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Aramis

Cenas de um casamento (I)

Apenas uma coincidência faz com que "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" (Cine Rivoli), esteja em exibição na mesma semana em que "Constantine" lota o auditório Salvador de Ferrante todas as noites. O filme de Woody Allen é, aparentemente, uma comédia que faz sorrir. A peça de Somerseset Maugham é uma comédia que faz o empetelecado público dar sonoras gargalhadas. Entre ambos - o filme e a peça - o único ponto em comum é que tratam de um mesmo tema o casamento ou o relacionamento afetivo/sexual/conjugal. Afora disto, qualquer outra aproximação é total perda de tempo e espaço. Entretanto, não deixa de ser curioso observar de como um mesmo tema pode ser visto de tantas e diversas maneiras. E, afinal, a relação homem-mulher, no casamento ou fora dela, está presente em milhares de textos e filmes, podendo, como prova Woody Allen, continuar sempre em discussão. Há um mês, desde quando "Annie Hall" estreou no Rio e São Paulo, os mais diversos enfoques a seu respeito vem sendo feitos nas páginas de jornais e revistas. E a premiação com 4 Oscars filme diretor, roteiro e atriz (Diane Keaton), aumentou o interesse por esta quinta fita dirigida por Allen, homem de múltiplo talento que, há uma década vem se impondo com uma das mais inquietantes cargas de comicidade atual no cinema americano, depois de passar pela televisão e teatro. xxx "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" e o titulo que a United Artists encontrou para "Annie Hall" no Brasil não poderia ser mais idiota, representa, sem duvida, um arriscado mas bem sucedido salto na carreira de Allen. O Exorcismo que vinha praticando em seus filmes, atinge aqui um ponto maior - o que faz com que os nomes de Felline e Bergan, claramente citados neste filme, não sejam mero acaso. Muito pelo contrário, Allen é um artista que curte fazer referencias e citações, o que pode ser sentido em filmes nos quais trabalhando apenas como ator não deixou de colocar uma marca pessoal, a partir mesmo da quase surrealista comédia "O Que É Que Há Gatinha" (What's New Pussycat? 1965, do Clive Donner) ao excelente "Sonhos de um Seduto"(Play It Again, San, 72, de Herbert Ross) - este, por sinal, com próxima reprise na sessão da meia noite do Astor. "Annie Hall" - é o titulo original do filme já é uma referencia a identidade verdadeira da atriz Diane Keaton, sua ex-companheira conjugal - oferece ao espectador que dispõe de uma informação atualizada, "up to date" como diria o americano, uma série de pistas e referencias, que crescem ainda mais para a colônia israelita - já que Allen, como filho de judeus - americanos sempre deu uma característica muito forte, racial, em suas comédias - enfoque, alias que tem justificado criticas. As informações de cinema (referencias claras a "Face a Face", de Bergman; do documentário "Le Chagrin et La Pitié/ O Desgosto e a Piedade", de Marcel Ophuls, 1976, inédito no Brasil), a literatura (a referencia a poetisa Susan Plesch), a comunicação (o teórico Marshal Mac Luhan, aparecendo numa engraçada seqüência), engrandecem, sem dúvida, o desenvolvimento do filme. "Mas, muito mais importante é, em nosso entender, a colocação humanistica de Allen, na relação de um tema que, num enfoque pessoal e local (um casal de artistas, ele comediante, ela cantora) e local (Nova Iorque), transpõe, entretanto, a qualquer outro pais, chegando, emocionado (e questionando, principalmente) os muitos casais - que como Annie Hall Alvy Singer, por certo, podem fazer indagações semelhantes - mesmo que vivendo situações diferentes. No fundo, o problema é o mesmo: a dificuldade de um relacionamento, o absurdo do dia a dia, a deterioração nas relações. Isto dá ao filme de Woody Allen uma grandeza universal - fazendo-o uma obra aberta, sem fronteiras geográficas e cronológicas. E, sem querer fazer uma colocação exagerada, diríamos mesmo que assim como os clássicos textos dos autores gregos permanecem hoje tão atuais como há 2 mil anos passados, por tratarem do Homem e de seus sentimentos também o filme de Allen tem esta força. As comparações com Ingmar Bergman, em especial o seu antológico "Cenas de um Casamento" tem sido constantes e o próprio Allen colocou claramente este enfoque: Só que ao invés de um discurso imenso, originalmente de mais de seis horas - reduzido na versão para o cinema em 180 minutos, como fez o mestre sueco, Allen preferiu uma visão compacta, de seqüências rápidas, em que as piadas embalam o trágico e dando um ritmo que faz com que os 120 minutos de projeção deste filme fluam rapidamente. A agilidade do Roteiro (desenvolvido em colaboração com Marshall Brickman), a montagem criativa de Ralph Rosenblum, a intercalação de passado e presente (nas cenas de memória, imagens fellinianas), permitem ao espectador compor, psicologicamente o personagem Alvy Singer, que cresceu numa casa debaixo de uma montanha russa - e a partir de então começam as indagações (e obsessão) pela morte e, a desesperança e o absurdo da vida. Partindo de uma das mais conhecidas frases do humorista Groucho Marx (1895-1977) - "Eu não posso ser sócio de um clube que me aceita como sócio", Woody Allen situa, a partir da abertura do filme, uma colocação ironicamente de sua visão do relacionamento humano, paradoxalmente pessimista num homem visto (até agora) como comediante - portanto com a obrigação (maior) de fazer rir e divertir.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
4
13/04/1978

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