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Aramis

Clássicos (II)

Na semana passada registra-mos as dificuldades de gravações dos músicos eruditos no Brasil - e especialmente da difusão dos nossos compositores que se dedicam a música clássica. Por isto, quando gravadoras dão oportunidades a que se tenha registros de nossos autores em bem cuidadas interpretações, julgarnos que o rato merece especial registro. É o que faremos hoje em relação a algumas expressivas produções que saíram recentemente - e que podem ser encontradas em loja, que trabalham com discos de qualidade, como a F. Sartori e Arte & Talento, em Curitiba, O Estudio Eldorado, pertencente ao grupo "O Estado de São Paulo", agora com suas produções distribuídas através da EMI-Odeon, vem sendo um canal para edições importantíssimas. Há algum tempo, em duas caixas tivemos a obra integral de Villa-Lobos, na interpretação da pianista Anna Stella Schic. No ano passado, dentro das comemorações dos 60 anos da Semana de Arte Moderna, Aluizio Falcão, o incansável diretor artístico do Eldorado, idealizou uma edição que de certa forma complementa aqueles dois documentos - e foi urna homenagem a efeméride relacionada a Semana de Arte Moderna: "O Piano de Villa-Lobos na Semana de 22". São 10 faixas, com peças que Heitor Villa-Lobos (1887-1959), compôs especialmente para o movimento que, entre 11 a 18 de fevereiro de 1922, viria transformar a cultura brasileira. A convite de Graca Aranha, Villa Lobos levou para Sio Paulo urna comitiva de artistas, do Rio de Janeiro, que, como o próprio Villa declarou cm carta, eram seus melhores intérpretes. A oportunidade de se conhecer, assim, peças desta fase do ainda então jovem e inquieto compositor, através de uma pianista, Anna Stela Schic, hoje entre as que mais difundem sua obra, está presente neste magnifico álbum - nos quais foram incluídas as "Danças Características Africanas", a "Simples Coletânea" - em seus vários movimentos. Valorizando ainda mais o disco, do lado 2, I5'57 minutos . São reservados a transcrição de um depoimento do próprio Villa-Lobos, em uma conferência pronunciada cm João Pessoa, em 1951. Um texto do professor José Miguel Wisnik, autor de "O Coro dos Contrários" (Editora Duas Cidades, 1957), a Unicamp e pesquisador musical, ajuda a entender melhor a música de Villa-Lobos, neste fundamental disco-documento. Outro fundamental documento que o Estúdio Eldorado oferece aos que se interessam pela música contemporânea brasileira é o album-triplo "Cartas Celestes", de José Antonio Resende de Almeida Prado (Santos, 8/2/1943). Compositor, pianista e regente, Almeida Prado está entre os autores que vem vem procurando renovar a música brasileira, com obras de grande impacto e novas propostas – e obtendo um merecido prestígio internacional. Há nove anos, recebeu a encomenda de criar a encomenda de criar a música para um espetáculo no Planetário do Ibirapuera em São Paulo. Compôs então então, uma obra rara piano solo, utilizando o livro "Atlas Celeste" de Ronaldo Rogério de Freitas Mourão como um guia seguro para esta viagem fantástica através do Cosmos. Passaram-se sete anos e em 1981, reencontrando o "Atlas Celeste", teve a idéia de dar continuidade a esta obra inspirada no Cosmos. Trabalhando seguramente, com base cm leituras de obras de astronomia e buscando dar urna interpretação sonora no Universo, desenvolveu seis volumes, com temas em que não existem pausas ou interrupções entre os vários movimentos integrantes de cada um. Uma obra difícil, pessoal e extremamente significativa, que não poderia ficar sem um registro. Assim, graças ao apoio da Fundação para o Desenvolvimento da Universidade de Campinas, há exatamente um ano, os seis volumes das "Cartas Celestes" Foram gravadas pelo pianista Fernando Lopes, num Baldwin, modelo SD-l0, cm sessões realizadas no município de Louveira, Estado de São Paulo. O Estúdio Eldorado editou esta obra num belíssimo álbum, com ilustrações de Fulvia Gonçalves e em formato de capa aspiral, idealizada por Elifas Andreato e que havia sido usado pela primeira vez, há 3 anos, no elepê de Fátima Quedes. Não se trata, obviamente, de um álbum com música de fácil consumo, más a quem aprecia a obra pianística não pode deixar de ouvir esta proposta de Almeida Prado, na execução de Fernando Lopes, um virtuose do piano infelizmente ainda pouco reconhecido no Brasil. No ano passado, o pianista Miguel Proenqa gravou um belíssimo álbum triplo com a integra da obra para piano de Lorenzo Fernandez (1897-1948). Um trabalho de fôlego, que aqui registramos, ainda em dezembro do ano passado, lamentando, entretanto, que sendo uma produção feita para urna empresa, corno brinde de fim-de-ano, a mesma não poderia ser adquirida pelo público. Felizmente, o contrato firmado com o patrocinador possibilitou que esta gravação, fosse, 120 dias após o seu lançamento, comercializado e Miguel Proença acertou com a Polygram a sua edição normal. Ao invés de um álbum triplo - que tenha um custo de Cr$ 9 mil, a Polygram preferiu distribuir a