Duas obras-primas em cartaz
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 11 de maio de 1986
A Rosa Púrpura do Cairo no Ritz e Paris, Texas no Groff. Imperdível para quem ainda não viu e um presente para os que já conhecem.
Algo raro de acontecer: uma semana sem nenhuma estréia. Falta de filmes inéditos? Crise de público?
Ao contrário, prova de que os filmes em exibição estão faturando o suficiente para justificarem a permanência nas telas. Ou então, no caso dos cinemas que mudaram a programação, com reprises, a realidade de que há filmes que o público deseja rever. É verdade que no caso das três salas de exibição da Fundação Cultural, o programador Francisco Alves dos Santos, apesar de sua habilidosa política junto às distribuidoras, enfrenta dificuldades - uma vez que as pressões em torno dos filmes que oferecem melhores condições de bilheteria são imensas. Curiosamente, isto acontece ainda mais duramente em relação à própria Embrafilme.
Vejam só: são nos cinemas da FCC que aqueles filmes nacionais de pouquíssimas chances de público, os chamados miuras, filmes malditos em termos de bilheteria, encontram sempre espaço. Generosamente, o bom Chico faz questão de prestigiar o cinema brasileiro, mesmo que, nisto, tenha prejuízos em termos de renda. Há filmes, por exemplo, como "A Noiva da Cidade", de Alex Viany, já com o certificado de censura se esgotando, e que nunca foi projetado em Curitiba porque, com as mais diversas alegações, nunca teve sua cópias liberada pela Embrafilme.
Tendo agora um abacaxi nas mãos - qual seja o de comercializar toda uma produção atrasada em termos de exibição, o elétrico Marco Aurélio Marcondes, da Embrafilme, está negociando com os grandes grupos de exibidores os lotes para 1986/87, mas tendo que, para tanto, garantir a estes, o filé mignom, aqueles filmes que, premiados em festivais, badalados pela imprensa, podem atrair o público. A Paris Filmes, do poderoso Alex Adamiu, conseguiu "O Beijo da Mulher Aranha", de Hector Babenco, que após um mês no Palace Itália foi para o Bristol, mas ali não funcionou. Tanto é que já foi substituído pela comédia-pastelão "Loucademia de Polícia 2: A Primeira Missão" (Police Academy 2: Their First Assignment), de Jerry Paris (falecido há poucas semanas), um dos maiores êxitos de bilheteria de 1985 e que pela quinta vez é reprisado em Curitiba.
"Eu Sei Que Vou Te Amar", de Arnaldo Jabor - que na próxima semana, em Cannes, disputa a Palma de Ouro, elogiadíssimo pelos que já o viram, terá exibição em Curitiba num dos cinemas do circuito Fama Filmes, possivelmente no Astor. Outro filme magnífico, 13 prêmios no Festival de Brasília-85, três distinções em Berlim (inclusive o de melhor atriz para Marcélia Cartaxo), "A Hora da Estrela", de Suzana Amaral, baseado em Clarice Lispector estréia dia 15 no cine Itália.
E um porno-chic, que já concorreu (sem obter qualquer premiação) no Fest-Rio-84, e em Gramado-85, "O Espelho de Carne", de Antônio Carlos Fontoura, no dia 9 de junho, estará no São João, sala que, a exemplo dos dois Glória, Scala, Rui Barbosa e Morgenau, integra "o circuito da esperma", ou seja, apenas pornofitas com cenas de sexo explícito.
AS GRANDES REPRISES - Se não há estréias, há, em compensação, duas reprises indispensáveis para serem apreciadas novamente: "A Rosa Púrpura do Cairo", de Woody Allen (Ritz, 5 sessões) e "Paris, Texas", de Wim Wenders (Groff, 3 sessões, 14, 17 e 20h15min).
