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Aramis

Chamamento Nativista (II)

Os turfistas conhecem Carazinho (município distante 284 quilômetros de Porto Alegre) pela famosa cancha reta, que, com 700 metros, é a maior da América do Sul e que promove competições de milhões de cruzeiros reunindo puros-sangues do Brasil e do Exterior. Entretanto, agora Carazinho começa, também, a ser conhecido pelo festival nativista Seara da Canção Gaúcha, que, ao chegar à 5ª edição, realizada entre 7 e 10 do corrente, conseguiu firmar-se junto às cinco mais importantes manifestações musicais do Rio Grande do Sul: Califórnia, Tertúlia, Ciranda, Coxilha e Musicanto, que movimentam as cidades de Uruguaiana, Santa Maria, Taquara, Cruz Alta e Santa Rosa, respectivamente. Só que, ao contrário das dezenas de outros festivais nativistas que quase quinzenalmente acontecem, atualmente, naquele Estado, a Seara - a exemplo da Califórnia - preocupa-se em que o evento não se esgote apenas na área competitiva. Por iniciativa do advogado, jornalista e (excelente) cantor Edson Otto, 48 anos, nascido em Carazinho mas há 17 anos em Porto Alegre (onde dirige, administrativamente, o Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore), a Serra inclui, também, o "Chamamento Cultural", para debates e análise de temas ligados à realidade não só do Rio Grande do Sul mas de todo o Sul - inclusive o Paraná. No ano passado, o tema foi a questão de direitos autorais, sempre polêmica e de grande interesse. Este ano, em quatro painéis, discutiram-se aspectos ligados ao colonialismo cultural interno e externo, expansão da cultura musical gaúcha e, especialmente, a valorização dos regionalismos, resultando um documento dos mais positivos, conforme divulgamos na edição de ontem. Musicalmente, a Seara da Canção Gaúcha, nesta 5ª edição, veio confirmar aquilo que já se vem observando há anos: a alta qualidade artística dos compositores e intérpretes gaúchos. A proliferação dos festivais, a maioria com prêmios atraentes, o fato de que são registrados, em elepês e, especialmente, a natural competitividade desse movimento, estão estimulando o aparecimento de uma geração de excelentes criadores e intérpretes. Nada menos do que 10 das 30 músicas que participaram da Seara, selecionadas entre 234 inscritas, tinham uma temática comum: a questão da terra. Não apenas o prêmio oferecido pelo jornal "O Interior" (que promoveu grande manifestação de protesto dos agricultores, reunidos no Estádio Beira Rio, em Porto Alegre, a 2 de outubro de 1984) mas o agravamento do problema, tem feito o compositor gaúcho voltar-se para essa temática. Em junho último, na 5ª Coxilha Nativista de Cruz Alta, cujo prefeito é o médico José Westphalen Correa, paranaense da Lapa, duas das músicas premiadas já abordavam a questão da terra: "Prelúdio de Fé no Trigo", de Jorge Nicola Prado, e "Semente Morena", de Talo Pereyra e Nilo Bairros de Brum. Na Seara, a chimarrita "Agora!" (Daniel e Jair Beck/Deodoro Borges/Jorge Nicola Prado) foi a vencedora do troféu "O Grito do Campo", disputando com nove outras canções, algumas de grande beleza e com letras de impacto social, falando no plantio da terra, no êxodo rural e nas dificuldades que os agricultores enfrentam. Entretanto, a grande premiada dessa última Seara - cujo disco, em produção da bela Janine Fraga, pela Continental, sairá já em dezembro - é uma idílica canção de amor a uma cidade, a imaginária "Santa Helena da Serra", defendida pelo próprio autor da música, Rui Biriva (Rui da Silva Leonardi, gaúcho de Horizontina, 27 anos), uma das mais belas vozes do nativismo, também premiado como intérprete (só que dividindo o troféu com outro jovem talento, Daniel Torres, filho de pai chileno e mãe argentina). Uma romântica milonga, de extremo bom gosto, "Benqerença" (Júlo e João Machado), defendida pelo mais premiado intérprete das Califórnias, Cesar Passarinho, ganhou na categoria de linha nativista. Revelando um talento regional, o acordeonista Eurides Nunes (gaúcho de Santiago, 38 anos), simpático e habilidoso no bem-humorado truque de mexer com as sobrancelhas, "Baile de Rendo" (Eurídes/Nilo Brum), ganhou duplamente: como canção galponeira e a mais popular segundo o público. Um contrapasso de extrema comunicação, capaz de transformar-se em sucesso nacional e que se tivesse participado de um evento como o frustrante Festival dos Festivais, se transformaria tranqüilamente em êxito nacional, fazendo o desconhecido Eurídes Nunes adquirir popularidade tão grande quanto a de que hoje desfruta Borghetinho, o sanfoneiro de cabelos compridos, adorado pelos jovens gaúchos. LEGENDA : Eurídes Nunes, acordeonista de muitos recursos, foi o artista mais popular da Seara
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
15/11/1985

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