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Aramis

Da feira do poeta, dos jovens, Simões e Neruda

O sonho de todo poeta e ver um dia os seus versos impressos. De preferências em livros, bem ilustrados e com coloridas capas. No mínimo, reproduzido de uma forma que possibilite que maior número de leitores possa entender a mensagem pretendida. No ano passado haviam as fartas e espaçosas páginas de suplementos literários que os jornais ofereciam. Hoje os dias são de economia e com os custos industriais aumentando cada vez mais reduziram-se os espaços aos beletristas em busca de um lugar ao sol. Imprimir um livro por conta própria é um desafio que poucos se dispõem a enfrentar - pois significa imobilizar no mínimo 20 vezes o salário mínimo. Por isto, não poderia ser das mais felizes a idéia do advogado Constantino Viero, diretor da Fundação Cultural de Curitiba: instalar um democrático espaço da feita de artesanato, na Praça Garibaldi, uma prensa tipográfica que possibilite aos poetas terem seus trabalhos impressos na hora, à sua frente e, o que é fundamental, sem maiores despesas. No próximo domingo, 3 de janeiro, pela terceira vez a interessante experiência estará sendo repetida. Dezenas de poetas - desde nomes consagrados nas academias tupiniquins como Vasco Taborda e Leopoldo Scherner - até os mais rebeldes e contestadores jovens garotões de barbas cerradas e meninas de blusas transparentes e calças jeans que parecem nunca terem saído de seus corpos, mas todos unidos pelo amor à palavra e à poesia, estão se encontrando na "Feira do Poeta" - denominação que deverá marcar mais esta inovação da Fundação Cultural e que concretiza uma idéia de Constantino Viaro, um executivo a quem já muito se deve em vários setores. xxx Se a maioria dos poetas jovens luta para publicar o seu primeiro livro, isto não significa que os jovens não consigam também - com uma ajuda de seus pais, é claro - editarem suas poesias. É o que faz uma bela menina, de nome e rosto que lembram uma das personagens mais fascinantes da literatura infantil - -Poly Anna (ao invés de simplesmente "Polyana", como no romance infantil). Fernandes Lima, 19 anos, cuja descrição é feita com felicidade por Vasco José Taborda no prefácio de "Sonhos de Papel" (Editora Litero Técnica, coleção O Formigueiro, 36 páginas, dezembro/81): "O seu todo revela intensa vitalidade: cabelos crespos, curtos, olhos brilhantes, vivíssimos e perscrutadores, rosto bonito e pleno de simpatia. Um arzinho um pouco irônico, mas sem malícia, corpo forte, andar firme e gestos de menina-moça. A voz quase forte, fala rindo, apressada, como se alguém a esperasse logo à esquina". Diz ainda Taborda: "Pôs-se a versejar, fruto da juventude vibrante que ama a vida. Estuda e pesquisa: os seus prosiversos são uma prova. Às vezes, graciosos, de quem ama e lobriga a paisagem culçorosa, móvel, colorida: "Não sei se por medo / ou fantasia / Se por sorte / ou alegria / Que vimos o amanhecer / do Dia". Em outros passos se torna pessimista, medrosa: "Vivo assim o dia-a-dia / Entre o medo e a covardia / na tentativa de ser tudo um dia". A poesia de Poly Ana é simples e sincera - com a honestidade dos jovens. Seria interessante até, para um especialista em busca de um tema para um trabalho universitário, fazer uma análise profunda da visão que os jovens têm transmitido em seus poemas - significativos de nossos dias e de um novo comportamento. Por exemplo, Poly Ana já define assim o seu livro, no poema-título "Sonhos de Papel": "Num dia assim ... / que foi / descoberta / a vida / valorizado / o ser humano / proibido / o aborto / preservada / a natureza / simplificada / a beleza / que escrevi/ meus sonhos / num pedaço/ de papel". Em seguida, faz um autoquestionamento: "O sonho de ser/ algo que não se é/ e que não se pode ser/ Ser somente alguém/ ser talvez a lua / ou quem sabe o sol / ser simplesmente único / ser simplesmente belo / ser simplesmente útil / ser, simplesmente, ser". xxx João Manoel Simões, hoje na casa dos 40 anos, realizado profissionalmente, começou também a publicar jovem ainda os seus poemas. Em 1959, recém-chegado de Lisboa, editava "Eu, Sem Mim" e, intercalando a uma caudalosa obra em prosa - crítica, ensaios, contos - outros livros de poesia se sucederam: "Os Labirintos do verbo", "Moderato contabile", "Roteiro interior", "Suma poética" (Prêmio Fernando Chinaglia, da União Brasileira de Escritores, 1978), "Rapsódia Européia" (de princípio um simples diário poético de sua viagem à Europa em 1979, mas que obteve tão bom resultado ao ponto de despertar o interesse do editor Enio Silveira para um relançamento nacional) e "Sonetos do Tempo Incerto". Organizado, dono de um texto limpo e claro, Simões não para e sua colaboração enriquece O ESTADO. Intelectualmente consciente, conhecedor dos clássicos, mergulhou em dois autores que o marcaram por sua vida, a propósito de efemérides transcorridas recentemente e produziu ""Virgilio & Camões": duas presenças vivas" (Editora Litero Técnica / O Formigueiro, 57 páginas, volume 175). A propósito do bimilionário de Vergilius (70 a 19 a.C.) e dos 400 anos da morte de Luis de Camões (1524? 1580), Simões produziu um ensaio dos mais sérios e oportunos, que merece uma apresentação apaixonada de Túlio Vargas, que pela regularidade com que vem freqüentando as áreas literárias parece estar disposto a renunciar (definitivamente?) à política em favor da palavra escrita. xxx Ainda de poesia, um registro: em publicação de luxo, formato 24x32, confeccionada para ser presenteada nestas festas de fim de ano, a José Olympio está lançando a 8a edição de "20 Poemas de Amor e uma Canção Desesperada", do prêmio Nobel Pablo Neruda, em perfeita tradução do poeta Domingos Carvalho da Silva e com belíssimas ilustrações de Carybé. A obra, que traz também o texto original, é, no sentir do próprio autor, "um livro doloroso e pastoril que contém minhas mais atormentadas paixões adolescentes, misturadas com a natureza envolvente do sul da minha pátria. É um livro que amo porque, apesar de sua aguda melancolia, está presente nele o prazer de viver". Uma curiosidade desta edição: e paginação picotada permite que os 20 poemas de amor e a canção desesperada possam ser destacadas do livro e enviados, como presentes de festas, aos amigos, fugindo assim, aos clássicos cartões postais. Mas quem comprar o livro (Cr$ 1 mil) dificilmente terá coragem de usar esta fórmula. A não ser que adquira mais de uma unidade.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
9
31/12/1981

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