Login do usuário

Aramis

De Bianchi a Carol, o nosso cinema dá certo

Sérgio Bianchi, paranaense de Ponta Grossa, 33 anos, levou mais de dez anos para conseguir realizar o seu primeiro longa-metragem. Depois de estudar na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo e ali fazer dois curtas-metragens, inspirado em contos de Júlio Cortazar, Bianchi aglutinou alguns amigos atores/atrizes, conseguiu um velho casarão e, numa espécie de comunidade hippie, fez uma reflexão liberta sobre a fase do “paz e amor, bicho!”. O resultado foi “Maldita Coincidência”, que, no ano passado, se tornou notícia ao ter algumas seqüências censuradas – e colocando Bianchi no mausoléu das vítimas da Censura. “Maldita Coincidência” inaugurou o cine Groff dividindo o público: houve quem adorasse o filme tipicamente underground (ou, nacionalisticamente, udigrudi) houve quem não o entendeu e só viu as falhas: história desconexa, hermetismo na mensagem, improvisações, falta de recursos técnicos. Se dificilmente Bianchi conseguirá recuperar o (pouco) que investiu no filme – destinado a exibição em sessões malditas e cinemas não comerciais – em compensação está colecionando simpáticos artigos. Ainda agora, a revista “Status” (janeiro/82), Cr$ 280,00), em sua sessão “Viva”, dedica generoso texto com recomendação: “não perca esta fábula da sexualidade infantil”. O texto, sem identificação do autor, diz: Fique atento para este filme: “Maldita Coincidência”. Se estiver passando num cinema perto de você, corra e assista. É um velho problema brasileiro: má distribuição, desatenção de exibidores, ignorância e preconceitos acabam relegando ao esquecimento filmes como este, do diretor Sérgio Bianchi. Se estivéssemos nos Estados Unidos, seria certamente um acontecimento. Em linguagem, temas ousados e realização, o filme é de uma vanguarda comparável à de “Pink Flamingoes”, por exemplo. “Maldita Coincidência”, de Sérgio Bianchi, provavelmente escapará desta desagradável “glória futura”.Nas poucas vezes em que o filme foi exibido, a platéia saiu excitada, e a crítica não poupou elogios. O filme é uma poética fábula da sexualidade infantil com a presença de atores de Sérgio Mamberti, Rodrigo Santiago e Lélia Abramo.   xxx   A mesma edição de “Status” abre suas páginas nobres, da entrevista do mês, para ouvir o cineasta do mês Ody Fraga, 56 anos, 17 longas-metragens assumidamente pornô. Um detalhe que dá esta entrevista de Ody interesse local: embora não haja  referências na entrevista concedida a Astolfo Araújo (também cineasta bissexto), o fato é que foi em Curitiba que Ody fez seu primeiro longa-metragem. Ou,  mais especificamente, iniciou o primeiro longa. Foi em 1964, quando Nelson Teixeira Mendes, então também se iniciando na produção, aqui veio rodar “ O Diabo de Vila Velha”. Ody fez as seqüências de interiores, rodados em cenários montados no grande auditório do Teatro Guairá, então em obras. A produção do filme era muito confusa, com problemas de toda ordem e assim Ody acabou se desentendendo com Teixeira Mendes e voltou a São Paulo, sendo substituído por José Mojica Marins – o temível Zé do Caixão, que fez outras seqüências, mas, no final, o próprio produtor acabou assumindo a direção e concluindo o filme, um bangue-bangue calamitoso medíocre, que só viria a estrear um ano depois. Em compensação, o filme deu sorte: Teixeira Mendes partiu para outros filmes, na linha mais comercial, Mojica Marins consagrou-se no gênero horror e Ody Fraga foi descoberto como roteirista e diretor, fazendo filmes de grande sucesso de público, de forma que hoje é um dos mais requisitados realizadores do chamado “ cinema da boca do lixo”, em São Paulo. Da entrevista de Ody Fraga, há algumas jóias que merecem transcrição. Por exemplo, assume a classificação de pornógrafo, “ com muito orgulho, pois a pronografia é osexo sem vergonha de si. Já o erotismo é complexo, exige véus, lábios vermelhos, roupas esvoaçantes e muita masturbação mental. Veja, historicamente, que é mais importante: Boccacio ou Sade? Quem é o mórbido? Quem é o puro?”