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Chacina de Carambeí a espera de nosso Capote

Se existisse no Brasil o interesse de uma grande editora financiar um jornalismo de investigação, pelo menos dois conhecidos profissionais de renome nacional já estariam há duas semanas no Paraná para mergulhar a fundo no crime mais violento ocorrido nos últimos anos: a chamada chacina de Carambeí, ocorrida na terça-feira de Carnaval, 7 de fevereiro, em Carambeí, na qual três pessoas foram assassinadas, enquanto quatro outras sobreviveram com gravíssimos ferimentos. Apesar da natural atenção que o secretário Antônio Lopes de Noronha, da Segurança Pública, deu ao caso - e a esforçada cobertura da imprensa, o crime - pelas suas características já reveladas, oferece um conjunto de dados a serem estudados que poderão resultar num estudo de muito maior profundidade sobre os fatos que levaram tamanha carga de violência contra uma família. Uma lembrança é imediata: há 30 anos, também numa propriedade rural no Interior de Kansas, EUA, dois jovens assassinos, mataram toda uma família - os Clutters, com requinte de idêntica perversidade. O crime foi manchete mundial e um escritor americano, Truman Capote (1924-1984), acompanhou toda sua investigação, a captura dos assassinos e só após a execução dos mesmos, condenados à pena de morte por enforcamento (22/06/1965), publicou "A Sangue Frio" - que se tornaria um grande best-seller, ganhando, dois anos depois transposição para a tela. O livro (tradução de Ivan Lessa) teve várias edições no Brasil, mas atualmente inexiste nas livrarias e os dois únicos exemplares à disposição atualmente na Biblioteca Pública do Paraná encontram-se em péssimo estado, já que foram emprestados inúmeras vezes. Truman Capote fez um jornalismo de investigação sobre a chacina de Holcomb, com centenas de entrevistas, detalhada exploração de todos os detalhes e fatos paralelos que pudessem compor o universo em que viviam os Clutters, seus hábitos, a psicologia de cada membro da família, seus vizinhos, amigos, os colegas de escola das crianças etc. - num trabalho que chegou à sociologia. Igualmente, os assassinos Richard Eugene Rickock e Perry Edward Smith tiveram suas vidas escarafunchadas ao máximo, sendo que a eles, após muita insistência, Capote teve acesso, conseguindo sua confiança para longas entrevistas, período em que conviveu no presídio de Kansas onde aguardaram por anos a sentença de morte. Assim, dentro de literatura contemporânea, "In Cold Blood" transformou-se num clássico, marco mesmo de um novo gênero - o chamado romance sem ficção (para alguns críticos, também chamado "new journalism"), mas que só pôde ser desenvolvido por Capote ter previamente recebido recursos que o permitissem se dedicar em tempo integral em sua investigação. Quem vem acompanhando mais de perto a chacina de Carambeí, ao julgar ao menos pelo que foi divulgado (possivelmente, a investigação ainda guarda muitos detalhes, já que o assassino - ou assassinos - ainda não foram presos) vê conotações amplas neste crime pavoroso. O relacionamento anterior do criminoso com a família Boer; o fato do marido, Dick ter combinado que o empregaria; as referências sobre uma possível vingança do assassino, em relação à humilhação sofrida com uma demissão são alguns dos muitos fatos ou suposições nebulosas. Para estudos do lado freudiano, um detalhe que foi revelado por uma das sobreviventes, Miriam Boer, esposa de Dick, oferece, então, amplo campo para ser estudado em relação aos aspectos psicológicos-sexuais do assassino: a matança teria ocorrido após ela tê-lo informado de que não poderia manter relações sexuais porque estava grávida de três meses - fato que o criminoso teria aceito, mas, em seguida, transformado na violência para matar a família - o marido Dick, a sogra Mariana e o bebê Tiago - e ferindo gravemente a ela e aos meninos Toni e Leonardo. Enfim, um crime que ultrapassa os limites das páginas policiais e oferece elementos para um estudo amplo, preciso e que poderá consagrar seu autor. Para tanto, basta existir disponibilidade e condições de ser feito um trabalho independente - seja do ponto de vista jornalístico ou jurídico. Se fosse nos EUA, por certo já haveria uma dezena de gente experiente trabalhando a respeito - para fazer chegar ao público uma tentativa de interpretação de mais esta tragédia da violência neste final de milênio. LEGENDA ILUSTRAÇÃO - Truman Capote, autor de "A Sangue Frio".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
01/03/1989

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