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Aramis

Carlinhos, o pai da Bossa

As duas apresentações que o compositor-intérprete Carlos Lyra faz nesta semana ("505", Avenida Manorel Ribas) se constituir numa das poucas manifestações musicais comemorativas aos 30 anos da Bossa Nova. É uma pena! Pela importância de Lyra na Bossa Nova, seria justo que ele também se apresentasse em espaços menos sofisticados (e caros) como o piano-bar do Alto das Mercês. Aos 52 anos - completados no último dia 11 de maio, mas conservando a aparência de garotão dos anos 60, quando era um dos mais entusiastas fundadores do Centro Popular de Cultura, Carlos (Eduardo) Lyra (Barbosa) não foi, ainda, devidamente, estudado em sua importância dentro da música brasileira nestes últimos trinta anos. Heitor Valente, 41 anos, poeta, letrista, animador cultural e que se tornou amigo tão grande de Lyra que com ele fez irônicas parcerias, costuma dizer que "Carlinhos ficou marginalizado na música brasileira porque tem o maior QI de todos: o pessoal tem medo de sua inteligência". Realmente, Carlos Lyra é um homem inteligente. Seu parceiro Vinícius de Moraes incluía na saudação de "A bênção", a frase "Carlinhos Lyra, que une a ação ao pensamento!" - pois nos trepidiantes anos 50 e, especialmente, até a primeira metade da década de 60, Carlinhos foi atuante, politicamente. Soube entender a importância de ser criado o CPC e, quando ninguém se lembrava de compositores como Cartola, Zé Ketti, João do Vale e outros, com a Bossa Nova restrita a Zona Sul, ele foi buscar nos morros e na Zone Norte do Rio de Janeiro estes talentos. Foi através de Carlinhos Lyra que Nara Leão (que, aliás, fez sua primeira gravação na faixa "Maria do Maranhão", lp "Depois do Carnaval", Philips, 1962) encontraria os autores que fariam com que seu primeiro elepê (Elenco, 1964) surgisse como um grito de renovação dentro da Bossa Nova. Afinal a musa do movimento, preferia cantar Cartola, Elton Medeiros, Zé Ketti do que apenas seus amigos da linha mar-sol-flor-amor das reuniões bossanovistas. Com Nelson Lins de Barros (1920-1966), double de físico e compositor (raramente lembrado em sua importância) e Chico de Assis, Carlinhos Lyra chegou a desenvolver um musical ("Um americano em Brasília") que nunca chegou a ser montado - mais do qual resultaram músicas como "Mister Golden"(que o próprio Lyra aparecia cantando em "Um candango na Belacap", 1961, terceiro longa-metragem de Roberto Farias) e a já citada "Maria do Maranhão". Com Chico de Assis, Lyra seria o autor de "Canção do Subdesenvolvido", que editada no proibidíssimo compacto "O povo canta" (CPC - UNE, 1961) virou uma espécie de hino da UNE. Com Geraldo Vandré, faria "Quem quiser encontrar o amor", música-tema de "Couro de gato", o primeiro curta de Joaquim Pedro de Andrade - e que depois, reunido a outros filmes de jovens cineastas (Leon Hirzman, Cacá Diegues, Miguel Borges) se transformaria em "Cinco Vezes Favela". Com Vinícius de Moraes, Lyra teria sua melhor produção - inclusive um musical ("Pobre Menina Rica"), que após três montagens por ele supervisionadas, acabou sendo destruída na versão cinematográfica (Vinícius, pensava um dia em dirigi-lo no cinema). Lyra costuma dizer que a produção com Vinícius resultou em canções de tamanha qualidade, porque sempre foi rigoroso com o poeta, fazendo-o reescrever inúmeras letras - até que houvesse o nível desejado. O fato é que "Marcha da Quarta-Feira de Cinzas", "Minha Namorada" e "Primavera", apenas três das muitas parcerias com Vinícius, bastariam para consagrar qualquer compositor. De repente, não mais do que de repente, como diria Vinícius num de seus mais conhecidos poemas, Carlinhos Lyra parou de compor. Ou ao menos cansou de tentar enfrentar a corrompida máquina da indústria fonográfica. Passou dois longos períodos nos Estados Unidos e México, ali conheceu sua esposa, a bela atriz e cineasta Katherine Lee Riddeli Gaughey - a Kate Lyra - e nestes últimos 15 anos só teve um disco editado. Justamente a gravação ao vivo do show retrospectivo de sua carreira que, há mais de 4 anos, lota auditórios, emociona novas gerações e traz uma nostalgia a faixa dos quarentões que acompanharam a sua carreira. Com exceção de ter colocado música numa letra deixada por Dolores Duran (1930-1959) - "O Negócio é Amar" - praticamente o público nada mais teve de novo da parte de Carlinhos, mas que pelo conteúdo de sua obra, encontra, em todas as cidades em que se apresenta (o que deverá repetir-se agora, em Curitiba) entusiastas e fiéis admiradores. Que, entretanto, desejariam ver Carlinhos com novas músicas, pois talento nunca lhe faltou e, com sua sensibilidade apurada de autor, sempre soube fazer as mais belas músicas. Neste 1988, oficialmente o ano 30 da Bossa Nova - considerando-se como marco zero a gravação do "Canção de amor demais" (Elizeth Cardoso interpretando Vinícius e Tom, lp "Festa", abril/58) - talentos maiores como Carlinhos Lyra, João Gualberto e Sérgio Ricardo (da primeira fase, romântico e bossa-novista), hoje, cinqüentenários, ao se afastarem das gravadoras (e também de shows, como Sérgio e João) fizeram com que este nosso mundo musical ficasse medíocre e os roqueiros passassem a ocupar espaços que, sinceramente, a juventude deste final de milênio, não merecia sofrer. E que, estupidamente, curte sem saber o que está perdendo ao desconhecer o que foi a Bossa Nova. LEGENDA FOTO - Carlos Lyra: 30 anos de bossa.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
25/08/1988

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