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Disco documento de Nelson Cavaquinho

Era inevitável que a morte de Nelson Cavaquinho (Nelson Antônio da Silva, Rio de Janeiro, 28/10/1910 - 17/2/1986) provocasse não só uma corrida de cantores às suas músicas, como a reedição dos poucos discos que gravou. Louve-se, entretanto, a RCA e o Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro por terem se lembrado de homenagear Cavaquinho antes mesmo de sua morte. Pouco antes de viajar ao Japão - onde foi acompanhando a excursão de Djavan - a jornalista Ana Maria Bahiana havia deixado acertado com a RCA o relançamento de um bonito lp que Nelson Cavaquinho ali fez, dentro de um programa de retomada de lançamentos de discos com a marca do MIS. Coincidindo com a morte do compositor, o reaparecimento deste elepê adquire um significado especial, pois foi produzido há 14 anos passados e lançado em setembro/72, dentro de uma coleção chamada "Documento", pela qual a RCA ofereceu outros importantes discos de grandes nomes da MPB. Na época, em entrevista a Maurício Kubrusly, então no "Jornal da Tarde", ele lembrava que havia gravado o disco sem playback. - "No tempo da Casa Edison não tinha nada disso. Só sei cantar olhando para os dedos de quem está me acompanhando nas cordas do violão. Playback fica bem para os meninos eletrônicos. Para mim, não." Este foi um dos inúmeros problemas enfrentados por Waldyr Santos, coordenador desse disco que é citado como o primeiro lp de Nelson Cavaquinho (na verdade, dois anos antes, ele já havia feito um elepê, numa pequena etiqueta chamada Castelo, mas como a mesma faliu, o disco ficou inédito, só aparecendo em 1974, quando a Continental adquiriu e lançou o álbum, com o título "Depoimento do Poeta", tendo como convidados especiais Elizeth Cardoso, Eneida, Altamiro Carrilho, Sargentelli e Sérgio Cabral). Para gravar o lp na RCA Nelson passou quase 35 horas em estúdio. Uma dificuldade foi selecionar as 12 faixas do disco entre os 400 sambas do compositor - a maior parte conservada na memória ("sei música de ouvido, não conheço o suficiente para escrever numa pauta"). Há exatamente 20 anos passados, uma cantora alagoana, Thelma Soares, foi a primeira a reverenciar a Nelson Cavaquinho, num belíssimo lp produzido por Sérgio Porto, na CBS (reeditado há 8 anos passados). Até então a maravilhosa música de Nelson Cavaquinho só era conhecida através de gravações esparsas, feitas por intérpretes como Elizeth Cardoso ("A flor e o espinho"), Nara Leão ("Luz Negra"), Cyro Monteiro ("Rugas"), Orlando Silva ("Degraus da Vida"), Clara Nunes ("Sempre Mangueira") e Paulinho da Viola ("Duas horas da manhã", este o segundo samba composto por Nelson Cavaquinho). Assim, quando a RCA o convidou para fazer um lp na série Documento, ele não acreditou: afinal, na época com 61 anos de idade e mais de 35 de atividades musicais, já estava cansado de promessas. Além disso, muitas vezes tinha sido obrigado a dividir a autoria de sambas com desconhecidos, para o pagamento de dívidas. Assim, quando se viu dentro do estúdio, com os acompanhantes que tinha escolhido, ficou tão emocionado que chegou a chorar, durante a primeira gravação de "Quando eu me chamar saudade", cujos versos se tornaram uma espécie de prévio epitáfio não só para ele, mas para tantos outros artistas injustiçados: Se alguém quiser fazer por mim/ que faça agora/ A música de Nelson Cavaquinho, com seus temas poéticos mas amargos e mórbidos - falando da morte, suas relações com as flores, traições e fracassos - ficou como das mais fortes em nosso cancioneiro, não podendo se esquecer que se ele foi genial, muito também se deve ao admirável letrista, Guilherme Brito (Rio de Janeiro, 3/1/1922). Verdadeira antologia de suas mais significativas composições - "Tatuagem", "Eu e as Flores", "Palhaço", "Deus Não Me Esqueceu", "Lágrimas Sem Júri" e "Luto", afora as acima citadas - este álbum documento mostrava também outra característica de Cavaquinho: sua maneira de tocar violão, apenas com dois dedos (polegar e indicador).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
3
27/04/1986

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