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Aramis

Canibalismo & katchupp numa sequencia de horror caipira

Nos últimos 15 minutos de projeção de "Exorcismo Negro", o espectador sensível não consegue fixar-se na tela: após um "casamento negro", em que Zé do Caixão une o filho de Satã à filha da feiticeira Malvina, ocorre uma bacanal de sangue & antropofagia digna do Gran-Guignol: dedos, mãos, braços e orelhas são amputados, uma língua é arrancada - e devorados por homens e mulheres nus que correm entre sangue (vários vidros de katchupp e mercurio-cromo gastos na filmagem), numa seqüência que leva ao vomito e mesmo ao desmaio. José Mojica Marins reconhece que esta seqüência foi totalmente concebida por ele, lutando para que o produtor Anibal Massaini Neto não interferisse em sua realização. E realmente a seqüência é característica da guignolesca visão do terror que Mojica Marins tem de seu estranho mundo: Zé do Caixão, um personagem que pode ser visto, ideologicamente, como nazista, na busca da mulher perfeita, para a perpetuação de sua espécie. Contando com recursos técnicos e artísticos que nunca antes havia visto um grande elenco, com interpretes da dimensão de wanda Kosmos (Malvina), Jofre Soares (Júlio) e Geórgia Gomide (Lúcia), Mojica fez um filme em que busca ampliar o seu público - fiel ao seu terror subdesenvolvido desde o original "À Meia Noite Levarei Sua Alma". Confuso, violento, folclórico em suas propostas cinematográficas, Mojica Marins tem que ser visto como produto de um meio cinematográfico que só agora começa a adquirir caracteres de indústria. Seus filmes sempre foram primitivos, mal acabados, absurdos, mas tendo o mérito de procurar uma visão própria do terror - sem copiar modelos estrangeiros, sem plagiar Dráculas, Frankesteins e outros monstros desenvolvidos. Seu Zé do caixão é grosso, ingênuo e limitado como muitas das coisas de nosso cinema e nosso País - e isto o faz ser visto com simpatia por críticos rigorosos, como o denso Salvyano Cavalcanti de Paiva, que acompanha com interesse sua evolução cinematográfica. Com mil idéias na cabeça e nem sempre com uma câmara (com filme) na mão, Zé Mojica impressiona ao falar de seus roteiros. Idéias surrealistas num mundo de terror, em que demonstra, como Buñuel, um anti-clericalismo total, fruto de sua formação eminentemente religiosa (sua mãe, dona Carmen, é uma velha espanhola que se horroriza com suas fitas). Tendo apenas feito o curso primário, dono de uma academia de arte dramática em São Paulo, lendo apenas historias-em-quadrinhos - confessa que apesar de se interessar por tudo que diga respeito ao realismo fantástico, conhece muito pouca coisa, em termos sérios, a este respeito - José Mojica é um cineasta brasileiro em busca de um gênero de fácil agrado popular: o terror. Seus filmes tem que ser vistos dentro destas limitações, numa balança em que conta a sua criatividade, a sua originalidade - mas que também não se pode deixar de considerar os aspectos comerciais, pois, afinal, quem nos garante que a moça que teve um ataque de histeria na estreia de "Exorcismo Negro", na sessão da meia-noite, no cine Ópera.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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10/01/1975

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