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Aramis

Até Delfim entra na música carnavalesca

Pedro Caetano, 69 anos, durante décadas proprietário de uma das mais rentáveis sapatarias do Rio de Janeiro, mas que se tornou famoso por suas músicas carnavalescas, teve uma surpresa ao chegar domingo a Curitiba, junto com sua esposa, dona Rosária. Ao ver tantos ônibus com a frase "É com esse que eu vou", imaginou que fosse uma promoção pré-carnavalesca, tendo por motivo a sua famosa marchinha que "Os Quatro Ases e Um Coringa" lançaram 36 anos passados - e que Elis Regina recolocaria em evidência em 1972. Jorge Natividade, seu velho amigo e anfitrião, explicou que se tratava de uma campanha bolada pelo prefeito, para estimular a população a utilizar ônibus. De qualquer forma, Pedro gostou da lembrança. Embora aposentado, o veterano compositor não deixa de fazer suas músicas de Carnaval e, há uma semana, concluiu uma, dentro do espírito de sátira que é a grande marca deste gênero musical: "É Dose Pra Leão". Ainda sem ter acertado a gravação, poderá, entretanto, se tornar um sucesso - já que não poderia ter personagem (Delfim Neto, o todo poderoso Ministro do Planejamento) e temático (a crise financeira) mais atuais. Eis aqui, em primeira mão, o que diz o inspirado Pedro Caetano neste seu "É Dose Pra Leão". Sejamos otimistas Mas assim também, não Otimismo assim Já é dose p ra leão Bochechudo tá com tudo é peitudo toda vida dizendo e prometendo coisas que até Deus duvida quem sabe vamos ter a notícia sensação Que o doutor planejamento já "deu fim" à inflação E dose p ra leão é dose p ra leão o doutor planejamento que "deu fim" à inflação xxx É estimulante ver compositores da dimensão de Pedro Caetano, criador de tantos sucessos, voltarem a compor satiricamente para o Carnaval, especialmente quando grande João de Barro (Carlos Alberto Ferreira Braga), 73 anos, que há 52 anos não deixava de comparecer com inúmeras marchinhas e sambas, pela primeira vez sentiu-se sem inspiração para oferecer sua contribuição à festa carnavalesca. Afinal, [uma] das características do Carnaval era que em suas músicas compositores registravam, sempre de forma bem humorada, satírica, os fatos marcantes de cada ano - da política a modismos de comportamento. Folheando-se as 400 páginas do básico "A História do Carnaval Através de Sua Música" de Edigar de Alencar, pode-se ter um retrato da evolução do Brasil neste século. O comercialismo que atingiu o Carnaval, a desonestidade na divulgação das músicas do período - com a corrupção dos programadores e disck-jokeys, o afastamento ou morte dos autores mais representativos (da velha guarda, só restam Braguinha e Pedro Caetano) e, principalmente, o fato de os sambas-de-enredo das escolas de samba do 1º e 2º grupo no Rio de Janeiro terem passado a serem editadas e catituadas junto aos veículos de divulgação, provocou um esvaziamento. A situação chegou a tal ponto que, nos últimos 4 anos, as entidades arrecadadoras nem mais editam os álbuns de músicas, que, no passado, chegavam a reunir quase mil composições. O duplo sentido sempre funcionou no Carnaval e por isto "Pó de Guaraná" (é o pó), na voz de Noel Carlos, pode sugerir um outro tipo de pó, que muita gente curte. Emilinha Borba (Emilia Savana da Silva Rocha, 57 anos), que durante as décadas de 40/50 dividia com Marlene (Vitória Bonaiutti, 56 anos) a preferência dos foliões, é ressuscitada com uma marchinha de Walter Mendonça/Aluizio Silva/Galvão, em ritmo vibrante e rápido, conseguindo passar o sentido maroto de "Tomando Cuba Libre": "Tá to mundo/Tomando Cubra [Libre]/É Cuba Libre/ Que a turma quer tomar/O moço tá tocando sua corneta/Maria Antonieta não para de pular". Já a atriz Lady Francisco e o palhaço Carequinha dividem a interpretação de "Greve das Mulheres": "As mulheres vão entrar em greve/São [contra] a fechadura/Estão gritando em coro/Seu aumento não tem abertura". A carestia está presente em "Eles querem me matá de fome" (Max Nunes/Laércio Alves), a trajetória do português que beijou sinatra e o Papa João Paulo II não poderia deixar de motivar uma marchinha ("Beijoqueiro", de Haroldo Francisco/Aluísio Silva) e o petróleo faz com que Emilinha Borba ganhe mais uma faixa ("Bomba, Bomba", João Roberto Kelly / Noel Carlos). Naturalmente que os personagens dos programas de televisão (como no passado os de rádio) inspirem criações carnavalescas: "A Mulher do Padilha", do quadro de "O Planeta dos Macacos" está na música de Ademar Pinheiro/Del Rosso, cantada pela desconhecida Ester Tarcitano: "Eu sou a mulher do Padilha/E gosto deste homem pra chuchu/O Padilha é vegetariano/Não come carne, só quer comer caju". Por ser informal e sem compromissos, a música carnavalesca permite que não-cantores também cometam suas gravações, desde que tenham alguma popularidade. Assim, além de Chacrinha e Silvio Santos (que anualmente atacam com 2 a 4 músicas), temos os folclóricos Clóvis Bornay ("Palhaço Solidão") e Mauro Rosas ("Pão-Duro"), campeões de concursos de fantasia, além do Rei Momo (Édson Santana) em "Água Não".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
8
19/12/1980

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