Embora injustiçado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (teve apenas a indicação de melhor roteiro original), The Purple Rose of Cairo é, por quase unanimidade, reconhecido como o melhor filme de 1985. Obra-prima de Woody Allen, hino de amor ao cinema, comédia inteligentíssima, política e que traz Allen e Mia Farrow - à frente de um belo elenco (incluindo o veterano Van Johnson) numa fita ambientada nos anos 30, durante a Depressão e tendo, justamente o próprio mundo mágico do cinema como temática. Reunidos terça-feira, em São Paulo, os críticos que integram o Prêmio Air France de Cinema de 1986, analisando os melhores lançamentos do ano passado, escolheram, por unanimidade, "A Rosa Púrpura do Cairo" como o melhor filme estrangeiro. É preciso acrescentar mais?
Palma de Ouro em Cannes-84, premiações internacionais e elogios unânimes da critica fazem de "Paris, Texas", um filme especial. Obra consagradora do talento do alemão Wim Wenders (de quem o Groff fará uma retrospectiva a partir do dia 2 de junho), este filme intensamente humano, voltado aos mais profundos sentimentos, merece ser revisto quantas vezes for possível. O roteiro de Sam Shepard é perfeito, a fotografia de Robby Muller captou com rara profundidade mais do que os agrestes cenários, mas a própria solidão dos personagens e a trilha sonora de Ry Cooder é antológica. No elenco, um veterano coadjuvante, Harry Dean Stanton - tem o grande papel de sua carreira - ao lado de Dean Stockwell, da belíssima Nastassia Kinski (que só aparece no final), Aurore Clement e do garoto Hunter Carson - filho de L. M. Kit Carson, que auxiliou Shepard no roteiro. Paris, Texas merece amplas análises ou uma simples recomendação: Indispensável. No Groff, em 3 sessões.
CONTINUAÇÕES - No mais, temos os ótimos filmes que continuam em exibição: "A História Oficial", de Luiz Puenzo, 26 prêmios em 13 festivais, a melhor estréia de 1986, até agora (Palace Itália); "Entre Dois Amores", de Sidney Pollack (Lido I); para o público jovem, Cocoon no Palace Itália (onde dia 15 estréia A Hora da Estrela, que sexta-feira teve sua pré-estréia patrocinada pelo colunista Rui Barroso); a Lenda, de Riddley Scott, no Plaza. Também para os adolescentes, o Enigma da Pirâmide, de Barry Levinson (Lido II) e "Mulher Nota 1.000", de John Hughes (com a deliciosa Kelly LeBrock, de "A Dama de Vermelho"); a quem gosta de terror e ficção científica, o interessante "Força Sinistra" (Lifeforce), de Tobe Hooper, baseado em Colin Wilson - e que antecipa outro filme de terror, previsto para os próximos dias - também no Vitória: "A Hora do Espanto" de Tom Holand. E a quem curte ballet, um programa indispensável: "O Sol da Meia-Noite" (White Nights) de Taylor Hackford ("A Força do Destino") com Mikhail Baryshnikov, Gregory Hines, Geraldine Page, Jerzy Skolimowski e, estreando no cinema, Isabella Rosselini. Nos cines Astor e Cinema I.
Para quem acordar cedo, neste domingo, dois programas diferentes: no Groff o terror de "O Exorcista", de William Friedkin. No Luz, o lirismo de "Meu Tio", 1958, de Jacques Tati.
P.S. - quase que esquecíamos! "Os Gritos do Silêncio", de Roland Jaffe, três Oscars-85, com Haing Ngor (melhor coadjuvante) e San Waterston, está agora em exibição no Luz. Às 14, 16h30min, 19h30min e 22 horas.
LEGENDA FOTO 1 - Analia Castro, a enternecedora menina atriz de "A História Oficial", em exibição no Palace Itália.
LEGENDA FOTO 2 - O belíssimo A Hora da Estrela estréia dia 15 no Cine Itália.
LEGENDA FOTO 3 - A Força Sinistra: vampirismo espacial em cartaz no Vitória.
LEGENDA FOTO 4 - Kelly LeBrock e Anthony Michael Hatt em Mulher Nota 1.000.
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