Login do usuário

Aramis

Cinema em questào: cópia prejudica um ótimo filme

NA noite de quarta-feira, 29, se não fosse a chegada exatamente às 22k01min, de um quinto solitário espectador, o Sr. Ari, gerente do Cine Lido, não teria outra alternativa do que cancelar a última sessão de "Os Homens Que Eu Tive". Afinal, para 4 espectadores, não havia sentido em fazer uma projeção que fica ao redor de Cr$ 250,00, sem contar despesas adicionais. Durante toda a semana a renda foi fraquíssima, assim como no Condor - onde era projetado um dos mais belos filmes nacionais do ano: "A Intruja", de Carlos Hugo Christesen, de um conto de Jorge Luís Borges e música de Astor Piazolla. Todos argentinos. O fracasso de público de "os Homens Que Eu Tive" transcende ao simples registro cinematográfico. Afinal, por 10 anos este longa-metragem de Tereza Trautman assustou os donos do poder, especialmente o ex-ministro Armando Falcão (que há poucos dias levou 14 bolas pretas ao tentar ser aceito como sócio do Jockey Club do Rio de Janeiro), da Pasta da Justiça. Proibidíssimo e perseguido, o filme assustava os machistas censores a partir do titulo. Finalmente liberado chegou às telas perdendo todo o vigor. Como filme é indiscutível seus méritos e como colocação erótica parece um filme de censura livre frente às pornochanchadas que tem saído da Boca do Lixo de São Paulo. A trajetória de uma mulher (Darlene Glória, hoje pregadora evangélica) e seus vários amantes, um aceitando o outro, torna-se piegas e cansativo. As cenas intimas são discretas e, mais um pouco, o filme poderá ter a censura livre. Entretanto foi proibido por 10 anos. Finalmente exibido, total desinteresse do público ao ponto da renda ter sido fraquíssima e quase ter uma sessão suspensa por falta de espectadores. Desde ontem, chegou no mesmo cine Lido outro filme que amargurou uma década de proibição: "Um Doido Genial" (Alex In Wonderland") que Paul Mazursky rodou em 1970. Parábola em torno de um cineasta amalucado (Donald Sutherland) no "pais das maravilhas" (Hollywood), "Alex In Wonderland" é uma produção claramente inspirada em "Oito e Meio" (1963), a tal ponto que o próprio Frederico Fellini concordou em aparecer como ator. A curtição cinematográfica de Mazursky faz também Jeanne Moreau interpretar ela mesma. Na época, o filme foi proibido pelas referencias a tóxicos e agora chega envelhecido, tendo recebido criticas divergentes. De qualquer forma, a ser verificado, pois desde sua estreia em "Bob, Carol, Ted & Alice", 1969, onde tratava do "swinging" (troca de casais), Mazursky vem realizando obras importantes, inclusive os magníficos "Harry, o Amigo de Tonto" (74), "Próxima Parada, Bairro Boêmia" e "Uma Mulher Descasada" (1978). Xxx Mesmo os xenófobos que defendem com unhas e dentes a necessidade da "nacionalização" cinematográfica, movidos por interesses não muito claros, insistindo na obrigatoriedade das cópias dos filmes estrangeiros serem processados em laboratórios nacionais (pertencentes a um único grupo) não terão o menor argumento para justificar a qualidade de certas cópias que são impingidas ao espectador. É famoso o caso de Stanley Kubrick que exigiu várias cópias do magnifico "Barry Lyndon" até que lhe apresentassem uma com condições capaz de merecer sua aprovação. Agora, Kubrick encarregou Nelson Pereira dos Santos, cineasta de sua confiança, a acompanhar o processamento, das cópias de "Shining", que a Columbia Pictures lançará no final do ano, para conseguir resultados que se aproximem do original. Mas quando não existe um monstro sagrado capaz de fazer valer a sua vontade, as companhias distribuidoras acabam aceitando qualquer tipo de cópia. Foi o que aconteceu com a Max Hirsch, de São Paulo, que acaba de desperdiçar a oportunidade de ter um dos melhores filmes de seu lote internacional entre os grandes êxitos de bilheteria. "Demônio com Cara de Anjo"(Full Circle) foi retirado do cine Rivoli, na quarta-feira (após apenas 3 dias) e substituído pela reprise de "O Céu Pode esperar"( Heaven Can Wait, 78, de Warren Beatty) devido às (justas) reclamações do público pela "escuridão" da cópia. Realmente, só quem dispõe de muito interesse pelo cinema agüenta a projeção de um filme com uma cópia tão mediocremente produzida, com longas seqüências onde apenas borrões negros aparecem na tela. Entretanto, a verdadeira anticopia que a Max Hirsch aceitou (não sabemos porque) não invalida os méritos desta co-produção