Login do usuário

Aramis

E começou a chegar o som da mãe África

Realiza-se agora o que antecipávamos há cinco, seis meses, em registros aqui nesta página: o marketing musical da chamada música negra, com ao menos duas multinacionais - WEA e RCA - voltando-se para conjuntos e solistas africanos. O primeiro pacote negro está nas lojas, nesta temporada em que o mercado pop absorve também o jazz fusion japonês e, vejam só, até um primeiro lp com o rock soviético ("Panorama 86"), que exibe, em primeira audição brasileira sete bandas do Festival de Música Popular Jovem. Mais uma vez, sente-se a força de um trabalho organizado, com bom marketing e que tem, basicamente, a imprensa como fio condutor. Desde fins do ano passado, já se vem lendo na imprensa nacional (especialmente os grandes jornais do eixo Rio-São Paulo, em seus cadernos "b") matérias sobre o novo modismo musical que, no ano passado, chegou a Europa: a música africana retrabalhada e devidamente oferecida com elementos de atração jovem. A maior catapulta para isto foi a boa idéia de Paul Simon em viajar à África do Sul e ali realizar o belo "Graceland", premiado com o Grammy, campeão de vendas e motivando inúmeros especiais de televisão - um dos quais a Rede Manchete de Televisão apresentou no Brasil na semana retrasada. A África Brasileira Mais do que qualquer outro país, o Brasil tem tudo para absorver este modismo. A aproximação das culturas negras, fruto das centenas de anos de escravidão, a similitude entre povos de alguns Estados (Bahia, Pernambuco, Sergipe) com nações africanas, as raízes comuns da música nacional - o Samba - são pontos que facilitam qualquer approach que se faça a respeito. Ao longo dos anos, muitos artistas têm buscado estabelecer estas raízes comuns - desde "o branco mais preto do Brasil", o poeta Vinícius de Moraes, quando, entusiasmado pela musicalidade de Baden Powell (que está voltando a morar no Brasil, após anos de permanência na Europa) realizou o histórico "Afro-Sambas" (deslanchados a partir do "Lapinha", parceria de Baden e o poeta Paulo Cesar Pinheiro, com base no folclore baiano). Gilberto Gil e mesmo Jorge Ben ("Brasil África", Polygram) tem sido, entre outros compositores, em termos de consumo, mas com propostas levemente antropológicas, a se inspirarem em raízes africanas para seus trabalhos sonoros. Enfim, há toda uma ampla abertura para que agora, motivados pela abertura dos festejos comemorativos ao centenário da libertação dos escravos e, ao mesmo tempo, a chegada de grupos, instrumentistas e compositores africanos, em embalagens internacionais, se pesquise e estude as influências (e diluições) da mãe-África em nossa MPB... O Pacote da RCA Com a edição do elepê de um grupo formado em Brasília, por filho de diplomatas de países africanos, gravado já no ano passado, a RCA foi a primeira a entrar no mercado, inclusive com uma produção brasileira com condições de encontrar mercado externo. Ao mesmo tempo firmou contrato com a Celluloid, que tem sede em Nova Iorque e cujo dono, o francês Hean Karkos é especialista em música negra. Pelo acordo ficou acertado que para cada lançamento de disco, virá um grupo ao Brasil. De princípio, a RCA programou a coletânea "trilogy", mas em termos práticos até agora apenas com um elepê que não constam nos três álbuns originalmente editados na Europa (afinal, antes de tudo é preciso testar o mercado). O disco traz grupos como Afrika Bambaataa, Golden Palominos, D. S. T., Toure Kunda, Kassav, Fela Anikulapo Kuti e Manu Dibango. Fela Anikulapo Kuti é dissidente do regime nigeriano e o Manu Dibando, da República dos Camarões, já chegou a fazer sucesso no tempo de Miriam Makeba (lembram-se daquela cantora negra, que com "Pata Pata" era curtidíssima nas discoteques entre 1965/76) com "Soul Makosa". O grupo Kassav, antilhano e que esteve em fevereiro no Brasil, ganhou destaque especial: além de faixa no "Trilogy", temos um álbum só do grupo, com nada menos que cinco faixas: "Nwel", "Carnaval", "Ka Dance", "Satisfaction" e "Moune La Fait Moin Di", que com exceção da última, são de autoria do líder Georges Decimuns. O Kassav tem 11 anos de vida e 17 discos gravados. Na França já ganhou dois discos de ouro (acima de 100 mil unidades vendidas) por álbuns gravados em creole, língua em que cantam suas músicas. Qual o significado de Kassav? Em creole, de Guadalupe, terra da maioria de seus integrantes, Kassav é o nome de um crepe de mandioca, "Deliciosamente doce porém mortal se ingerido em grande quantidade", diz Jacob Desvarieux, o líder e guitarrista do grupo. Ao fundar a banda em 1976, Pierre Edouard Decimus pensava em fundir ritmos das Antilhas e do Haiti. Em 1980 o grupo já havia gravado "Love and Ka Dance" e, três anos depois, na França e Antilhas, tinha um público interessadíssimo em sua música forte. Em Paris, foram vistos, entre outros, por Gilberto Gil, que já se preocupava, em suas andanças internacionais, em conhecer grupos de música negra.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
7
24/05/1987

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br