Login do usuário

Aramis

A dor da velhice com as imagens da música

Poucas vezes o cinema tratou com tanta profundidade, sinceridade e emoção um tema difícil, incômodo mas verdadeiro - a velhice como fez Fabio Carpi em "Quarteto Basileus" (cine Luz, até amanhã). A partir da morte de um violinista, Oscar - logo na primeira seqüência, "Quarteto Basileus" é um painel profundamente humano do crepúsculo dos três sobreviventes, músicos virtuoses que, por 30 anos, dedicaram-se a sua arte, desprendendo-se de uma vida familiar, de uma realização afetiva e, sentindo, de repente, a chegada do peso da idade, a proximidade da morte e o vazio da existência. Assim como Elio Petri (1929-1974) em "Os Dias São Numerados" (I Giorni Contati, 1962), a partir da conscientização de um velho operário (antológica atuação de Salvo Randoni) de que a morte iminente surgia como uma cobrança por uma vazia existência - despertando nele uma desesperada ânsia de recuperar o tempo perdido - também os personagens deste "Quarteto Basileus" movem-se, desesperados, frente à iminência de um final de vida. Se "I Giorni Contati" era um filme despojado, rodado em preto e branco, numa linguagem neo-realista - mas com profundas indagações da vida (e de sua falta de sentido), Fabio Carpi ambientou este seu filme num ambiente refinado, pela própria profissão dos personagens. Alvaro, Dario e Guagliemi, os três velhos músicos que frente à morte de Oscar decidem, no primeiro momento, encerrar o Quarteto, são sacudidos por um sopro de energia jovem, representado pelo ambicioso e talentoso Eduardo Marteli, que, no vigor de seus 21 anos, os conquista e mostra que o grupo deve continuar. A contradição da juventude de Eduardo e a decadência física dos outros integrantes produz um comportamento dolorido - que vai, pouco a pouco, ceifando cada um. De princípio, na paixão homossexual e enrustida de Guagliemi - que termina por um internamento no hospício. Depois, a doença de Dario, com uma morte em Veneza. No final, só restam Alvaro e o jovem Eduardo - este num sopro de energia com novos espaços. Milanês, 62 anos, por sinal completados ontem, Fabio Carpi foi a grande revelação neste "Quarteto Basileus", produção modesta, financiada pela Rádio e Televisão Italiana, rodada há quatro anos e que importada por F. J. Lucas, de São Paulo, teve uma carreira discreta no Brasil - embora despertando atenção da crítica (em 1985, no ano de seu lançamento em Curitiba, foi incluído como um dos 10 melhores do ano). Poeta, romancista, jornalista e crítico de cinema, Fabio Carpi começou trabalhando como roteirista, o que o trouxe ao Brasil, em 1951, quando o industrial Franco Zampari convocou jovens talentos do cinema italiano para participarem da experiência na Vera Cruz. Por três anos, Carpi morou em São Paulo, participando de vários filmes - e desta experiência brasileira ficou um profundo amor por nossa música, ao ponto de apesar da trilha sonora de "Quarteto Basileus" ser basicamente de temas clássicos, numa seqüência - em que o personagem Guglicione vai a um cinema onde está sendo exibido um filme de John Ford, com John Wayne - no intervalo da sessão ouve-se "Tahi", de Joubert de Carvalho (1900/1977), em gravação de Mario Genari Filho. Retornando à Itália em 1954, Fabio Carpi trabalhou com cineastas como Vittorio de Sica, Nino Risi e Florestano Vancini e integrou-se à televisão. Só em 1972 estreou como diretor de longa-metragem, num filme considerado pela crítica italiana "delicato e personalissimo" - "Corpo d'Amore", tratando das relações de um pai e seus três filhos. Em 1974, faria outro filme de profundas meditações sobre a solidão e a morte, "L'Etá della pace". Desta forma, "Quarteto Basileus" é uma obra madura, na qual Carpi soube desenvolver um roteiro perfeito, emoldurando a história com paisagens de vários países europeus - mas, principalmente mergulhando profundamente no âmago de seus personagens. Os diálogos são contundentes e, em especial do encontro de Alvaro (Hector Alterio, o extraordinário ator argentino que também pode ser visto nesta semana em "A História Oficial", de Luiz Puenzo, em reprise no Groff) com o personagem Mario (Gabriele Ferzetti, numa curta aparição) é um momento lancinante. Amargurado, ácido, Mario, 66 anos, queixa-se a Alvaro, também deprimido após um exame médico, das limitações que a idade traz e do ódio que sente pelos jovens - "como única forma de sobreviver". Apesar de cruel em sua temática, "Quarteto Basileus" não é, em nenhum momento, um filme desagradável. O pulso firme de Fabio Carpi, o excelente elenco reunido - Hector Alterio, Omero Antonetti, Pierre Malle, Veronique Genest, Lisa Kreuzer (experientes intérpretes, embora pouco conhecidos no Brasil) fazem com que a narrativa flua suave. Um filme para profundas reflexões, conduzido com temas de Smetana, Bellini, Beethoven, Schubert, Debussy e até, num rápido momento, Rodgers & Hart (afora o já citado "Tahi") em sua trilha sonora - e que, numa (re)visão cresce como filme de sentimentos e de vida. Justamente por ter a proximidade da morte como tema. Nesta reprise que o bom Francisco Alves dos Santos programou de "Quarteto Basileus", a esperança de que permaneça ao menos mais uma semana em cartaz.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
17
20/01/1987
Há anos procuro este filme, o qual nunca foi exibido em salvador, nem comprado por donos de locadoras. Como faço pra obter o filme? Att, Maria das Graças
Vi no cinema, há muitos anos. Maravilhoso! Procuro também, sem sucesso. Se alguém tiver alguma informação, ficarei agradecido.

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br