italo-canadense, rodada em Londres, e que, em condições normais, teria possibilidades de fazer renda de alguns milhões de cruzeiros. O romance "Full Circle" de Peter Straub tem alguns pontos em comum com "O Bebe de Rosemary" de Ira Levin. E a mesma atriz do mais famoso filme de Polanski, inspirado naquele "best-seller"( rodado em 1968), Mia Farrow, é a interprete deste filme que revela em Richard Lancraine um cineasta de imaginação e "timing" para o gênero. Trabalhando com um roteiro (de Dave Humphreis/Dave Bromvey Davenport) que proporciona um desenvolvimento magnifico da historia de terror, Lancraine vai lançando o espectador num clima diabolicamente assustador, mas sem recorrer a imagens cruéis ou de pavor. Ao contrario, vai mais ao psicológico - numa trama em que até referencias kardecistas são feitas (como Jack Clayton desenvolveu em seus excelentes "Os Inocentes", 1961; "Todas as Noites às Nove", 67). O final é quase idêntico ao de "O Bebe de Rosemary", embora num outro prisma: a aceitação do ser diabólico pela mãe, embora no caso a "adotiva". A trilha sonora de Colin Towns (outro nome que merece ser anotado) tem o ritmo dos mestres que trabalham em filmes do gênero (como Bernard Hermann, o compositor favorito de Hitchcook) e, por si, já é um dos elementos que fazem com que, mais uma vez, se lamente a precariedade da cópia que chegou às telas. No elenco, agora Mia Farrow, um grupo de expressivos atores e atrizes desconhecidos: Tom Conti, Robin Gammell, Jill Bennet e Cathleen Nesbiff. O registro em torno de um filme que já deixou de ser exibido pode parecer estranho, mas aqui é feito com dupla razão. Em primeiro lugar, como alerta da mediocridade técnica de cópias processadas em laboratórios inescrupulosos e, mais ainda, aceitas pelas distribuidoras. Em segundo lugar, para lamentar que inexista uma sala especializada em reprises ou lançamentos de filmes que mesmo com problemas técnicos (como o caso deste "Demônio com Rosto de Anjo") tem uma faixa de público interessada. O prefeito Jaime Lerner, fã de bons filmes, deseja que uma das futuras salas da cidade seja um "cine-reprise", mas para isto necessitara entregar a sua administração a pessoas competentes, capazes de fazer uma programação honesta e culturalmente válida. Xxx No mesmo Rivoli, a partir de segunda-feira, um lançamento nacional importante: "Viagem ao Mundo de Língua Portuguesa", de Rubens Rodrigues dos santos, veterano documentarista. Um longa-metragem didático e culturalmente do maior interesse. Na próxima semana, a partir do dia 6, no Cinema I, haverá um evento do maior significado: festival de filmes de altíssimo nível, produzidos há vários anos e que permaneciam inéditos entre nós: "Uma Festa de Prazer"(Un Partie de Plaisir, 74), de Claude Chabrol; "O Joelho de Claire"( Le Genou de Clair, 70), de Eric Rohmer; "Barroco O Jardim do Suplicio", de Andre Techne e "A Rua da Esperança" (Hester Street), de Joan Micklin Silver. Especialmente "Hester Street", filme de estreia de Joan Silver, de uma famosa historia de autor judaico ("Yeki", de Abraham Cahan), foi um dos sucessos do Festival de Cannes de 75. Em preto-e-branco, ambientada num bairro judaico de Nova Iorque, em 1896, tem as características das grandes obras humanistas, o que a fez ser recebida com entusiasmo pelas faixas mais esclarecidas do público. Como terá apenas 3 dias de projeção é importante que se chame a atenção a seu respeito. No Festival do Cinema I, também está programado "Jonas, que terá 25 anos no ano 2.000 de num Tanner, um filme avançado e, de certa forma, profético. Todas estas produções foram importadas por uma distribuidora independente, a Ouro, e por não terem nomes famosos em seus elencos, encontram dificuldades para chegar às telas. Mas a quem se interessa, de fato, pelo cinema, não podem passar despercebidas. Xxx Nesta semana, em que "Um Doido Genial", de Mazursky, esta no Lido, outro filme dos mais recomendáveis: "Justiça Para Todos" (...And Justice For All), de Norman Jewison, que vale a Al Pacino indicação ao Oscar de melhor ator e a Valerie Curtin/Barry Levinson a de melhor roteiro. Um filme adulto e sério, que merece atenção. Nas sessões da meia-noite, no Astor, duas reprises há muito aguardadas: hoje "Amarcord", 74, de Fellini e amanhã "Maratona da Morte" (The Marathon Man), 76, de John Schesinger.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
9
31/10/1980

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br