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Aramis

CARTAS

Antônio Bittencourt Ferreira (Bela Vista do Paraíso) - "1972". Quem descia pela estrada Y, antes do córrego X, via à direita uma tremenda plantação de soja. O sitio ainda pertence ao Sr. José. É encravado numa encosta com a face para o oriente e talvez por isso seja cognominado o ninho das geadas. Quando o Sr. Paulo Pimentel foi eleito governador do Paraná, o Sr. José fez questão de colocar à margem da estrada a placa com os dizeres "Aqui se Trabalha". "O Sr. José tem um filho que joga futebol na várzea e anima a turma da roça nas peladas de sábado e domingo. A filha aproveita o negocio para vender coca-cola e ganhar um dinheirinho. Tem jogador de futebol de olho na filha e de coca na mão. Ela gela o bico da cara. Está de olho num praça boa praça e taludo. É bom pacas. O jogador que não marcou o tento principal termina ficando no placar zero e perdendo a partida. "Na roça, quando a enxada duas caras faz muita poeira e o nariz fica entupido, é hora de tomar um gole de água fresca. O pote de barro está ao abrigo do sol. Glut, glut, glut e o pote está vazio. Julia encosta o cabo da enxada e vai buscar mais. No caminho está o caboclo teimoso e ela gosta. Volta mais tarde, depois do café das duas, com o pretinho quente e mais bolinhos de fubá. Pega no jeito e emparelha dentro em pouco. Avança, domina. Cabra bom fica pra trás. As vezes uma borboleta amarela bate na cara de Júlio. Outras, um passarinho espantado estremece na moita. Júlia gosta do sol da manhã. Bate com a ponta da enxada na primeira folha e vê o orvalho cair. O irmão de Júlia gosta de olhar para o céu e ver os raios solares sair como flechas ponte-agudas se o sol está escondido entre cumulus. "O soja substitui o café. Tinha muita gente de olho no Sr. José. Os corretores queriam vender o sitio enquanto a planta dava propostas. O lavrador esquerdista. Encheram o lavrador deitou a moringa. O soja deu uns bons milhões. A casa do Sr. José não tem água encanada e nem luz. Tem quatro cômodos. A mulher do Sr José não tem fogão à gás e nem panela de pressão. Os dois empregados do Sr. José vivem num rancho mal cheiroso. Por ali não existe latrina. Na porta da cozinha o polo desbarrancou com a chuvarada e o Sr José abriu outro perto do córrego que deu água de metro e meio. A mulher do Sr. José tapa o poço com umas tábuas depois de tirar a água de qualquer jeito. O soja deu uns milhões, Vi em sonho uma casinha branca com água encanada, luz fogão a gás e mobilias novas. Sonho é sonho. Passei na casa do Sr José e ele me deu uma triste noticia: comprou duzentos alqueires no sertão. Foi uma pechincha. Naquela hora, senti uma dor por dentro e olhei a casinha branca bem longe construída por outro que tomou o dinheiro do Sr. José".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Panorama
4
30/03/1973

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