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Aramis

A dimensão intelectual e política do Estadista

"Fui e sou obrigado a fazer política. Mas não me posso integrar nos seus sistemas... Julgo o meu desajustamento boiando no vasto oceano político em que há pressa de êxitos, fome, fome sagrada de conquistas materiais, vontades de mando agressivo e físico. Esbarro nos aduladores. Não me seduzem. Falta-lhes imaginação. Repetem o que ouvia, três decênios antes, dirigindo-se a meu pai, que os mantinha a distância. Sou obrigado a suportá-los com cordialidade, pois voltam sempre". (Munhoz da Rocha) xxx Norton Macedo, que quando jovem foi jornalista e depois publicitário, dono de bom texto e, sobretudo, uma visão atenta das coisas, soube não só escolher os mais significativos pronunciamentos de Munhoz da Rocha para compor o robusto volume de número 39 da série "Perfis Parlamentares", como em sua introdução de sete páginas soube lançar um perfil do homem que governou o Paraná (1951-1954), num dos períodos mais importantes da transformação econômica e social do Estado. Assim, soube pinçar desde a declaração acima, até a sua formação intelectual, sólida, profunda, que o fez um dos constituintes mais brilhantes e respeitados, e isto em um Congresso de nomes notáveis como Otávio Mangabeira, Afonso Arinos, Nestor Duarte, Pedro Aleixo, Raul Pilla, Aliomar Baleeiro, Nereu Ramos, entre outros. Além da introdução de Norton, o volume foi enriquecido com um ensaio de 20 páginas de Luís Roberto Nogueira Soares, ex-deputado estadual e que foi o primeiro secretário de Cultura do Paraná (governo Ney Braga, 1979/1983) sobre "O Pensamento e Obra de Munhoz da Rocha". Mesmo não tendo conhecido Munhoz da Rocha pessoalmente, Luís Roberto - através da leitura atenta de seus textos parlamentares e livros - pôde traçar um belo approach de sua personalidade política e intelectual. Pode, assim, com isenção, ver que "horrorizava a Munhoz da Rocha o inócuo jogo de esperteza, as intrigas e as mesquinhas maquinações de nossos pequenos Maquiáveis, que, se trazem momentâneas vantagens a tais atores, definitivamente não contribuem em nada para o avanço da sociedade". Munhoz da Rocha, que perdeu duas eleições, exercia a política consciente de que nem sempre o êxito é uma boa referência: tinha presente a lição de Ignazio Silone: "O sucesso só é justificação para os imbecis". Fazendo muitas citações, Luís Roberto, em sua análise, cita o exemplo que Bento costumava fazer sobre Orson Welles (1915-1985), que com sua adaptação radiofônica de "A Guerra dos Mundos", de H. G. Wells, aterrorizou os Estados Unidos em outubro de 1938 - até a citação de Antônio Cândido para mostrar aspectos das características da psicologia nacional e o chamado complexo de esperteza (e suas variantes). Era inadmissível para Munhoz da Rocha a institucionalização da esperteza e a sua penetração profunda, e de certo modo gloriosa, em todo o organismo nacional. Pregava uma resistência a ela em todas as formas e modos. "Ponha-se a nu a esperteza. Mostre-se a degradação que representa nas relações humanas: o desassossego e a inquietação que traz à vida nacional. Sejam os brasileiros incansáveis no combate à esperteza. Não a tratem com carinho, como é frequente. Convençam-se de seu aviltamento". xxx Os nove livros que Munhoz da Rocha publicou entre 1948 ("Uma Interpretação das Américas", José Olympio), aos "Ensaios" (Imprensa Universitária, 1969), incluindo o referencial "Radiografia de Novembro" (Civilização Brasileira, 1961) - no qual deu seu depoimento na crise do governo Café Filho (de quem foi ministro da Agricultura) há muito estão esgotados. Assim, para os mais jovens - inclusive políticos que deveriam se espelhar em seu exemplo de homem público e estadista - é difícil conseguir seus textos (aliás, bem que se poderia fazer uma reedição ao menos da "Radiografia de Novembro"). Portanto, este perfil parlamentar chega em boa hora. Citando Afonso Arinos - que disse a seu respeito "Bento não era daqueles que não viverão mais do que o tempo que viverem; ele, por sua vida, era dos que se inscrevem permanentemente na história", Norton Macedo encerra, de forma brilhante, sua introdução. Bento Munhoz da Rocha Neto, Bento para a intimidade de seus irmãos no Paraná; Munhoz da Rocha para o Brasil. Homens como ele não passam; são eternos. Pena que sejam raros.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
31/01/1988

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