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Brasília, a Última Utopia, na visão de seis cineastas

Há dois anos, quando Reynaldo Jardim presidia a Fundação Cultural do Distrito Federal, o então governador José Aparecido - hoje ministro da Cultura - recebeu os participantes do XX Festival de Brasília para anunciar a decisão que havia tomado: financiar um filme, em episódios, isolados, que mostrassem aspectos diversos de Brasília através dos cineastas ali radicados. "Será uma forma dos nossos realizadores fixarem em imagens as visões, as interpretações que tem desta que foi chamada de a Capital da Esperança" explicou José Aparecido, ex-jornalista, intelectual dos mais relacionados nos meios culturais e da comunicação. Apesar de todas as dificuldades econômicas, José Aparecido cumpriu a palavra: com recursos de várias fontes, o projeto "Brasília: a última utopia", definido com o Documentário de Ficção ficou pronto a tempo de ter terça-feira, 7, na sessão de encerramento do XXII Festival, sua primeira exibição mundial. A produção executiva foi de José Pereira e Chico dos Anjos e o filme é constituído de seis episódios, independentes em suas propostas - mas unidos pelo mesmo cenário. Portanto, nada mais apropriado para marcar esta edição do Festival (que sempre é realizado com imensas dificuldades) estréia mundial de um filme com interpretações diversas do Distrito Federal. xxx Num dos poucos textos explicativos a respeito de "Brasília: a última utopia", distribuídos antecipadamente a imprensa, a sinopse é sintetizada da seguinte forma: "Do ermo surgiu o cimento, o ferro, o monumento. O engenho e a arte fizeram a paisagem onde só havia a natureza torta do cerrado. Brasília nasceu do sonho de D. Bosco ao fantástico realismo de J. K. Vértice do poder e pirâmide do estado social representada pelo poder legislativo na figura majestosa do congresso nacional. Com um olho no terceiro milênio. Com uma história que é a síntese do falar brasileiro. Com uma história que é também a síntese do sonhar brasileiro. Em menos de 30 anos, Brasília é patrimônio cultural da Humanidade com reconhecimento especial da UNESCO". Vladimir Carvalho, paraibano há mais de 15 anos radicado em Brasília, autor de documentário sobre personalidades políticas como o político e escritor José Américo de Almeida (1887/1980) e o senador Teotônio Vilella (1917-1983) vem filmando Brasília em todas suas fases, para um projeto muito espeical que ainda não pode concluir. Mas uma espécie de compacto deste material deve ser aproveitado em "A Paisagem Natural", no qual trata de genes do Planeta e do Planalto Central. A natureza exuberante do Planalto Central que nas imagens do episódio de Vladimir se mostra desinibida em seu esplendor, nas cachoeiras, rios, chapadas, cavernas, bichos e a vegetação do cerrado. Porém Vladimir não deixa de assinalar a interferência brutal do homem neste contexto natural. O cearense Pedro Jorge de Castro, realizador de "Tigipió" e que retornou há pouco da Itália, onde fez um vídeo de longa-metragem sobre os irmãos Taviani ("Pai Patrão", "Good Morning, Babilônia" etc), a exemplo de Carvalho, é também professor da Universidade de Brasília, aqui vivendo há muitos anos. Pedro Jorge realizou o segundo episódio, "O Sinal da Cruz", no qual trata da caminhada do homem brasileiro do Litoral ao Interior. Explicava-nos ontem, numa conversa informal, que optou para este processo narrativo num sistema de "resgatar o civilizatório Gilbertifreiriano incorporando sua meta-raça e vendo Brasília como um ciclo econômico da história do Brasil: de Pedro Álvares Cabral à Constituinte". O terceiro episódio, "Suite Brasília", de Moacir de Oliveira, mineiro, atual presidente da Embrafilme, conta em forma de balé-musical, inspirado na música do mesmo nome de Renato Vasconcelos, ilustrado com depoimentos de Oscar Niemeyer e Lúcia Costa sobre o conceito arquitetônico e urbanístico de Brasília. xxx Pioneiro do chamado ciclo baiano dos anos 60 ("A Grande Feira", "Tocaia no Asfalto", "Redenção"), há anos radicado em Brasília, Roberto Pires é o autor de "A Volta de Chico Candango", relatando através de um personagem nordestino a sua volta à capital depois de ter ajudado a construir a Capital da Esperança e a ter deixado. A sua volta a Brasília se dá cheia de sonhos de otimismo, mas quando chega à capital de hoje só encontra burocracia e desmandos. Frustrado, vê a capital que ajudou a construir como o sonho que desapareceu. O quinto episódio, "Além do Cinema do Além", dirigido por Pedro Anísio, enfoca através do personagem "Spirit" de Will Eisner, na linguagem de quadrinhos, o misticismo que povoa o Planalto Central. Inspirado no realismo fantástico, Pedro Anísio enche a tela de aparições ritualísticas de contradição entre a cultura de massa representada por Spirit, e a fortaleza da cultura religiosa afro-oriental/católica: sincrética. Brasília tem três mil seitas e nasceu de um sonho de um padre Italiano, D. Bosco. Pedro Anísio procura relatar em seu episódio - com a participação de J. Pingo, Joel Barcellos, Ana Maria Magalhães e Raul de Xangô - o clima oculto e que derrota com seus personagens caboclos/exus e cultura de massas representada por Spirit. Mineiro, professor da Universidade de Brasília, autor de "A Demorada Viagem" e com um novo longa ("O Círculo de Fogo") em fase de finalização (mas que não foi concluído a tempo de disputar o Festival), Geraldo Moraes no sexto e último episódio, "A Capital dos Brasis", fotografa a síntese racial/cultural do sotaque brasileiro, vivenciado em Brasília, vista por Geraldo como cidade adaptada à contemporaneidade urbana assimilizada à cultura do pós-moderno e do rock, ao mesmo tempo que é habitada por candangos pioneiros vindos do Interior. Explica Geraldo: - "É o retrato do falar do povo brasileiro em contraste com o poder onipotente e orgulhoso. Brasília e o Brasil. Brasília e o mundo. Brasília tem bares, tem noite, tem gente na rua, tem vida".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
05/11/1989

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