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Aramis

Caipira, os pioneiros da produção independente

A música caipira nasceu no Brasil de forma independente em termos fonográficos. Isto porque em 1929, quando o folclorista, compositor e animador Cornélio Pires (Tietê, SP, 1880-SP, 1958) procurou o famoso Mr. Evans, todo poderoso tycon da RCA Victor propondo a gravação de uma série de 78 rpm com artistas sertanejos, a resposta foi, um sonoro "não". Cornélio perguntou quanto custaria a gravação dos discos. Mr.Evans respondeu que não interessava mais ante a insistência pediu uma soma absurda. Pires, um caboclo decidido, saiu do escritório da Victor e em menos de 2 horas conseguiu levantar o dinheiro. Vivo. Voltou e mostrando o pacote para o surpreso executivo americano, disse: - E agora, dá para gravar! Deu. E Cornélio levou para os estúdios um grupo de intérpretes que se dedicavam a música caipira, populares no interior de São Paulo, mas que já sofriam uma discriminação hipócrita em termos de consumo urbano. Discos prensados, Cornélio reuniu os artistas e iniciou a excursão pelas cidades paulistas. Em cada show, ao final, anunciava que tinha como novidade "os discos com as músicas cantadas pelos artistas que voceis acabam de aplaudir". Resultado: em duas semanas, vendeu toda a produção e telefonou a Mr. Evans, pedindo que prensasse mais algumas milhares de cópias. Teimoso, mas de visão empresarial, Mr. Evans sentiu que havia um filão (de ouro) na música caipira e logo, logo, tratou de contratar os artistas para a sua gravadora. Começava um "boom" de música de raízes, falando das coisas do povo, que não seria mais interrompida. Hoje, passados mais de 50 anos, muita coisa mudou no Brasil. Os caipiras deixam de ter a imagem de ingenuidade e ignorância e hoje há várias designações: rurbanos, sertanejos e bregas. As duplas que durante décadas tinham seus horários nos programas de maior audiência das grandes emissoras - Cascatinha & Nhana, Jararaca & Ratinho (que trouxeram a crítica social e política em suas paródias, o que custou a dupla muitas prisões durante o Estado Novo), Tonico & Tinoco (a mais antiga, ainda em atividade), enquanto regionalmente fortaleciam-se também formações de valor - no Paraná, Nhô Belarmino (Salvador Graciano) e Nhá Gabriela (Julia Alves), que foram os artistas mais populares do estado e com projeção nacional, criadores de muitos sucessos ("Passarinho Prisioneiro" e "As Mocinhas da Cidade", esta ganhando até modernização no voz do luso-brasileiro Roberto Leal e entrando como música incidental na trilha de "O Beijo da Mulher Aranha", de Hector Babenco). A linguagem da música não urbana - que já mereceu um seminário, por nós idealizado e organizado em maio/83 - conta ainda com poucos estudos teóricos, mas o campo é amplo para pesquisa. Hoje, os veículos nacionais se voltam para os artistas populares que, sem qualquer esquema de marketing, conseguem sair de públicos específicos e vender tantos discos como Roberto Carlos (caso do goiano Amado Batista) ou chegar até a China (a dupla Milionário e Zé Rico, após terem feito "A Estrada da Vida", um filme de Nelson Pereira dos Santos, uma de nossas primeiras fitas a serem exibidas naquela país). A descaracterização sertaneja - apelando para o bang-bang italiano (Leo Canhoto & Robertinho, que trouxeram a guitarra elétrica para a música rural), os mariacchi mexicanos (Pedro Bento & Zé da Estrada) e as centenas de duplas que procuram os mais estapafúrdios pseudônimos artísticos - em si matéria não para um registro jornalístico, mas todo um amplo ensaio. O importante é que em suas raízes de Brasil, a música que vem das camadas mais humildes - e por ela é absorvida, com fidelidade - não, pode (nem deve) ser desperdiçada. Afinal, entre o country americano, com todo seu poderio econômico, ficamos com os nossos caipiras! LEGENDA FOTO - Milionário e Zé Rico, negócio da China.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
7
17/07/1988

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