéia partiu de Brandon Stoddard, o mesmo que realizou "Raízes", e custou US$ 7 milhões, soma considerável para um filme de televisão - apesar de no elenco haver apenas um nome familiar aos cinefilos brasileiros, o veterano Jasson Robbards Jr., como o dr. Russel Oakes, médico e diretor de hospital de Lawrence, no Kansas, que sobrevive as explosões nucleares. xxx Uma entrevista do roteirista Edward Hume, 47 anos, psicólogo pela Universidade de Yale, publicada na revista "Isto É" nesta semana, auxilia a entender um dos aspectos nebulosos do filme: como o conflito começa, quem atira primeiro? Respondendo esta questão, Hume diz: "O cenário que usei como pano de fundo é o clássico. A causa remota é uma rebelião na Alemanha Oriental, que começa mais ou menos como a convulsão sindical na Polônia dois anos atrás. A rebelião põe em perigo Berlim Ocidental e as tropas da Otan intervêm. Em resposta, as forças do Pacto de Varsóvia respondem. Neste cenário, embora isto não esteja claro no filme, os americanos atiram primeiro, usando armas nucleares táticas para compensar a superioridade numerica do inimigo na frente européia. Segue-se o ataque soviético e a retaliação americana. Mas deixamos isso ambígüo de propósito, pois uma vez iniciado o conflito nuclear, não tem a menor importância saber quem atirou primeiro. Não haverá um dia seguinte em que valha a pena vier". xxx Na França, "The Day After" estreou nos cinemas também no dia 19, quinta-feira. Em alguns outros países europeus, o lançamento foi já há algumas semanas - e só na Alemanha Ocidental, em apenas três dias, foi visto por um milhão de pessoas. Com o sucesso obtido, a ABC estaria promovendo seqüências, uma delas quatro partes - "The Crises Game", com a participação como intérpretes dos políticos Edmond Muskie e James Schlesinger. Mais do que uma oção de lazer, "O Dia Seguinte" é um documentário de antecipação, torturante e angustiante. Ninguém melhor do que o seu diretor, Nicholas Meyer, sintetizou para "Veja", a gravidade e, infelizmente, contemporaneidade, do tema abordado: "Se tivéssemos mostrado uma guerra nuclear como ela realmente aonteceria, poderíamos ter cortado a sua duração pela metade: simplesmente não haveria mais nada para mostrar depois da explosão das bombas".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
21/01/1984

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