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Aramis

D. Ivone Lara em reedição desonesta

"A essência do samba. O samba com consciência. O samba de pé no chão". (Release acompanhando o elepê "Ivone Lara", Sigla, 1985). Realmente Dona Ivone Lara é o samba. A essência do samba. Considerada como uma espécie de herdeira de mãe Clementina de Jesus, Dona Ivone Lara não precisa de comparações. É ela própria, compositora inspirada, excelente intérprete. Há nove anos, era o paranaense Adelzom Alves que produzia o primeiro elepê de Dona Ivone Lara ("Samba Minha Verdade / Samba Minha Raiz", Odeon, 1978). Depois viriam "Sorriso De Criança" (Odeon, 1979), "Sorriso Negro" (WEA, 1981), e "Alegria Minha Gente" (WEA, 1983). Passaram-se dois anos para que ela voltasse aos estúdios, contratada então da Sigla/Som Livre, ali fazendo um disco belíssimo, produção de Jorge Corrêa, com arranjos e regência de Rildo Hora. Abrindo com o filosófico "Se O Meu Caminho É Meu" (Paulinho Mocidade / Jurandir Brinjela), prestava homenagens a "Rainha Quelé" e a Carlos Drummond de Andrade (Agora José?), em belíssima parceria com Jorge Aragão, dividindo outras canções, com Delcio Carvalho ("Meu Samba É Luz, É Céu, É Mar"); "Nos Combates Desta Vida", "Doces Recordações" (Rildo Hora); "Menino Brasileiro", "Sem Cavaco Não" (Sombrinha / Arlindo & Cruz); "Não Fique A Me Torturar", "Resignação" (Hélio dos Santos), encerrando com um pagode de Cruz / Neoci Dias / Zeca Pagodinho: "Pra Você Voltar". Passaram-se dois anos e Dona Ivone Lara não voltou aos estúdios. Que falta faz, nesta época de recessão de qualidade musical. E não é de ver que a RGE, pertencente ao grupo Sigla, decidiu reeditar o mesmo disco de 1985? Não somos contra reedições. Aliás, lamentamos mesmo que não sejam feitas mais reedições de clássicos da MPB, há muito esgotados, o que obriga colecionadores apaixonados como o Chico da Moto Discos, o Carlos Roberto Ribeiro, Luiz Carlos Gomes e Penido Neto, da Rádio América, de Belo Horizonte ou o Costa Manso, da Collector's (1) , banquem reedições de tesouros da MPB, mas em edições reduzidas, sem esquemas de comercialização e difíceis de serem encontrados mesmo no Rio de Janeiro. Entretanto, uma compositora-intérprete como Dona Ivone Lara, no auge de sua produção, bem que poderia entrar num estúdio e fazer um novo disco. Mas já que a RGE decidiu "homenageá-la" reeditando seu último elepê, poderia fazer isto de forma clara, usando na capa inclusive a mesma bela foto de Mariza Alvarez Lima, que com direção de arte de Felipe Taborda (artista gráfico que andou morando em Curitiba no início dos anos 70), e não a foto de contracapa da edição original (sem creditar o nome de Mariza), mas prejudicada na impressão pela falta de papelão de maior densidade - mal aliás que atinge todas as edições fonográficas "pós-Cruzado I". Detalhes a parte, entretanto, vale a pena (re)ouvir Dona Ivone Lara, com sambas deliciosos, onde esta notável compositora, de família fundadora do Império Serrano, prima do mestre Fuleiro, diretor de harmonia daquela escola, mostrar bossa e balanço. Aproximando-se dos 60 anos - mas uma aparência jovial e bela - assistente social que trabalhou por mais de 30 anos, Dona Ivone está ligada ao samba sede os 12 anos. Tem dezenas de músicas gravadas e é respeitada nas rodas musicais. Seus discos merecem ser reeditados. Mas ela merece entrar num estúdio e fazer um novo elepê. Sambas para isto, temos certeza, não lhe faltam. Nem garra e entusiasmo. Nota (1) Carlos Roberto Ribeiro, Luís Carlos Gomes e Penido Neto, produtores de programas de MPB tradicional da Rádio América (750 Khz), de Belo Horizonte, associados ao Chico da Moto Discos, já reeditaram meia dúzia de elepês com clássicos da MPB na série "Relíquias Brasileiras", que podem ser encontradas na rede Moto Discos, no Rio de Janeiro. Já Costa Manso, da Collector's, além da edição da série "Assim Era O Rádio" (50 volumes, minicassete), também produziu três elepês com históricas interpretações de Orlando Silva, Silvio Caldas e Francisco Alves.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
7
26/04/1987

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