obra de Fernandez,, na interpretação de Miguel Proença (gaúcho de Quaraí, com uma carreira internacional) em três elepês. Pouco podemos acrescentar aqui, ao que escrevemos quando do registro do álbum: um documento indeispensável para quem se interesa pela música erudita brasileira, já que a obra de Lorenzo Fernandez em que pese toda sua importância, tem tido pouquíssimos registros. O Estúdio Eldorado, dentro de seu catalogo erudito, tem se preocupado em editar discos de pianistas. Assim, lançou já dois expressivos elepes com a Nenininha Lobo (Guilhermina de Freitas Lobo, Campinas, 9 de setembro de 1904). Aluna de mestres como Luigi Chiaffarelli, Antonieta Rudge e Maria Edul Tapajós, Menininha Lobo possui uma técnica límpida e flexível, "fazendo com que a música pareça brotar de seus dedos", como escreveu o crítico William Daughlian. Pianista romântico sem os maneirismos da escola romântica, com um fraseado natural, seu repertório é amplo e diversificado. Apesar de ter-se apresentado em Buenos Aires, Montevidéu, São Paulo, Rio de Janeiro e ser admirada por músicos e especialistas, suas apresentações públicas foram pouco frequentes. Há 9 anos sofreu um acidente automobilístico, que a fez se afastar ainda mais dos palcos. Assim, é apenas através dos discos que Menininha Lobo - que fisicamente lembra Edith Piaf, emocionalmente, Emily Dickinson - pode ser ouvida e admirável. Por isto, é importante suas gravações para o Estúdio Eldorado. Também é com o selo do Estúdio Eldorado, que temos outro fundamental (e documental) álbum: a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, numa gravação ao vivo, feita a 5 de julho de 1982, no Teatro Cultura Artística, em São Paulo, interpretando duas preciosas obras de Hekel Tavares (Alagoas, 16/9/1896 Rio de Janeiro, 8/8/1969). O Concerto para Piano e Orquestra em formas brasileiras, obra de 1941, tem como solista o pianista Pietro Maranca, 39 anos. No lado E do disco ternos outra obra de Tavares, até então inédita em disco: "André de Leão e o Demônio de Cabelo Encarnado". Suite sinfônica em 6 quadros, esta peça foi extraída do poema do mesmo nome de Cassiano Ricardo (do livro "Martin Cererê", 1936), que tem por tema as aventuras do bandeirante André de Leão e do Corrupira – o Demônio de Cabelo Encarnado, entre os fantásticos das matas rasileiras, de origem indígena. Este álbum é importante não só por trazer duas peças de hekel Tavares, mas pelo seu sentido didático, com encarte repleto de informações - Mauricio Quadrio falando da importância das peças gravadas e una clara exposição da OSESP, criada há 10 anos, como fruto dos festival de inverno de Campos de Jordão, que tem em Eliazar de Carvalho o seu grande idealizador. Falando em discos de música erudita brasileira, não se pode deixar de registrar as edições do Instituto Nacional de Músical/-ProMenus, dirigido pelo compositor e maestro Edino Krieger. E Embora sem a divulgação e distribuição desejável, os lançamentos da série "Documentos da Música Brasileira" tem tido um excelente nível. Na semana passada registramos o lp com o trio formado por Norton Morozowicz (flauta), José Botelho (clarinete) e Noel Devos ( fagote) O violonista Sérgio Assad gravou um elepê com o título da "Música Nova do Brasil" gravou peças de Guerra Peixe, Edino Krieger, Ernst Widmer e Ronaldo Miranda. Já na série "Documentos da Música Brasileira" (volume 14), Ana Candida registrou "Noturnos Brasileiros", abrindo com uma composição do paranaense Brasilio Itiberê da Cunha (1896-1957), contribuindo, desta maneira, para divulgar a obra deste autor tão esquecido mesmo entre nós. "Noturnos" de Manoel Faulhaber, Henrique Oswald, Leopoldo Miguez, Alberto Nepomuceno, Lorenzo Fernandez, Jayme Ovalle e Villa-Lobos também estão neste elepê bem acabado e produzido. Basicamente, os intérpretes eruditos que têm chance de gravar discos no Brasil devem se voltar a obra de autores brasileiros. Entretanto, isto não impede que virtuoses também registrem as obras de mestres de todo o mundo. O pianista Arthur Moreira Lima, hoje o mais bem sucedido pianista brasileiro, capaz de lotar auditórios, criou uma própria etiqueta – a Brasilarte (em sociedade com o empresário Mário Garnero, da Brasilinvest) para gravar a obra pianística de Chopim, da qual é considerado um dos melhores intérpretes. Outro pianista bem sucedido, João Carlos Martins, se propôs a gravar a íntegra da obra de Beethovem, em gravaçòes distribuídas pela Ariola. Agora, é Amaral Vieira, 31 anos, que decidiu gravar a obra integral para piano do compositor húngaro Franz Liszt (Raiding. 22/10/1811) Bayereuth, RFA, 3117/1886). Amaral Vieira sempre Leve uma profunda afinidade com as composições de Liszt: aos 13 anos já executava a difícil "Fantasia Sobre Temas Folclóricos Húngaros para piano e orquestra, com a Sinfônica Municipal de São Paulo, sob a regência do respeitado maestro Souza Lima, que foi um de seus mestres.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Música
Música
26
04/09/1983

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