Bianca, mestre dos nossos violinistas
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 17 de outubro de 1988
Na sexta-feira, 14, o telefone da professora Bianca Bianchi não parou de bater. Muitas mães queriam saber se aceitaria seus filhos pequenos como alunos de violino, pelo método Suzuki. É que a primeira apresentação da Orquestra Júnior, ligada à Universidade Federal do Paraná, na noite anterior, teve uma repercussão notável: crianças que pelo método criado pelo japonês Shimichi Suzuki desenvolvem em poucos meses sua musicalidade e podem fazer parte de uma orquestra de características especiais, como a que tem na maestrina Hildegard Soboll Martins, a dirigente da formação que se integra agora na UFPR - na qual dirige a Orquestra Juvenil (a antiga Sinfônica da UFPR, que há 30 anos era dirigida por seu marido, Gedeão Martins, foi praticamente desativada).
Professora de violino de Hildegard - como de mais de mil outras pessoas ao longo de seus 67 anos de atividades profissionais - Bianca Bianchi é uma entusiasta do método Suzuki:
- "Foi a coisa mais revolucionária para a formação de violinistas. Posso dizer isto de cadeira, pois aprendi pela maneira tradicional e durante meio século acreditei que era a única forma de musicalização. Suzuki mostrou a força de uma nova e revolucionária técnica".
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Remanescente do Trio Paranaense - que marcou a vida musical da tranqüila Curitiba dos anos 30 a 50, professora de Violino e Música de Câmera por 37 anos da Escola de Música e Belas Artes do Paraná, concertista e, sobretudo, mestre de várias gerações, Bianca Bianchi, no vigor de seus 81 anos - completados no dia 5 de junho último, conserva o entusiasmo, a alegria e a mocidade como a que seu amigo, Theodoro de Bonna, fixou nas cores de um imenso retrato que decora a sala de visitas de seu acolhedor apartamento na Rua Almirante Barroso. Morando há 32 anos no terceiro andar do edifício Bianca - "depois de ter passado quase 40 no Solar dos Wolff, onde hoje é a sede da Fundação Cultural", Bianca não se assusta com os três lances de escadas - que sobe e desce até seis vezes por dia.
- "Meu médico diz que faz bem. E eu não sinto cansaço...".
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Dentro da série Memória História do Paraná, patrocinada pelo Bamerindus, a violinista Bianca Bianchi gravou um belo depoimento, com riqueza de detalhes desde sua infância, lembrando a musical Curitiba dos anos 20 a 50, a fundação da Escola de Música e Belas Artes do Paraná e, com justa razão, lamentando a trágica situação em que ela se encontra, fundada pelo professor Fernando Corrêa de Azevedo (1913-1975), a quem, culturalmente, o Paraná tanto deve e que também foi esquecido.
Especialmente o esquecimento pela própria Escola da personalidade notável da pianista e professora René Devrainne Frank (1902-1979) magoa Bianca Bianchi, que com ela no piano e sua cunhada, Charlotte Frank (1903-1985) no violoncelo formou o Trio Paranaense - que tendo feito seu primeiro concerto na noite de 15 de dezembro de 1932, na Sociedade Thalia - marcaria toda uma época da vida artística paranaense. Até 1963 - quando das comemorações dos 25 anos da Escola de Música e Belas Artes - o Trio Paranaense teve uma presença ativíssima nos palcos de clubes e cine-teatros de Curitiba - "já que por mais de 20 anos não tínhamos o Guaíra", recorda Bianca Bianchi, a quem o episódio da demolição do velho Teatro Guayra revolta passados mais de 50 anos.
- "Na época, formei um grupo de artistas que procurou o então prefeito Moreira Garcez pedindo a ele para reformar o Teatro. Foi quando Garcez mandou que visitássemos o que restava do teatro: apenas quatro paredes. A destruição do teatro - que precisava apenas de algumas reformas - foi determinada por Aloísio França, quando prefeito de Curitiba, sob a alegação de que assim "forçaria" a construção de um novo Guaíra. O que levou mais de 30 anos. Por isto, quando encontrei Aloísio, lhe disse tudo o que pensava e a palavra mais gentil que encontrei para definir a sua "obra" foi "vândalo".
O Trio Paranaense deu centenas de concertos - não só em Curitiba, mas no Rio, São Paulo e muitas cidades catarinenses. Infelizmente não ficou um único registro gravado ou filmado. Nada, a não ser as recordações de uma geração de curitibanos que através de suas apresentações aprenderam a conhecer melhor a música de câmara, de grandes compositores que Charlotte, René e Bianca apresentavam em seus recitais.
Charlotte, René e o maestro e professor Jorge Frank (1905-1978), irmão de Charlotte, marido de René, faleceram e não estão lembrados sequer por uma placa de rua. Um esquecimento que machuca as pessoas que sabem valorizar o nosso passado cultural - e especialmente atinge Bianca Bianchi.
LEGENDA FOTO - Bianca Bianchi: um depoimento para a história de nossa música.
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