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Aramis

De noites estreladas, músicas juninas e o mercado sertanejo

O céu parecia de encomenda: estrelas brilhando com todo o fulgor como se espera numa noite de Santo Antônio. E o frio polar que fez na sexta-feira, 13, não impediu que pelo menos 70% do Pavilhão Antônio Laverda Braga, em Campo Largo, ficasse ocupado pelo público que foi aplaudir o II Festival de Música Junina, com 14 concorrentes - inclusive de São Luiz, do Maranhão, e tendo a dupla Belarmino & Gabriela como mestre-de-serimônia. Idealizado pela Coordenação de Ação Cultural da SECE, dirigida pela professora Circe Lambrejo, como uma forma de revitalizar um gênero musical que já teve o seu período de efervescência; a primeira edição desta promoção ocorreu em São José dos Pinhais, no ano passado - já com um expressivo número de participantes. Agora, houve uma pré-seleção facilitando o trabalho da comissão que acabou premiando Manoel Célio Didewcz (<< Já Não se Fazem Festas Juninas Como Antigamente >>) e a dupla Ivan Graciano/Miro Machado (<< Festa de Santo Antônio e São João >>), nos dois primeiros lugares - cabendo também a Miro, o prêmio intérprete. xxx Apesar do frio, o carioca João de Barro (Carlos Alberto Ferreira Braga, 73 anos) - último dos compositores da chamada época-de-ouro da MPB, estava animado na presidência de honra do júri, pois, entre tantos gêneros que tiveram músicas marcantes do letrista de << Carinhoso >>, o da música junina foi um deles. Basta lembrar seu << Mané fogueteiro >> 9 samba-canção, 1934) ou << Noites de Junho >> (parceria com Alberto Ribeiro, marcha, 1939), dois clássicos que resistem ao tempo. Braguinha, que tem sabido conservar a juventude e o otimismo, comentava que o gênero junino constitui um desafio aos autores, já que as imagens temáticas obrigam a uma repetição. Isso se observou na maioria das letras concorrentes, falando em fogueteira, santos de junho, balões, céus estrelados e até rimando baião com quentão. Por isso, o júri - formado por Maria Augusta Koheler (vice-diretora da Escola de Música e Belas Artes do Paraná), Inami Custódio Pinto (do Museu da Imagem e do Som-PR), produtor Orácio faustino, do núcleo de música sertaneja da CBS, jornalista Fernando Fanucchi (<< Nhô Juvêncio >>), veterano da área de música rural e este colunista, - teve um conserto na premiação da composição de Manoel Célio Didiewicz, << Já não se faz Festas Juninas Como Antigamente >>. Sem fugir das imagens-clichês do gênero, Didiewcz não deixou de fazer um estribilho crítico aos dias de hoje - onde o folclore romantismo dos eventos juninos parece ter perdido, definitivamente e (?), seu lugar: << Hoje já não se faz mais Festas como antigamente A batata tá difícil E o quentão não é tão quente Fogueira tá na saudade Quadrilha só de ladrão Desmataram todo o mato Sanfona virou fita para som >> xxx Miro Teixeira, 62 anos, o operário do setor de pavimentação asfáltica da Prefeitura de Curitiba que hipotecou sua humilde casa, na vila de São Braz um compacto com as músicas << Mês de Anistia >> e << Ano da Criança >> (edição BG, 1980) - conforme aqui registramos há mais de dois meses, dividiu com Ivan Graciano a autoria de << Festa de Santo Antônio e São João >>, com justiça premiada em segundo lugar. Ivan e Miro, mais os músicos do Forró do << Belarmino >>, - Tico (Paulo Faria), Índio Paranaense (José de Paulo) e Pelego - deram uma animada apresentação a esta música simples, com belas harmonias garantidas pelo acordeon de Ivan Graciano, hoje o único produtor fonográfico a atuar regularmente na área de música rural no Paraná. Embora não sendo cantor profissional. Miro Teixeira deu um colorido e alegria a apresentação, emocionando especialmente aqueles que o conhecem em sua simplicidade. E o estímulo a simplicidade é, em nosso entender, o maior significado de eventos como este. Muitos dos participantes marcaram sua presença pela expontaneidade, aspecto inclusive destacado pelo secretário Luiz Roberto Soares, da Cultura e Esporte - que apesar do frio, permaneceu até o final do festival - junto com o prefeito Newton Puppi e os diretores da Fundação João XXIII, unidade do município de Campo Largo responsável pelas atividades culturais e esportivas. xxx Orácio Faustino, paranaense de Patiguá (<< uma pequena