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Aramis

Dylan, quase cinquentão

Sem dúvida, é o maior nome do que restou da contracultura dos anos 60. Dos anos de fogo em que a juventude foi às ruas para mostrar uma consciência política - misturando protestos contra o envolvimento na guerra do Vietnã (e outras guerras menores), pelos Direitos Civis, pelas discriminações - entremeadas de muito fumo e sexo. Era a época do faça amor não faça a guerra, do flower power, do paz e amor e tantas outras imagens que ficaram dos anos 60. Hoje, quase cinquentão, Bob Dylan - ou Robert Allan Zimmerman - continua em vigor, como mostrou em janeiro, nas duas apresentações que fez no Rio (25) e São Paulo (18), dentro do Hollywood Rock. Corôa, se comparado a juventude do Bon Jovi ou do rock regressivo de Marillion - outras estrelas do evento internacional que abriu, no Brasil musicalmente a década, o fato é que Dylan mantém seu carisma, sua identificação a toda uma época. Se a sua companheira de idéias e ideais - Joan Baez (juntos, formavam uma dupla que, em termos brasileiros, alguns chegaram a comparar a Chico Buarque/Nara Leão dos primeiros anos) está cada vez mais distante fonograficamente - e mesmo de shows ao vivo - Dylan continua a surpreender, mostrando grande carisma. Engajado em lutas pelos direitos civis, com algumas aparições no cinema - como ator em "Billy The Kid e Pat Garret", (1973 de Sam Peckinpah) ou mesmo diretor (um filme de 3 horas, com Joan, lançado em fins de 1977 e nunca mostrado no Brasil), Bob Dylan é, sem dúvida, uma das mais fortes personalidades de nossa época. Nascido em Deluth, Minnesota, 24 de maio de 1941, tendo adotado o nome artístico em homenagem ao poeta Dylan Thomas, aos 10 anos já tocava guitarra e outros instrumentos. Influenciado por Woody Guthrie (1912-1967), cantor e compositor folclórico, estradeiro, pioneiro na fusão artística com lutas sociais (e cuja vida, Hal Ashby contou no filme "Destino de Glória/Bound for Glory", 76, reprisado na televisão na semana passada), Bob Dylan vem influenciando desde os anos 60. Sua vinda ao Brasil coincidiu com o lançamento de seu novo LP "Oh Mercy" - que desde outubro do ano passado, nos EUA, marcou uma nova marcha estradeira de Dylan e o seu novo trio (Kenny Aaronson na guitarra; Chris Parker no biaxo e G. E. Smith na bateria), com canções inéditas. Para refrescar a memória dos mais velhos e apresentá-lo aos jovens que não tem os seus 25 álbuns principais (afora os piratas e coletâneas, como a caixa histórica, de 5 LPs, que a CBS-Museu do Disco lançou há 3 anos e que ao preço de Cr$ 6 mil a Cash Box vende em Curitiba), a CBS, gravadora a qual está ligado desde o início de sua carreira, editou "The Best of Bob Dylan". Em dez faixas, desfilam os marcos de sua careira - desde o verdadeiro prefixo dos anos 60 que foi "Blowin'In the Wind" até "Submerranean Homesich Blues", passando por "Lay Lady Lay", "Like a Rolling Stone", "Mr Tambourine Man", "Just Like a Woman" etc. Depois de uma intensa presença social-política, Dylan entrou em fase mística, documentada em três álbuns ("Train Comin", "Shot of Love" e "Saved") que muitos de seus fãs abominam - por ter representado uma virada numa carreira tão marcante. Mas com "Oh Mercy", é uma reconciliação mesmo para com os que haviam desprezado sua chamada fase cristã. Eduardo Bueno ("O Estado de São Paulo", 10/10/89), definiu que com "a qualidade refinada e superior de Oh Mercy, além de revelar um Dylan maduro, preciso - e como sempre amargurado - talvez permita também uma revisão da fase mais desprezada da carreira do homem que já foi profeta dos anseios da esquerda estudantil, porta-voz dos exércitos floridos e lisérgicos que vieram a seguir e que mais tarde, viveria outras encarnações - não poucas vezes conflitantes". Como sempre, a música de Dylan oferece momentos de reflexão, sendo impossível apreciá-la numa primeira audição - o que diferencia do rock supérfluo e estúpido - e o inclui entre os poetas-baladistas que tem o que (e como) dizer. Por exemplo, na abertura, com "Political World", sempre lúcido, Dylan diz, em forma rápida e ríspida, num sermão irado: Coragem é coisa do passado As casas estão mal-assombradas Crianças não são bem vindas O dia seguinte pode ser o último Vivemos em um mundo político Não sobra lugar para mais nada.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
25
25/03/1990

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