Login do usuário

Aramis

Cornélio, um pioneiro do disco independente

Em conferência pronunciada na Casa de Cultura de Sorocaba, a 19 de julho de 1984, dentro do ciclo de estudos sobre a obra de Cornélio Pires (1884-1958), comemorativas ao centenário de seu nascimento, o pesquisador Abel Cardoso Jr., 47 anos, autor de uma básica biografia de Carmen Miranda ("A Cantora do Brasil", Sorocaba, 1978, 496 páginas) fez uma colocação que há anos temos insistido em nossas colunas: além de folclorista, poeta popular, industrial, conferencista, etc., Cornélio Pires foi também o pioneiro do disco independente no Brasil. Em fevereiro de 1929, já com vários livros publicados e tendo formado a sua "Turma Caipira Cornélio Pires" - com a qual levava cantores e compositores rurais ao interior de São Paulo, Cornélio pensou em fazer gravações destes artistas. Procurou Alberto Jackson Byngton Jr., dono da Colúmbia (que depois seria a Continental), propondo-lhe gravações de anedotas e da música regional paulista. Byngton não aceitou a idéia e quando Cornélio se propôs a financiar o custo das edições, o industrial - amigo de Pires e não desejando vê-lo "perder dinheiro" - exigiu o pagamento antecipado. Cornélio saiu do escritório, levantou o dinheiro necessário e assim, em maio de 1929 saíam os seis primeiros discos da "Turma Caipira" - 5 mil cópias de cada, 30 mil discos, tiragem espantosa para a época. Êxito extraordinário: estava lançada assim, e definitivamente, a música caipira - que ainda hoje sustenta várias fábricas - especialmente a Continental/Chantecler e Copacabana, mas que tem etiquetas em várias outras indústrias. A RCA foi a primeira a sentir o mercado existente, e assim lançava a Turma Caipira Victor. Cornélio produziu 51 discos, ou 102 faces, entre maio de 1929 a início de 1931. Nos primeiros discos, na maioria anedotas e causos e poucas músicas, não saíram o nome dos intérpretes - que a partir de 1930 começaram a ser citados. Criou cinco séries - humorísticas, folclórica, regional, serenatas e patriótica (esta apenas com um disco editado). Como diz Abel Cardoso Jr. a "música caipira manteria a pureza de suas origens até o fim da II Guerra Mundial, para despencar no oportunismo comercial e deturpador dos nossos dias, com raríssimas exceções"(1). MARKETING RURAL - As vésperas do ano 2000, com a total transformação da sociedade brasileira não se pode, obviamente, ver a música sertaneja como há 50 anos passados. Entretanto, ainda há uma faixa expressiva de consumo, só que com os artistas transformando-se frente as novas realidades do mercado. Assim, numa época de informação global, de eliminação dos sotaques regionais, as músicas de origem rural - mesmo que pontilhadas de informações urbanas - não deixam de representar uma forma cultural autoctone. Se Rolando Boldrin e outros lutadores buscam ainda uma autenticidade em criadores não urbanos, de outro lado as regras de marketing são cruéis e fazem com que elementos comerciais se incorporem a qualquer tentativa mais espontânea - para que haja um consumo massificado. No Norte/Nordeste - com um público imenso, que elege dezenas de artistas de grande popularidade aos intérpretes no eixo Interior de São Paulo-Norte do Paraná até chegar ao Rio Grande do Sul, há toda uma gama de linguagem da canção não urbana que, temos insistido sempre, deve ser estudada e pesquisada (até agora, cremos, a única tentativa feita a respeito foi o seminário "Linguagens e Rumos da Canção Brasileira", evento paralelo ao "Brasil de Todos os Cantos", mini-auditório Glauco Flores de Sá Brito, maio/1982). Fortalecido empresarialmente com veículos próprios de divulgação - programas de auditório, sólidos esquemas empresariais (não é sem razão que Milionário e Zé Rico foram até a China, onde sua popularidade cresceu após a exibição do filme "A Estrada da Vida", de Nelson Pereira dos Santos), a música não urbana - ou a rurbana, como chamamos - tem, mensalmente, lançamentos múltiplos - e sempre de diferentes estilos. Por exemplo, a Chantecler traz a dupla Dino Franco e Mourai ("Canção para um Amor Eterno"), numa produção sofisticada, na qual instrumentos que jamais se imaginaria numa gravação do gênero são utilizados: quatro violinos, duas violas, dois cellos e até uma harpa. Já Voninho, acordeonista popular, divide com seus filhos (cujos nomes não são mencionados na contracapa, uma das falhas deste tipo de gravação) com um repertório da maior apelação, na qual há até uma "Porcina no Forró" (procurando aproveitar ainda o êxito da personagem da telenovela "Roque Santeiro") ou o "Xote das Esmeraldas", que aliás, emplacou nas paradas. Falecido há poucos meses, Duduca (José Trindade, Anápolis, Goiás - 4/7/1936, São Paulo - 17/2/1986) formava com Dalvan (José Gomes de Almeida, Planaltina do Paraná, 1937) uma dupla de grande popularidade. Pouco antes de sua morte, gravou "Massa Falida", um "caterete jovem", parceria de Domiciano-Dalvan, que abre seu último disco com nada menos que 13 faixas, quase todas de autoria de Dalvan com diferentes parceiros. Assim como Toninho traz em seu lp os filhos, também Dalvan apresenta sua filha, a menina Dalvana, na toada "Conselho de Pai". Um dos aspectos mais interessantes da música rural/rurbana são os nomes dados aos artistas. Tudo vale para identificar as duplas e trios na busca do sucesso e raro encontrar alguém que use o nome verdadeiro. Osmar & Omar é mais uma destas duplas rurais. São dois artistas paranaenses, radicados em Curitiba, que fizeram o seu lp "Marcas de Amor", parceria com Leonel Rocha, do programa "Nossa Terra, Nossa Gente", TV Iguaçu) e tiveram para a edição do lp o patrocínio do sr. Osmar Fernandes Dias, irmão do senador Álvaro Dias - o presidente da Café do Paraná. Apaixonado por música rural, Osmar patrocinou a edição do lp de Osmar & Omar que já vendeu praticamente a primeira tiragem. (1) A palestra de Abel Cardoso Júnior acaba de ser editada em forma de livreto ("Cornélio Pires, O Primeiro Produtor Independente de Discos do Brasil", edição do SESC-Sorocaba / Fundação Ubaldino do Amaral, 20 páginas).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
3
22/06/1986
Parabéns pela divulgação da matéria e do assunto, sou primo de Cornélio Pires e desconhecia. Se conseguir com Abel um exemplar do livreto, ficarei muito feliz, ainda doarei uma cópia para o Museu do Jaçanã do qual sou diretor. http://museudojacana.blogspot.com Abraços Jânio Pires
Aqui vai o meu email para qualquer consulta ou comentário.

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br