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Aramis

Dorgival, o candidato de um só voto

Você vai pedir recontagem de voto? Dorgival Barbosa Lima reage na esportiva quando a pergunta lhe é feita. "No meu trabalho é o que os colegas vivem me perguntando", responde com um sorriso diante das inúmeras brincadeiras que tem enfrentado desde que os mapas eleitorais informaram que ele foi o único candidato do Paraná a ser contemplado com apenas um voto nas eleições de 15 de novembro. Mas não se acanha e quer até tirar dividendos políticos: o inusitado, afinal, pode lhe valer alguma popularidade capaz de fazê-lo eleger-se vereador em 88, pelo mesmo partido que o lançou candidato a deputado estadual, o PMC - Partido Municipalista Comunitário. O incrível é que nem Dorgival votou nele mesmo. Ele assegura que no dia das eleições estava hospitalizado recuperando-se de mais uma das cirurgias a que vem se submetendo desde 5 de junho quando sofreu um grave acidente de carro na avenida Água Verde. Conseguimos localizar o ex-candidato na firma de auto-peças Dipemar, onde há um mês ele trabalha em serviços de escritório. Aconteceu o seguinte telefonema: - Alô, por favor, é aí que trabalha o Dorgival? - Sim, com qual deles você quer falar? - Como assim? - É que aqui trabalham dois funcionários com esse nome. Interessante, dois Dorgival numa firma só. Mas foi fácil concluir o diálogo: "Quero falar com o Dorgival que foi candidato". Resposta do outro lado: "Ah, aquele do um voto só. Um minutinho que vou transferir para o escritório". Dorgival atende. Fica intrigado com a proposta da entrevista. Pensa um pouco e pergunta: "É pra publicar?" Perguntas ingênuas desse tipo foram usuais durante a entrevista enfim concedida. Dorgival Barbosa Lima é um rapaz de 23 anos, que no ano passado concluiu o primeiro grau, parou de estudar, e ganha a vida com um salário de 3,5 mil cruzados como contabilista através de um curso profissionalizante. É solteiro e tem uma namorada há um ano e quatro meses. Mas não foi ela quem votou nele. Não que Dorgival lhe tenha questionado. É que ele tem certeza que sua namorada não sabia o número lhe conferido pelo TRE. Surpreende-se com a informação de que não se precisaria votar obrigatoriamente no número, sabendo-se o nome do candidato: "Podia é?" Assim, por alegado desconhecimento de seu número, nem seus pais nem seus irmãos (seis entre os sete aptos a votar) lhe confiaram um voto. "Mas nem fiquei chateado porque nem eu sabia meu número e nem sabia que era candidato". Dorgival, você não sabia que era candidato? "Quer dizer, sabia mas não tinha certeza". Bem, conte então a história: - Foi assim: eu trabalhava numa firma que vende linhas e fios de lã (temporariamente fechada por falta de estoque em conseqüência do Plano Cruzado) e Teolino Mendonça da Paixão (presidente do PMC) foi lá porque é amigo do patrão. E perguntou se eu não queria me filiar ao partido. Assinei os papéis. Depois ele me telefonou perguntando se eu não queria ser candidato a deputado estadual e eu topei. Como sofri o acidente fiquei sem saber que estava registrado como candidato. Dorgival confessa que "Não tem a mínima experiência política". Como eleitor exerceu seus direitos apenas duas vezes: quando ajudou a eleger José Richa a governador e quando perdeu o voto nas eleições para prefeito de Curitiba, ao votar em Jaime Lerner. Não adianta lhe perguntar opiniões sobre Plano Cruzado, dívida externa, fatos políticos locais ou nacionais, nem mesmo sobre questões sociais, religiosas ou mundanas. "Já falei demais, olha quanta coisa você escreveu aí", justifica. Nascido em Santa Isabel do Ivaí, há 15 anos morando no Bairro do Xaxim, com os pais comerciantes, Dorgival contudo acha que se tivesse feito campanha eleitoral o resultado das urnas seria outro. Isto porque sua família é numerosa e diz ter muitos amigos, principalmente no futebol amador, sendo ponta direita do Leme Esporte Clube há quatro anos. Um detalhe: Dorgival é coxa branca. Dinheiro não seria problema. "Era só lançar mão das minhas economias", afirma para depois contabilizar: "Se apenas com médicos, sem contar os gastos que tive com as nove cirurgias, gastei 80 mil cruzados por causa do meu acidente, então eu teria dinheiro suficiente para as despesas de campanha". E explica que trabalha desde os 12 anos, não tem qualquer gasto porque é solteiro e mora com os pais, o que lhe permitiu fazer o pé-de-meia que utilizaria para se eleger, muito embora tenha saído candidato "assim bom à-toa". O acidente, responsável por inúmeras cicatrizes na face e dentes a menos, adiou esse sonho para 88, quando espera eleger-se vereador pelo PMC alardeando a necessidade de se colocar mais antipó nos bairros da cidade. Diz ainda que permanecerá no PMC por amizade ao Teolino. Mas não conhece o programa do partido. Dorgival, uma última pergunta: - No time você joga pela direita. E na política? Diante do silêncio, a questão é reformulada: Você é de direita ou de esquerda? Impassível, aquela figura miúda, risonha mas um tanto assustada com a recente notoriedade, responde: - Pelo meu partido tenho que ser esquerda, né? Eu, pessoalmente por odiar os comunistas, sou da direita. Mas se bem que eu acho que o PMC é do meio. Dorgival agora quer fazer uma pergunta e lasca: - Meu caso é inédito no Brasil?
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
5
07/12/1986

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