localidade próxima a Siqueira Campos, que poucos observam no mapa >>), há 3 anos na coordenação do núcleo de música rural da CBS - etiqueta << Uirapuru >>, não só veio trazer seu Know-how ao júri, como apresentou a dupla Franco & Montoro (João Batista de Oliveira, 28 anos /Baltazar Góes, 31, mineiro de Uberlândia), que em menos de 6 meses venderam mais de 10 mil cópias de seu primeiro LP. Ex-divulgador da Polydor, integrado à música rural, Orácio Faustino é o homem que tem encontrado nomes artísticos << de atualidade e fácil comunicação >>, como explica - as novas duplas e trios da música rural, que mensalmente a CBS vem lançando - em disputa de uma faixa cada vez mais generosa, em termos de vendas, do mercado, Tanto é que a dupla Franco & Montoro - claramente buscando capitalizar a popularidade do senador emedebista, abriu caminho para que aparecessem Presente & Futuro, Preferido & Predileto e, agora As Primas (Rosane e Lucimar), jovens de Aparecida do Norte. Enquanto Orácio Faustino garante que o menino Donizetti, 9 anos, com seu primeiro disco saindo agora, poderá ser um dos campeões de vendagem em 1980, nega que, ao menos por enquanto, vai colocar na praça uma dupla sertaneja com o nome de João baptista & Figueiredo, conforme várias sugestões que recebeu. xxx A música rural 0 ou não urbana, considerado a diversidade e característica regional do Brasil - oferece possibilidades tão amplas de retorno do investimento, que mesmo gravadoras multinacionais, afora a CBS, estão se preocupando em entrar no ramo. A WEA já começa a formar seu cast rural, enquanto a Odeon/EMI, que durante anos resistiu ao gênero - confiando em suas inúmeras apresentações internacionais - sentiu também que não está mais na hora de perder terreno. E, na semana passada, colocou nas lojas um pacote do selo Jangada, com interpretes-compositores capazes de beliscar esta faixa. Assim temos a dupla Caju e Castanha (<< Embolando na Embolada >>), o violeiro-compositor João de Lima, apresenta como << O Uirapuru de Alagoas >> (<< Os Vagalumes da Serra >>), Sebastião do Rojão >> (<< O Preço de Uma Noite >>), Onildo Almeida (<< O Homem da Feira >>), Jorge de Altinho (<< O Príncipe do Balão >>), os românticos Luiz Geraldo (<< Eu Quero Seu Amor >>), J. Aquino (<< Adeus Amor >>) e Evaldo Freire (<< A Dor de Uma Paixão >>), além de os << Grandes Sucessos >> de Carlos Augusto e de Silvio Silva, << o garoto assobiador >>. xxx O interesse de multinacionais fonográficas pela área da música do chamado << povão >> representa uma série concorrência às gravadoras nacionais, que tem nesta área sua sustentação industrial. Especialmente a Copacabana e o grupo Continental/Chantecler não sobreviveriam senão fossem seus catálogos rurais (só em Goiânia, mensalmente, mais de 60 mil discos de música rural são comercializados). A Chantecler, que há pouco lançou o LP comemorativo aos 35 anos de Tônico & Tinoco, edita agora álbum registrando << 30 anos/Viola e Catiras >> da dupla Vieira e Vieirinha, formada por Rubens vieira Marques (Itajobi, SP, 1926) e Rubião Vieira (Itajobi, 1928). Catireiros e violeiros , a dupla nunca perdeu a oportunidade de mostrar suas habilidades na viola e no bate-pé, desde a época em que eram peões e boiadeiros. Montaram uma fábrica de violões em Novo Horizonte, SP, e, a partir de 1948, iniciaram uma carreira nunca interrompida - divulgando gêneros musicais de raízes fortes, que, apesar do comercialismo dos dias de hoje, ainda os tem como símbolos de resistência cultural. xxx Sem sofisticação - e nisto não vai uma preferência pessoal - continuando a defender a necessidade de se dar a música não urbana a mesma atenção, ao menos informática, da que merece a urbana. E a idéia de um encontro de quem assim pensa, para troca de idéias e posicionamento, é uma promoção que fica a tentar a quem sabe (procurar) ver as manifestações populares. Por isso, em 1981, o Festival de Música Junina, bem, que pode ter um outro enfoque, ampliando a área - e possibilitando amplo debate a respeito. Sugestão, aliás, que Inami Custódio Pinto, incansável pesquisador de folclore, compositor e ex-produtor fonográfico, fazia na noite de sexta-feira ao secretário Luís Roberto Soares.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
15/06/1980

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