. Ody não deixa de fazer suas claras críticas: “ Eu te Amo” do (Arnaldo) Jabor é tão chulo como qualquer filme pornô da Boca. Só que é espertinho e sofisticado. Uma pornografia sofisticada, tão essencial para a classe média como uma sessão de análise. E muito mais barata. Todos nós precisamos de pornografia. Estimula as glândulas. Um executivo massacrado pelo seu trabalho se delicia com a Sonia Braga, como um operário com a Helena Ramos. No fim dá tudo no mesmo (...). Uma das últimas proezas de Ody Fraga foi realizar para o comerciante Galante – o maior explorador da linha pornô – um filme intitulado “A Filha do Calígula” realizado em apenas 30 dias para aproveitar toda a onda que a proibição em torno de “Calígula”, produzida por Bob Giudice e dirigida por Tinto Brassi, havia provocado. Diz Fraga: “Galante é um cara espertíssimo: me chamou na terça-feira para conversar sobre o filme que ele havia vendido, que iria estrear dentro de 30dias. E do qual só tinha na verdade o título, “A Filha do Calígula”. Você sabe que um filme normalmente demora uns 120 dias para terminar. Pois bem, na segunda-feira seguinte[,] já estava filmando em Roma Antiga (...). Convoquei o auxílio de pequenos circos com toda a sua imponência. Só que os atores eram tipos de Boca com os mais variados sotaques. Eram todos ingênuos e muito ciosos de seu papel, vindo sempre discutir comigo a psicologia de seus personagens. Acontece que eu não tinha tempo e muito menos personagens Eram cenas que tinham um sentido muito próprio, e que iam se arrumando como um quebra-cabeças. A fita tem uma carreira econômica muito curiosa, sob o ponto de vista sociológico: nas pequenas cidades do Interior, principalmente no Nordeste, é um sucesso. Nas grandes cidades é um filme de renda média. Mas realmente nunca mais pretendo entrar num esquema tão maluco como esse”.   xxx   E qual receita que Ody dá para o ator e atriz ideal dos filmes pornô: “Primeiro, o ator não deve ter nenhuma imaginação erótica. Segundo, deve ter um padrão intelectual bem baixo, sem nenhujm bloqueio”.   xxx   Mas a realização de filmes pornô chega também a Curitiba. José Augusto Iwersen, 34 anos, que aos 13 anos já fundava o Cine Clube Pró Arte, no Colégio Santa Maria e, posteriormente, ali instalou o primeiro cinema de arte do Paraná – o “Riviera”, graças ao qual uma geração de cinéfilos curitibanos pode assistir a mais de 50 clássicos que, normalmente, jamais chegariam a nossa cidade, também assumiu o erotismo. Como fotógrafo passou a produzir fotonovelas que inicialmente eram veiculadas por editoras do Rio-São Paulo, mas agora estão sendo lançadas por seu amigo de infância Faruk El Khatib, da Grafipar. Uma das criações de Iwersen, a personagem “Carol Blue”, interpretada por uma bela e atraente loira, Ana Maria Krisler, totalmente desinibida nas mais eróticas seqüências e que tendo emplacado nas bancas (o 6º número saiu agora), vai para o cinema. Os dois filmes da série, em Super 8, com cenas de sexo explícito, já estão prontos e levarão cenários como Foz do Iguaçu, Vila Velha e Paranaguá – emoldurando tórridas cenas de amor – não só aos “voyeurs” brasileiros, mas ao Exterior, pois em sua última viagem a Nova Iorque, Faruk já acertou o lançamento dos filmes de Carol Blue no mercado harcore americano. Ou seja, nosso sexo tupiniquim perde seu complexo de inferioridade e graças a Carol Blue vai ao mundo.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
16
12/01/1982

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br