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Chiquinho diz em livro por que o roubo é livre

Desde seus tempos de correspondente de "O Estado de São Paulo" em Maringá, Francisco Oliveira sempre foi um daqueles "repórteres que incomodam". Incomoda pela seriedade com que se envolve no trabalho, na independência e, sobretudo, na investigação dos fatos. Conhecedor profundo dos problemas da agricultura e economia, o Chiquinho - como é chamado - desde 1970 é um dos mais ativos repórteres de "O Estadão". Por algum tempo esteve na sucursal de Curitiba, sempre farejando bons assuntos e tocando o dedo na ferida. Uma vez, quando o ex-ministro dos Transportes, Dirceu Nogueira, foi a Paranaguá para inaugurar uma obra no porto, Francisco fez perguntas sérias para as quais o despreparado ministro não encontrou respostas. Em represália, a segurança ameaçou Francisco com a Lei de Segurança Nacional. Afinal, os tempos eram outros, mas Francisco não se assustou. xxx Neste fim de semana Francisco Oliveira vem a Curitiba - ele que está residindo há mais de 6 anos em Porto Alegre. Vem para o lançamento de seu livro - "O Roubo é Livre" (Tchê! Editora, 367 páginas), um novo best- seller desde seu lançamento - repetindo, aliás, o êxito de sua obra anterior - "Viva a Corrupção". Com "O Roubo é Livre", Francisco Oliveira dá seqüência a um trabalho jornalístico que vem caracterizando-se no Brasil nestes últimos anos: a reunião em livro de reportagens-denúncias sobre os grandes escândalos ocorridos neste País nos últimos 21 anos. Material não falta e os poucos jornalistas que se acorajaram a denunciar, com profundidade, os chamados crimes do "colarinho branco" têm farto e amplo material. Há, naturalmente, ameaças de processos e mesmo violências por parte de alguns dos denunciados, mas os resultados são tão óbvios, as provas levantadas tão contundentes, que não há, no final, o que temer. xxx "O Roubo é Livre" é, na verdade, uma ampliação das reportagens que Francisco Oliveira vem publicando nestes últimos anos em "O Estado de São Paulo" e "Jornal da Tarde". Entre 1983/84, ele conseguiu sozinho e a mais de 2.200 quilômetros de distância de Brasília, derrubar o único ministro do período revolucionário, exonerado por envolvimento em irregularidades: Angelo Amaury Stábile. Pouco antes dele, caíram a diretoria do Banco Nacional de Crédito Cooperativo (BNCC) e 55 funcionários fantasmas. Francisco Oliveira dá nome aos bois. Apresenta uma profusão de informações que se de um lado tornam até cansativa a leitura das denúncias, por outro são indispensáveis para testemunhas a seriedade de suas investigações. Em 1984, Francisco Oliveira recebeu dois prêmios: o Esso de Informação - Economia 84 e o Prêmio Ari de Jornalismo-84, este pela sua coragem em enfrentar o sucessor de Stábile no Ministério da Agricultura, Nestor Jost, que em tumultuada entrevista em Porto Alegre o ofendeu gravemente. Francisco foi além: processou Jost no Supremo Tribunal Federal. xxx Há inúmeras citações nos escândalos denunciadas em "O Roubo é Livre" em relação ao Paraná - cooperativas, empresas, pessoas e mesmo autoridades. As primeiras 56 páginas, no capítulo "Como as multinacionais liquidam as empresas nacionais", Francisco relata, com detalhes que até então, quase 10 anos após os fatos terem ocorrido, permaneciam desconhecidos em relação à falência de uma tradicional exportadora paranaense, a Glitz Paraná S/A, sediada em Curitiba, de propriedade do gaúcho, de Ijuí, Arno Glitz - de uma família de comerciantes que se iniciaram no ramo em 1893, nas barrancas do Rio Ijuí, onde compravam produtos da terra e vendiam açúcar, sal, tecidos, etc. A associação da Glitz com a Indústria e Comércio Neva S/A, com sede em São Paulo - mas ligada a André & Cia., a quinta maior empresa do mundo na comercialização de cereais, sediada em Lausanne, na Suíça, levou a empresa paranaense a ter problemas imensos - acabando pela falência e a perda dos bens pessoais de seu proprietário, Arno Glitz. Como numa novela policial, Francisco descreve o processo de apropriação e domínio - que ele tacha simplesmente de "roubo" - da multinacional em relação a esta empresa, estabelecendo inúmeras ilações. A luta de Glitz com a multinacional Neva é apenas o início de uma série de descrições feitas pelo jornalista sobre a fraude e a corrupção das cooperativas do Sul, os estouros do BNCC, Sulbrasileiro, Habitasul, Brasilinvest, Auxiliar e Comind. Sempre com base em documentos, matando a cobra e mostrando o pau, Francisco Oliveira dá o roteiro dos dólares brasileiros no Exterior, passando pelos Estados Unidos e pelos paraísos fiscais do Caribe, que são mais sofisticados e protegidos que os da Suíça (Grand Cayman é um destes e o preferido pelos exportadores brasileiros para o desvio de nossos dólares). Francisco Oliveira não faz relações públicas nem usa releases. Vai, isto sim, a fundo nas denúncias e, a exemplo de uma dúzia de outros jornalistas que, nestes últimos anos têm se preocupado em publicar denúncias dos escândalos financeiros do Brasil, escreveu um livro com indignação e revolta, sem temer processos e ameaças. Ou seja, faz o que deve fazer um jornalista, pois como já disse Millôr Fernandes, jornalismo é oposição. O resto é secos & milhados.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
23/01/1986

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