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Coquetel de suor no suicídio da Câmara

Amanhã, 2 de fevereiro, é dia de festa no mar - diz o grande Dorival Caymmi, numa de suas mais belas canções. Mas será um dia de muito fogo, na Câmara de Curitiba, com a eleição da nova mesa diretora, em pleito dos mais renhidos. Afinal, o presidente escolhido poderá ser prefeito da Capital por vários meses, assim que seja definido o calendário eleitoral e uma quase certa desincompatibilização do deputado Maurício Fruet, atual prefeito. O calendário religioso também indica 2 de fevereiro como o dia consagrado a N. S. da Purificação e a Nossa Senhora das Velas, "o que é até irônico", lembra o mais religiosos de nossos vereadores, Rafael Greca de Macedo, para quem "está faltando pureza e luz neste pleito". Assim como alguns (poucos) colegas, Rafael se assusta com o nível de argumentos usados por certos grupos, capazes de ameaças, chantagens e intimações, que caberiam muito mais numa eleição para a escolha de cappo del tutti capi na velha Sicília do que na casa legislativa de uma das principais capitais brasileiras, no limiar do ano 2.000. xxx Num texto idealista, que estará divulgando amanhã ("Gotas de suor em coquetel"), Rafael Greca de Macedo coloca uma posição clara, em relação a essa eleição, que entrou em processo de ebulição, nas últimas horas, com reuniões peemedebistas (22 vereadores), enquanto os pedessistas (11 votos) também se aglutinam, na busca de um sonhado consenso, capaz, inclusive, de inverter as regras do jogo, na última hora, como aconteceu em 1983, em que o candidato da bancada do PMDB - o ágil e astuto Horácio Rodrigues - acabou sendo derrotado por Moacir Tosin, apoiado pelos votos dos vereadores do PDS. Lembrando uma frase de Oswald de Andrade (1890-1954), cáustico e irreverente escritor paulista: "Só fazem transformar gotas de suor em cocktails..."-, Rafael Greca diz que "isso poderia ser a síntese de vários processos políticos contemporâneos. Processos que têm escrito a história com a canhota, numa visão míope e ranheta, mesmo quando envolvem gente eleita pelo povo. Processos políticos conduzidos sem autoridade democrática, a favor de interesses mesquinhos, em prejuízo da retidão e da lisura que serviriam à população". Firmando a posição de ver, na presidência da Câmara de Curitiba, alguém que tenha, antes de tudo, preocupações com a cidade e não com interesses pessoais ou de grupos, ao mesmo tempo que se coloca em total independência, não postulando (nem aceitando) cargos na mesa, Rafael é duro, em seu texto, destinado a ter grande repercussão: - "O Suor do homem do povo, da mãe de família, dos operários do futuro, pode ser transformado em coquetel, para ser sugado por uns poucos, nas casas legislativas da cidade, do Estado e da Nação. Coquetel com sabor de condenação, para saciar os ávidos de privilégios. Jamais, fonte de vida generosa, libertária e bela, como seria conveniente neste País. Como ainda é a esperança do povo, que apoiou a eleição de Tancredo Neves e sonha com uma Constituinte desatrelada de pressões imorais, de garrotes grosseiros". Reconhecendo que suas palavras podem parecer utópicas - mas como já disse Oswald, "toda utopia tem um fundo de protesto" - Rafael não deixa de ter, ainda, esperanças, de que seus colegas "tentem se conduzir com ética e sobriedade, nos moldes do pacto nacional que fez da ética a grande lição do famigerado Colégio Eleitoral". E, como um profeta do apocalipse eleitoral, lembra: - "Transformar o suor do povo em coquetel pode significar o suicídio da classe política, em hora da ressurreição". xxx Em termos de eleição da Câmara, a proposta de Rafael é simples: o compromisso público dos candidatos à nossa mesa diretora de uma postura pró-cidade, pela independência daquele poder enquanto legislativo, desatrelado e soberano, renunciando à distribuição de "benesses" aos eleitores, dividindo todos os emolumentos do orçamento municipal destinados à presidência da Câmara entre todos, estritamente segundo as necessidades do progresso da cidade. - "A proposta é direta: não tentem persistir na velha prática de coquetel do suor do homem do povo. A recompensa é o crescimento político de Curitiba, para chegarmos a uma estatura onde o Paraná fala alto, na hora de lutarmos para que o Brasil deixe de ser o Pais da sobremesa. Produtor de café, açúcar, tabaco e bananas, recheado de ouro e ferro, de petróleo e manganês". Até ontem à tarde, havia dois fortes candidatos à presidência: Horácio Rodrigues e Luís Gil Leão, ambos peemedebistas, mas de origens diversas. Horácio, egresso do antigo MDB; Leão, de uma das famílias mais tradicionais do Paraná e do antigo PP. Se dependesse da vontade do grupo Pró-Cidade, a escolha poderia recair num candidato de consenso, como o veterano João Derosso, homem humilde e identificado com os problemas de seu bairro - e que apesar de obter sempre boas votações (há alguns anos, chegou a ser o candidato mais votado), nunca ocupou a presidência da Câmara. No jogo de interesses, entretanto, surpresas sempre acontecem. O elegante Neivo Beraldin, após sua entrevista à revista "Panorama", defendendo um executivo para a presidência do legislativo, teve que passar 4 dias, explicando aos colegas o que pretendeu dizer com aquelas declarações. Beraldin afirma que também o chocam os leilões de votos e as pressões ilegítimas. Faz coro com Rafael, quando este afirma: - "Se ainda há quem esteja em leilão, comprando ou vendendo votos, com migalhas inflacionadas pelos milhares de zeros que o tempo corrói, desista. O que precisamos, Pró-Cidade, é dignidade já". E como "o tempo não será dos mais hábeis, mas dos mais nítidos", uma das frases que mais repete, Rafael Greca de Macedo não deixa por menos sua preleção em torno das eleições de amanhã: - "Todos os demais acertos equivalem a transformar as gotas de suor do povo em coquetel para servir a uns poucos. Luxo de condenados, esse coquetel de privilégios e imoralidade, com gotas de suor dos impostos, equivale a beber a própria condenação. É suicídio. Cicuta política". LEGENDA FOTO - Rafael: leilão de votos é cicuta política.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
01/02/1985

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