Cinema Político
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 14 de abril de 1985
Com " os anos JK", Silvio Tendler demonstrou as imensas possibilidades de um necessário ( e fascinante ), gênero cinematográfico. Reconstituindo um passado recente - mas insuficiente conhecido do Brasil politico - tendler emocionou com a trajetória politica do presidente Juscelino Kubitscheck. Aprofundando seu trabalho em " Jango ", durante o ano de 1983, faria aquele que foi chamado de " o filme da abertura " e que após concorrer no Festival de Gramado de 1984, faria uma bela carreira nos circuitos comerciais - o que não é comum no gênero documentário, geralmente restrito a salas especiais e público especifico.
POR UM CINEMA POLITICO - Nestes 20 anos de ditadura militar, com a censura cortando tantos projetos, naturalmente foram poucos os filmes que puderam levar as telas algumas reflexões piliticas. Realizado em 1965, - antes portanto do AI-5, " O Desafio " de Paulo Cesar Sarraceni, com Oduvaldo Viana Filho e Isabela, foi a primeira tentativa de refletir visualmente sobre o golpe militar de 31 de março.Com os ventos da abertura no governo Geisel - após o duro período de Médici, que provocou, inclusive, processos e prisões em cineastas que se atreveram a filmes denunciando a violência militar ( como o falecido Olney São Paulo, por seu inédito " Manhã Cinzenta " - surgiram alguns filmes na linha politica : ainda respirando o hermetismo de uma linguagem alegórica, Alberto Graça, mineiro de Montes Claros, em " Memórias do Medo" rodado em Brasilia, tentou abordar um tema bastante atual na época ( 1979 ) : a criação de novos partidos politicos. Francisco Ramalho Jr. foi mais além em "Paula, A História de Uma Subversiva", enquanto que Robero Farias,deixando a presidência de Embrafilmes em 1979, realizaria aquele que foi o grande "teste" para a dita abertura de Geisel : "Pra Frente Brasil", melhor filme do festival de Gramado, em 1982, ficou proibido por um ano e por ter sido financiado pela Embrafilmes acabou provocando a queda do diplomata Celso Amorim, que havia substituido a Farias na presidência da empresa.
Inspirado num personagem real, " O Bom Burguês ", de Osvaldo Caldeira não provocou maiores polêmicas. Talvez pela sua mediocridade - apesar de um bom elenco - acabou ficando esquecido nas poucas semanas em que foi exibido nas capitais brasileiras.
O mesmo Osvaldo Caldeira, com produção de Paulo Thiago - uma raposa cinematográfica que após vários frcassos como diretor ( "Guararapes", "Águia na Cabeça" etc.) sonha em ser presidente da Embrafilme - realizou "Muda Brasil", documentário sobre a campanha que levou a oposição a se unir e garantir a vitória de Tancredo Neves. Entretanto Caldeira fez um filme frio, distante, numa sucessão de imagens, e sem a menor criatividade ( a não ser numa curta seqüência em que simbolicamente utilizou um trecho de "Nosferatus" de Murnau ). O resultado é que "Muda Brasil" chegou às telas, como um filme dejavu, embora abordando fatos da maior contemporaneidade.
Se Silvio Tendler reconstituiu os anos JK e "Jango", o paulista Carlos Alberto Pereira preferiu analisar o curto periodo do governo de Jânio Quadros com humor " Jânio a 24 Quadros" foi inventivo e irreverente. Aliás, nem poderia ser diferente, pelo próprio personagem que acabou.
O EVANGELHO SEGUNDO TEOTÔNIO - Vitima da censura - que impediu por 9 anos que o seu premiado "Os Pais de São Saruê" fosse exibido, o paraíbano Vladimir Carvalho após ter ducomentado em " O Homem de Areia"a contravertida figura de José Américo de Almeida, acompanhou, entre 1983 / 84, o senador Teotônio Vilela em sua pregação nacionalista. E de muitas horas de material filmado,realizou o emocionante " O Evangelho Segundo Teotônio ", longa-metragem que representou o Brasil na I Mostra do Cinema Latino-Americano, paralelamente ao Festival de Gramado.
Passagens da vida de Teotônio Vilela, a partir de sua infância como menino de engenho, em alagoas, sua vivência de boiadeiro nos setões nordestino, sua experiência na UDN e, em 1964 apoiando o golpe militar, até o senador que, se desiludindo com o governo em 1979 e se tornaria o Menestrel das Alagoas, da liberdade, conforme o canto de Fernando Brandt e Milton Nascimento.
Recebido com algums restrições pela crítica e, infelismente, sem ter alcançado o público que se esperava "O Evangelho Segundo Teotônio", é entretanto, um belo filme sobre uma das maiores personalidades politicas de nossos dias. Emocionante e sincero, registrando, inclusive, os últimos dias de Teotônio e o seu sepultamento, o filme de Vladimir merece ser visto ( sua estréia acontecerá dentro de algumas semanas no cine Ritz ).
DOCUMENTÁRIOS PROIBIDOS - De "Frei Tito", que a atriz Marlene França rodou há mais de 4 anos e que só agora está sendo exibido ( concorreu no festival de Gramado, obtendo uma menção especial do júri por sua "integridade" ) ao ainda inédito "Em Nome da Segurança Nacional ", de Renato Tapajós - que apesar de toda abertura teve sua exibição interditada na última jornada de curta-metragens, na Bahia - há muitos curtas ( e médias ) metragens que se voltaram a temas politicos nestes últimos anos.A maioria permanece inédita,não apenas pela proibição oficial - existente até há pouco - mas pelo verdadeiro bloqueio que impede os curtas ( e especialmente média ) metragens chegarem aos circuitos normais de exibição.
CABRA MARCADO PARA MORRER - Coroando todo um ciclo e cinema politico, "Cabra Marcado para Morrer ", de Eduardo Coutinho - em cartaz no Cine Groff, após ter inaugurado o Cine Ritz - cumpre agora uma carreira internacional : está sendo exibido em um circuito de universidades americanas e em maio participa de um festival de filmes de temas rurais em salzo Maggiore, na Itália. O grande premiado no FestRio, em novembro último, - e recebendo depois também premiações nos festivais de Cuba e Berlim - este filme que levou 20 anos para ser concluido - é emoção em todas suas sequências, resgatando uma fase das lutas sociais no Brasil - as Ligas Camponesas na Paraiba, e enfoca a temática a partir do assassinato do lavrador João Pedro Teixeira, presidente da Liga Camponesa de Sapé, a 2 de abril de 1962, quando voltava para sua casa, trazendo livros aos filhos. Através dos depoimentos de dona Elisabete, a viúva do lider camponês - e que assumiu a sua luta - Coutinho realizou uma obra que ultrapassa ao cinema e se insere na própria sociologia, responsável inclusive pelo reencontro dos filhos que, após o golpe militar de 1964, haviam se dispersado por vários Estados.
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