Login do usuário

Aramis

A cidade, os técnicos e os enganos (IV)

EM seu trabalho sobre "o planejamento e sua implantação nas cidades em crescimento acelerado", que nesta semana apresentou em "workshop" sobre "urban enviroment and a economic gorwoth" a convite do "Ressourees for the Future", o arquiteto Lubomir Ficinski fez colocações teóricas e praticas. As primeiras em uma visão global/universal do problema, a outra com a experiência de Curitiba, onde nasceu, se formou e atuou na área de planejamento por seis anos, diretamente, como presidente do IPPUC. Assim, após as considerações que sintetizamos nos três registros anteriores, aqui feitos, Lubomir levantou posições que, em seu entender, podem direcionar o crescimento e a melhoria da cidade. Uma das primeiras é o estabelecimento de uma política de uso do solo, coerente e que estabeleça critérios para a localização das diversas atividades humanas de forma articulada, fixando parâmetros de volume e intensidade de ocupação. Esta política levará em conta, obrigatoriamente, a componente de habitação social que permita à cidade formar estoques de terreno para localizar as populações mais necessitadas, tratando estas áreas de forma mais urbana e não como guetos habitacionais isolados. A partir dessas proposições geram-se necessidades de deslocamento, bem como fluxos de maior ou menor intensidade que irão pautar a formulação de uma política de transportes. Assim, qualquer programa de ocupação espacial, representado pelos parâmetros de uso do solo, tem em seu hojo, implicitamente uma pré-definição de deslocamentos. Na opinião de Lubomir Ficinski - membro do Conselho Nacional de Política Urbana, do Ministério do Interior, essa diretriz geral de estruturação física, composta harmonicamente de uma estrutura viária, um zoneamento indutor e disciplinador das atividades (com seus componentes sociais), uma pré-definição do sistema de transporte de massa coerente e, cotejando sempre a realidade de hoje com a utopia de amanhã e fazendo-as interagir, é o melhor arranjo para conduzir o processo de desenvolvimento urbano de uma cidade. Talvez, o principio mais importante dentro deste processo de planejamento seja o da "indução": e, neste caso, é que se percebe a importância da inter-relação entre transporte, trânsito e uso do solo, como instrumento para induzir novas tendências na busca de uma cidade acessível e de um meio urbano mais saudável. Percebe-se que a idéia do tecido urbano, ou seja, de ocupação do território, precede a idéia de transporte. Assim, o transporte urbano vai se subordinar aquilo que a cidade decidiu que é ou deseja ser, e, neste sentido, ele induz ou consolida as decisões quanto à ocupação do seu território. Não se trata, pois, de estabelecer simplesmente uma relação pendular habitação-trabalho ou habitação-lazer, ignorando inclusive aquilo que se passa entre estes pontos, mas de permitir ao homem a escolha de onde vai exercer a atividade de morar, de trabalhar ou de ócio, sem maiores constrangimentos quanto aos parâmetros distancia e trajeto. O papel dos transportes, numa cidade nova, projetada, deverá estar definido de imediato; suas fases de implantação, sua relação com a ocupação do solo, devem ficar claramente definidas na fase de concepção inicial. No caso mais geral que é o da consolidação, crescimento ou redirecionamento da cidade existente, o transporte deverá ser utilizado, levando-se em conta as suas potencialidades, cujos efeitos transcendem o simples transportar de passageiros. Xxx As colocações de Ficinski tornam-se hoje, mais do que nunca oportunas, frente à crise de combustível. Por outro lado, lembra o professor da UFP, "o eixo de serviços sendo também uma rua, continua a ter principalmente a função lúdica de permitir um cotidiano mais rico e oferecer infinitas possibilidades de encontros e jogos informais". Para isso será decisiva a participação do Poder Público no estimulo que possa dar a tudo aquilo que os técnicos, na sua preocupação de não desperdiçar o tempo, chama de ócio. As atividades culturais, o discurso pelo discurso, tão necessários para estimular as idéias, recebem este rotulo. E a ênfase na ocupação do território se justifica muito. Afinal, as cidades vão duplicar ou triplicar a sua população num período de tempo razoavelmente curto. Xxx Sob o arcabouço urbano, implantado ou em projeto é que deverão operar os programas setoriais ligados ao dia-a-dia do habitante. O arcabouço física determina a localização presente ou futura, bem como a dimensão dos diversos equipamentos urbanos; escolas, postos de saúde, hospitais áreas para habitação social e erradicação de subhabitação, áreas verdes e de lazer, abastecimento de água e energia, assim como o sistema de esgotos sanitários, etc. "Mas é evidente que existe uma diferença entre precisar de escola e te-la ou, mais importante ainda, saber que existindo a escola vão ser necessários professores e recursos financeiros para a sua manutenção", frisa Ficinski. Assim uma coisa é precisar de áreas para a habitação, e outra é consegui-las. Isso vai depender muito da saúde econômica da cidade, que normalmente não é boa, do equilíbrio de prioridades entre implantação de obras físicas e programas sociais e culturais, da manutenção dos programas e daquele cotejo constante entre a utopia e a realidade, que deve levar à execução de projetos na medida do possível, e não do ideal. A saúde econômica das cidades pode ser melhorada com programas de geração de empregos, especialmente com a implantação de empregos industriais, principalmente quando os pólos nacionais mostram sinais de saturação. A nível nacional e estadual deve ser perseguida uma maior retenção, nas cidades dos impostos internos não refletem uma justiça social na sua arrecadação). Assim o equilíbrio entre obras físicas e programas assistências sociais e culturais é um problema de opção política e de oportunidade. É um problema de decisão da administração investir num programa de erradicação da subhabitação, por exemplo, e em alguns quilômetros de asfalto ou um novo terminal de transporte. De outro lado, existem programas nacionais ou estaduais que geram oportunidades para a cidade e é preciso estar preparado para aproveitá-las. "Manutenção dos programas significa a compreensão que não se reformula a cidade uma única vez em nem uma administração de 4 anos somente". Significa que os objetivos vão ser mantidos, mas os projetos poderão sofrer adaptações conforme as circunstancias. Isso pressupõe o que normalmente se chama de continuidade administrativa. Mas como obter esta continuidade se as administrações mudam? Uma das respostas é que o sistema de planejamento permaneça e este oferecerá às diversas administrações um leque de projetos possíveis e necessários. A escolha e a ênfase serão necessariamente do administrador e normalmente são de ordem política. Finalmente, a reavaliação periódica e constante do que se é o que se desejaria ser vai dotar aquilo que se deve e o que é possível fazer. Xxx No final de seu trabalho, com a humildade que caracteriza as pessoas honestas e talentosas. Lubomir Ficinski lembra que as idéias reunidas "não constituem meu patrimônio exclusivo". Na realidade, são resultados de constantes discussões entre técnicos no transcurso do planejamento e implantação da política de desenvolvimento urbano, executada em Curitiba, através do IPPUC, do qual participou diretamente por 6 anos. O que ele não disse, mas deve ser acrescentado: se não fosse a sua presença firme no IPPUC, na adminstração Saul Raiz, muitas das idéias que Jaime Lerner iniciou na primeira gestão não teriam continuidade. E só isso já torna Lubomir credor de uma sensível parcela do êxito que Lerner obteve e ao qual deve reconhecer publicamente.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
9
19/10/1980

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br