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Aramis

Ben, a força de uma boa atuação

Dentro da infantil programação de férias de fim de ano, com filmes digestivos mas pouco consistentes, uma opção que, infelizmente, encerra hoje sua temporada: "Um Caso Escandaloso" (Cinema I, 15 e 20h30min). Programado e suspenso por três vezes, finalmente chegou à tela este último trabalho de Pasquale Festa Capanile, falecido em 1985 e que, foi mais conhecido por comédias irreverentes - como "Uma Virgem Para o Príncipe", mas sem nunca atingir o nível de um Dino Rissi ou Vitório de Sica. Entretanto, como canto-do-cisne, Campanile realizou uma obra densa, profunda e emocionante ao discutir um fato real: a crise de identidade de um desmemoriado que, encontrado em março de 1926, teve seu reconhecimento familiar contestado na Justiça. Escândalo na época, envolvendo um rica família de Verona e apoiado pela mulher que acreditava (ou queria acreditar) ser o seu marido, desaparecido durante a I Guerra Mundial, o caso de Bruneri ou Canella movimentou a Itália nos anos 20. O protagonista da história, Giulio Canella, professor universitário ou Mário Bruneri, tipógrafo e anarquista, acabou seus dias no Brasil, onde faleceria em 1941, aos 59 anos. Aqui havia nascido também Giulio Canella, que só em 1970, teve reconhecidos como legítimos os seus filhos com Canella. Ao abordar um fato verdadeiro, que mesmo pouco conhecido fora da Itália traz pontos de interesse contemporâneo (afinal, quantas pessoas, sofrendo de amnésia, passam por longos períodos de crise de identificação?), Campanile buscou um dos mais experientes roteiristas italianos - Suso Cecchi D'Amico. Uma declaração sua, ajuda a entender melhor o filme: - "Um verdadeiro conto-de-fadas para mim. Dele se falou apaixonadamente durante anos... e em todos os níveis. Um oficial perdido durante a I Guerra Mundial é encontrado num hospital psiquiátrico dez anos mais tarde e identificado por um irmão e a mulher, embora ele continue sem memória de sua vida pregressa." Depois de identificado, uma outra família (mãe, mulher, filho, irmão e amante) alega que o desconhecido seria Mário Bruneri, um anarquista com uma condenação pendente. As testemunhas de ambos os lados foram igualmente numerosas e valiosas, tanto que o caso se arrastou por anos, com a vitória se alternando para ambos os lados. Até que um dia Giulio Canella é levado à prisão pelo crime de fraude atribuído a Mário Bruneri. Os advogados da família clamaram em vão. Como o desmemoriado Canella/Bruneri, o ator americano Ben Gazarra, 56 anos, tem mais uma interpretação marcante. Radicado há anos na Itália, onde tem obtido bons papéis (ainda este ano, fez "Il Camorrista", de Giuseppe Tornatore, que concorreu no III FestRio) - Gazarra estreou no cinema há 30 anos, em "O Rancoroso" (The Strange One, 1957), um filme dark, complexo para a época, baseado numa peça de teatro (exibido em Curitiba, em programação dupla no antigo Cine América). Apesar de atuações em muitos filmes famosos - de "Anatomia de um Crime" (1959, de Otto Preminger) a "Saint Jack" (O Tatuado, 79, de Bogdanovich) seria com John Cassavetes, que Gazarra teria seus melhores momentos, identificando-se com o clima de filmes não comerciais, que o diretor de "Os Maridos" costuma desenvolver - os quais, infelizmente, raramente chegam ao Brasil. Gazarra oferece neste "Un Scândalo Per Bene" uma daquelas interpretações básicas, criando e conduzindo situações, dentro de um elenco de nomes desconhecidos mas altamente competentes - a começar pela bela Giuliana De Sio, que como Giulia Canella tem uma marcante presença. Fotografado em Verona e Turim, a camera de Alfio Contini destaca a beleza destas cidades medievais, enquanto a trilha sonora de Riz Ortolani é também belíssima. Um filme seguro, marcante e que merece ser visto. Lamentável, apenas, que não tenha a chance de permanecer mais uma semana em cartaz.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
31/12/1986

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