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Aramis

Até os originais do livro foram perdidos

Uma prova de como o setor de pesquisa e editoração musical está a espera de que haja uma melhor coordenação de esforços é um fato gravíssimo, ocorrido há cerca de dois anos na Secretaria da Cultura - e que só não foi denunciado, até agora, devido a generosidade (e paciência) de sua vítima, a professora Marisa Ferraro Sampaio. Formada pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná na turma de 1969, ali lecionando as cadeiras de piano e música brasileira, Marisa é uma de nossas pouquíssimas pesquisadoras. Humilde, num trabalho pessoal, vem há anos reunindo informações sobre a música em nosso Estado - dando seqüência, ao que foi iniciado, no início dos anos 60, pela professora Roselys Velloso Roderjan. Dona de bom texto, seus artigos didáticos e elucidativos tem sido publicados na imprensa. xxx De sua amizade com a pianista Charlotte Frank (Curitiba, 19/09/1903 - 30/07/1984), que ao lado de Renée Devrainne Frank (Paris, 26/06/1902 - Curitiba, 10/03/1979) e de Biancha Bianchi formavam o Trio Paranaense Marisa, carinhosamente, colocou em ordem seu arquivo de anotações sobre todos os artistas que passaram por Curitiba ao longo de mais de três décadas. Como resultado surgiu o livro "Reminescências Musicais de Charlotte Frank" (223 páginas, edição da autora, 1984, capa de Theodoro de Bonna). Numa primeira parte, Marisa historiou a família Frank - que marcou a vida artística de Curitiba por várias décadas e teve uma intensa presença inclusive na criação da Sociedade de Cultura Artística Brasílio Itiberê, fundada em 30 de outubro de 1944 e que promoveu até 31 de dezembro de 1975, 487 concertos - quando foi desativada. Ao longo deste período, em que a SCAB - presidida até 1971 pelo professor Fernando Corrêa de Azevedo (1913-1975) e, nos quatro últimos anos pelo professor Edgard Chalbaud Sampaio (1909-1984), era a única entidade a movimentar musicalmente a então provinciana Curitiba, a família Frank - Charlotte e seu marido, também músico e professor, Jorge João Frank (Curitiba, 13/11/1905 - 1/3/1978), e sua cunhada, Renée - sempre foram os grandes anfitriões dos artistas que passavam por Curitiba, fazendo concertos em auditórios improvisados - no Inter-Americano (7º andar do edifício Moreira Garcez, agora em reformas para ser a nova loja do grupo Hermes Macedo), no Clube Concórdia e outros espaços - já que o Teatro Guaíra, demolido em 1937, só voltaria a reabrir em 19 de dezembro de 1954, com seu pequeno auditório. As tertulias musicais no solar dos Frank eram eventos culturais importantes, pois ao lado dos artistas famosos, convidados, também talentos da cidade ali se apresentavam numa época de tranqüila amizade e vida cultural doméstica - já que a frieza da televisão não tinha chegado no Brasil. Cuidadosamente, Charlotte anotou todas as reuniões realizadas em sua casa e deste precioso material, Marisa fez um livro repleto de informações para quem sabe valorizar a memória e do passado. Apesar da importância do livro, só pode contratar sua publicação (com a Letero-Técnica) pagando seu custo e Charlotte Frank morreu, infelizmente, semanas antes do mesmo ser lançado. xxx Quando o livro surgiu, aqui merecendo, de nossa parte, um justo elogio, a Secretaria da Cultura, então em sua infeliz administração José Richa, decidiu faturar em cima do trabalho de Marisa Sampaio. Como nada havia feito para auxiliá-la, um dos "assessores" da Coordenadoria de Ação Cultural a procurou, dizendo que "o governo tinha interesse em editar seu próximo livro". Animada com este oferecimento, Marisa apressou a pesquisa que vinha fazendo sobre o compositor Augusto Stresser (Curitiba, 17/07/1871-17/11/1918), autor da ópera "Sidéria"(que estreou no antigo Theatro Guayra, em 03/05/1912) e entregou, além de 370 páginas datilografadas, também dezenas de fotos e documentos para a violinista Eleni Bettes, na época coordenadora da CAC. Apesar das promessas, o livro não foi editado e Marisa amargou meses de espera, desculpas esfarrapadas e, quando a professora Suzana Munhoz da Rocha Guimarães, assumiu a Secretaria, procurou reaver o seu material. Houve então a surpresa: o material havia sido "extraviado" e por mais que insistisse não conseguiu nenhuma explicação lógica. Pacientemente, Marisa esperou pela mudança do governo e antes mesmo do professor Renê Dotti, assumir a Secretaria, o procurou em seu escritório, relatando os fatos. Dotti mostrou-se indignado e prometeu que não somente determinaria a localização dos originais como se empenharia pela publicação do livro. Passaram-se meses e, procurando a então coordenadora de Pesquisa e Ensino Artístico, Marlene Rodrigues, obteve, após muita insistência a devolução do texto. Em relação as fotos e documentos originais, que deveriam ilustrar a obra, alegações de que os mesmos "não haviam sido localizados". Marise, que sempre procurou manter uma independência pessoal dos órgãos oficiais e pelo seu temperamento tímido, evita ter que freqüentar os esquemas burocráticos, acabou desistindo de forçar a pasta da Cultura a localizar o material que ao longo de muitos anos, reuniu. Desculpas e explicações talvez possam ser dadas pelas muitas pessoas que entre 1983/87 ocuparam cargos na Secretaria da Cultura. No jogo de empurra de responsabilidades, dificilmente alguém assumirá a responsabilidade pelo extravio de um material tão importante - e que já merecia, há muito ter sido editado. xxx Marisa Ferraro Sampaio, que em sua residência, mensalmente vem reunindo músicos em agradáveis "Horas Culturais" - como fazia o casal Frank nas décadas passadas, foi mais uma vítima da política e falta de organização dos organismos culturais do Estado. O Paraná, já conta com uma memória musical tão fraca (quantos nomes e períodos importantes aguardam pesquisas sérias, feitas por gente competente como Marisa? ), perde mais um pouco. E ela, assim como Roselys Velloso Roderjam, com toda razão, mostra-se descrente de promessas e projetos oficiais. E ainda há quem fale que 1988 é o ano da música no Paraná.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
10/08/1988

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