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Aramis

Dois livros para que se conheça melhor o samba

Quem diria que as escolas de samba, durante tantos anos[,] vistas, [preconceituosamente], como, redutos de marginais, malandros e preguiçosos, se transformariam em tema para teses, pesquisas, dissertações de mestrados ou estudos reunidos em livros? Afinal, os scholars entenderam a necessidade de se voltar a pesquisa de temas brasileiros, ligados à cultura popular, e por isto o fenômeno de audiência que um paranaense, Adelsom Alvez, conseguiu há mais de uma década na Rádio Globo, o fez figurar como tema-central de uma tese universitária lançada há três anos, enquanto a Escola de Samba Estação Primeira da Mangueira mereceu de uma professora carioca uma tese fascinante: “O Palácio do Samba”, lançado pela Zahar. Agora, um casal de professores e escritores, Rachel e Suetônio Valença, voltou-se a outra Escola de Samba – o Império Serrano (“Serra, Serrinha, Serrano: o império do samba”, Livraria José Olympio Editora, 129 páginas), uma obra não só quem se interessa pelo Carnaval e sua cultura – mas também pela música popular brasileira, já que se trata de um abrangente estudo, onde Rachel e Suetônio contam tudo sobre uma das mais importantes escolas de samba do Rio de Janeiro, das origens aos dias de hoje: as causas de seu nascimento, as inovações que trouxe para o desfile, os acontecimentos marcantes, os sambas mais  bonitos, as dificuldades e as vitórias.  Como acentua Thereza Aragão no prefácio é um trabalho minucioso e completo, fruto de pesquisa árdua e cuidadosa em livros, jornais e revistas, de elementos extraídos da própria memória e de pelo menos uma centena de horas de entrevistas com componentes históricos do Império, confundindo dados e informações, procurando autorias de sambas antigos, tantas vezes nebulosas, esmiuçando fatos, traçando pequenas biografias de personalidades de maior importância para a cultura popular brasileira, até então conhecidas apenas no restrito ambiente onde vivem e atuam. Se Mano Décio da Viola, Silas de Oliveira, Roberto Ribeiro e Dona Ivone Lara, por exemplo, são conhecidos, a grande, a absoluta maioria das pessoas citadas em “Serra, Serrinha, Serrano: o Império do Samba”, viveu e vive anonimamente, praticando e conservando manifestações culturais que vão do jongo ao samba, lutando bravamente para pôr o Carnaval na rua, sem concessões ou modismos, nestes tempos tão confusos e controvertidos do samba carioca. Suetônio Soares Valença, 38 anos, carioca da Vila Izabel, formado em Letras Clássicas pela Universidade de Brasília – onde foi professor até 1969, redator da Enciclopédia Britânica, há seis anos dedica-se- junto com a esposa, Rachel, ao estudo da música popular brasileira e como resultado, já publicou “Viola de Lereno” (Editora Civilização Brasileira, 1980), coleção de modinhas e lundus do mulato carioca Domingos Caldas Barbosa e, no ano passado, pela Funarte, publicou  “Trá-lá-lá”, definitiva biografia de Lamartine Babo (1904-1963). Minucioso e profundo, os estudos de Suetônio – com ajuda de sua esposa Rachel, demonstram que uma simples escola de samba pode justificar um estudo profundo, capaz de fazer a muitos entenderem melhor o Carnaval e sua cultura. xxx Outro professor universitário, José Maria de Souza Dantas, 45 anos, doutor em letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, diretor da Faculdade de Ciências Humanas, Letras e Artes da Sociedade Unificada de Ensino [] Superior Augusto Mota, entre muitos  outros títulos, é outro scholar que se volta ao estudo de nossa música. No caso, da análise de um dos mais talentosos autores surgidos nos últimos anos – em “Paulo César Pinheiro, O Poeta da Esperança” (Livraria José Olympio Editora, 83 páginas). xxx É importante que a obra dos letristas seja analisada por especialistas em  literatura – demonstrando assim o alto nível que nossos poetas populares alcançaram. Se nos Estados Unidos e Europa é comum encontrar dezenas de livros esmiuçando as obras dos mais diferentes autores, no Brasil, nem um poeta da dimensão de Vinícius de Moraes teve, até hoje, análise de sua criação literária na área da música popular. Chico Buarque já mereceu algumas tentativas, mas todas tímidas – nenhuma tendo uma projeção maior, uma, mas multiplicidade de interpretações/dissertações. Paulo César Pinheiro, 33 anos, uma (“Canto Brasileiro” e “Cordas de prata”), tem nível de Baden Powell, Tom Jobim, César Costa Filho, Maurício Tapajós, João de Aquino (com quem fez “Viagem”, praticamente sua primeira letra), Edu  Lobo, João Nogueira, Mauro Duarte – apenas para citar alguns, que procuraram acompanhar a música de seus versos, organizando sempre uma melodia que forme um verdadeiro casamento, em que letra e música digam de seus ideais de liberdade, fraternidade e amor. Por meio desses, caminhos, o poeta constrói pela esperança, um mundo de idealismo, em que estão ausentes o desamor, a desagregação e ódio. É o caso de “Hino”, “Mordaça”, “Cordilheira”, “Irerê”, entre tantos outros poemas. Pelo contrário, em seus poemas, Paulo César Pinheiro nos fala de um universo de paz e de união, tendo na esperança uma constante, para que o seu mundo poético seja concretizado. por isso mesmo, este pequeno (grande) livro, "Paulo César Pinheiro, poeta da esperança" propõe esperança de liberdade, de entendimento, de canto, de poesia. O canto do poeta é um canto d esperança, na medida em que permite, através dele, a existência de um mundo melhor e um conseqüente desempenho do homem no terreno do congraçamento e do constante reconhecimento. José Maria de Souza Dantas estuda o tema central da poesia de Paulo César Pinheiro, a Esperança, anotando os seus subtemas, todos eles originários da consciência poética e social do poeta, vinculados à esperança. Procurando divulgar a poesia de Paulo César Pinheiro, a linguagem deste livro é simples, natural e despojada de teorias excêntricas e de terminologia sofisticada, estando, portanto, dentro do espírito do próprio poeta, no afã de possibilitar a todos sua leitura. Cada um dos belos versos de Paulinho Pinheiro é demoradamente analisado, de uma forma objetiva e comunicativa. Por exemplo, em relação a "Pesadelo" (parceria com Maurício Tapajós) e que surgindo  na época mais dura da repressão/censura era ligada ao nome de Chico Buarque, José Maria Dantas acentua: "Paulinho crê, mesmo[] havendo obstáculo, separação, na presença da união "Quando um muro separa[,] uma ponte une" da mesma forma que sabe livrar-se  de qualquer tipo de opressão. Acima de tudo, é o poeta, certo de seu destino, de sua missão de criar, de espalhar toda uma mensagem humana e solidária ("Você corta um verso [,] eu escrevo outro/ Você me prende[,] eu escapo morto"). O poeta tem certeza da liberdade, de um amanhã mais livre, mais fraterno: "O muro caiu, olha a ponte Da liberdade guardiã. O braço de Cristo horizonte Abraça o dia de amanhã" xxx Realmente feliz do País que tem poetas como Paulo Pinheiro, que fala da Esperança e entendendo o amor como união, como presença, apresentando o reencontro ("Tomara que inda te encontre um dia"), a ausência da solidão ("Com isso a solidão se acabe", motivo que provoca a alegria ("Com que essa minha dor se vá"). Para o poeta, amor é alegria ("Eu mato essa melancólica") e ele é todo de esperança ("Se eu me poupasse de esperar").
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
12
13/01/1982

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