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Aramis

... e a capital ecológica não quer ver "Césio 137"

Onde estão os ecologistas curitibanos? E, especialmente, quem são os "preocupados" homens públicos - administradores, políticos, autoridades, que fazem da ecologia bandeiras políticas em todas as oportunidades para se autopromoverem? A pergunta cabe perfeitamente após a melancólica pré-estréia de "Césio 137 - A Tragédia de Goiânia", na noite de sexta-feira, 13, no Cine Ritz, no exato dia em que ocorreu, há quatro anos passados, na capital de Goiás, a maior tragédia de contaminação nuclear urbana do continente. Ao embarcar para Brasília, no sábado pela manhã, o cineasta Roberto Pires, 58 anos, não escondia sua frustração: menos de 50 pessoas, nenhuma autoridade e desinteresse pela exibição do mais importante documento-drama já realizado sobre os riscos da contaminação nuclear. Só graças aos esforços e entusiasmo do ecologista Oswaldo Cardoso, 38 anos, um ex-professor que em 26 de junho de 1983 fundou o Movimento de Ação Ecológica (Rua Desembargador Westphalen 15, 16º andar, fone: 235-6518), foi que o filme de Roberto Pires, premiado nos festivais de cinema de Natal e Brasília no ano passado, chegou a Curitiba. Em contato pessoal com Pires, há mais de seis meses, Oswaldo manifestou seu interesse em que o contundente filme contando o que aconteceu em Goiânia, quando a 13 de setembro de 1987, dois jovens encontraram uma bomba de cobalto abandonada nas ruínas da antiga Santa Casa de Misericórdia e a venderam ao comerciante Dejair Ferreira, dono de um ferro velho no bairro do Aeroporto, tivesse exibição na autobadalada "Capital Ecológica do Brasil". Legitimamente, o Movimento de Ação Ecológica exigiu que a Fundação Cultural de Curitiba - mantida com recursos oficiais, oficializasse o filme numa das suas salas. Foram também convidados duas vítimas do acidente, "para que a sessão tivesse maior repercussão, pois muita gente não acredita nas conseqüências do que ali aconteceu", diz Oswaldo. Apesar da existência de mais de 50 entidades ecológicas na cidade - e mais 12 atuantes - a comunicação feita por Oswaldo e seus companheiros do MAE pouco adiantou: além de um público reduzidíssimo, nenhuma autoridade - sequer a reitora da Universidade Livre do Meio Ambiente apareceram. Jaime Lerner, que tem viajado mensalmente pelo Brasil e Exterior em pregações ecológicas não compareceu mas sua ausência teve uma desculpa oficial: foi a um fórum de prefeitos que se realizava na sexta-feira em Florianópolis. Pires e as duas vítimas da tragédia que vieram a Curitiba - a sra. Terezinha Nunes Fabiano, 39 anos, contaminada no ônibus em que a cápsula foi transportada (ela está condenada, assim como suas três filhas) e Odeson Alves Pereira, irmão do dono do ferro velho onde a radiação aconteceu. Odeson já perdeu um dedo, parte da mão esquerda e também é um doente terminal. Duas das 250 vítimas oficialmente reconhecidas - mas que na verdade atinge a números bem maiores. O sr. Pedro Guimarães, vice-presidente do Movimento de Ação Ecológica, no debate que se seguiu a exibição do filme foi incisivo. Perguntou onde estão as autoridades, especialmente os deputados, vereadores, "especialistas" e tantos que utilizam a bandeira da ecologia, para autopromoção e interesses pessoais. O Movimento de Ação Ecológica pretende, em 1992, promover aquilo que já havíamos sugerido há quase um ano ao prefeito Jaime Lerner - e que deveria ter sido feito agora, especialmente para justificar a criação da badalada Universidade do Meio Ambiente: uma mostra-seminário de filmes e vídeos (que já passam de uma centena, incluindo-se a produção internacional) que poderia realmente dar uma abrangência a uma questão tão atual. Infelizmente, a forma com que aconteceu o lançamento de "Césio 137" foi frustrante. Roberto Pires, embora grato pela oportunidade de vir discutir não apenas o tema que o seu filme aborda - mas com sua preocupação de ecologista que é, há mais de 20 anos, quando foi discípulo do físico paranaense César Lattes, que tem sido uma espécie de consultor voluntário de seus trabalhos (em 1981, em "Abrigo Nuclear" e há dois anos em "Césio 137"), não escondia sua decepção pelo fato de não ter a atenção que merecia. Em termos de público, o fracasso é grande. Na sexta-feira, a desculpa era de que a inauguração da Rua 24 Horas e a quermesse que tumultuou a praça da Ordem no último fim de semana foram responsáveis (sic) pela "falta de público". Não poderia existir desculpa mais esfarrapada. Há promessa de Paulo Roberto Biscaia, 22 anos - que foi a única pessoa ligada à FUCUCU a dar alguma atenção a Roberto Pires - de que "Césio 137" permanecerá em cartaz por duas semanas no Ritz e, posteriormente, mais de 15 dias no Guarani, "mesmo que haja sessões com público zero". E pelo visto, embora "Césio 137" seja, em nossa opinião, um dos 10 melhores filmes exibidos este ano - pelo seu sentido de denúncia, coragem e atualidade (além de méritos cinematográficos), só permanecerá em cartaz se houver mesmo sinceridade na promessa feita por Biscaia. Ate segunda-feira, 16, apenas 117 espectadores haviam comparecido ao Cine Ritz, que nas sessões de domingo (15), às 22h e das 14h de segunda-feira (16) exibiu o filme para um solitário assistente em cada sessão. Aliás, na segunda-feira, na sessão das 16h, havia três espectadores, número que subiu para cinco na das 18h e atingiu o ponto "culminante" com sete, às 20h. Às 22h, não apareceu um único interessado em assistir ao filme que mostra o que aconteceu em Goiânia, e após aguardar por 30 minutos, a atenciosa Maria Antônia, gerente daquela sala, não teve outra solução do que fechar o cinema e liberar os funcionários mais cedo. xxx Só para comparar! "Ameríndia", um documentário de ritmo arrastado, sobre a destruição das culturas indígenas no continente americano (prêmios de melhor filme e júri popular e fotografia no XXIV Festival de Brasília do Cinema Brasileiro), apresentado em pré-estréia na última quarta-feira, 11, em promoção do Sindicato dos Servidores Municipais de Curitiba, graças à competente promoção feita por aquela entidade, bateu o recorde de público no Cine Ritz (308 lugares): quase mil pessoas acotovelaram-se em duas sessões para conhecer o filme do padre Conrado Berning - que em sua maior parte é falado em espanhol, sem legendas. "Césio 137", com um ritmo de suspense, elenco de intérpretes conhecidos, corre o risco de ficar como o filme de menor bilheteria do ano.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
18/09/1991

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