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Elizeth Cardoso foi humilhada no Guaíra

Elizeth Cardoso encontrava-se animadíssima para comemorar, no último domingo, 49 anos de carreira (considerando o primeiro cachê profissional de dez mil réis, recebidos pela participação num programa da Rádio Guanabara, no RJ, levada pelo inesquecível Jacob do Bandolim). Entretanto, essa data marco de uma das carreiras mais dignas da história da música brasileira foi prejudicada pela humilhação, pelo desrespeito e mesmo pela agressão de que a divina foi vítima no Auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, na tarde da última sexta-feira. Nunca, ao longo desses 49 anos de carreira, Elizeth, verdadeiro sinônimo da MPB, havia sofrido tamanha agressão. Na estreia do Projeto Pixinguinha, quinta-feria, apenas 160 pessoas compareceram ao Guaíra para aplaudi-la, ao lado da Camerata Carioca, antecedido, de dois novos e vigorosos talentos: o paranaense Lídio Roberto e o brasileiro Roberto Nunes Correa. Um público mínimo, confirmando, mais uma vez (pela terceira vez, aliás, neste mês), a incompetência da Secretaria de Estado da Cultura e Esportes (sic) em promover o Projeto Pinxinguinha, já que a infra-estrutura local ficou ao cargo desse órgão. Mas o pior aconteceu na sexta-feira. Em atitude demagógica e política, a Secretaria da Cultura vendeu toda a lotação do grande auditório para a Cohab-CT, que distribuiu 2 mil ingressos aos moradores de conjuntos habitacionais, como parte das comemorações do 20o aniversário dessa empresa de habitação popular. O coordenador geral do Projeto Pixinguinha, Luis Sergio Pilleri, havia sido informado, enganosamente, de que se trataria de "uma promoção destinada a fazer com que um público carente tivesse oportunidade de assistir a um histórico espetáculo de MPB". Elizeth e os integrantes da Camerata Carioca, consultados, louvaram a iniciativa e concordaram, inclusive, com uma redução ainda maior no preço dos ingressos: de Cr$ 6 para Cr$ 4 mil, o que resultou, assim, uma renda de apenas Cr$ 8 milhões (só para se ter uma idéia, o preço normal de um show de Elizeth oscila entre Cr$ 18 e 25 milhões). É que com espírito de colaboração e democratização da arte, os artistas viram com simpatia a promoção. Infelizmente, não sabiam o que se havia reservado para a trágica apresentação de sexta-feira. Antes mesmo do início do espetáculo, Theresinha Rey, coordenadora administrativa da promoção e, especialmente, Déa Bertran, assistente de direção, começaram a preocupar-se. Bastante heterogêneo, o público deixava claro que não viera aplaudir Elizeth e a Camerata Carioca, mas, sim, aproveitar ingressos gratuitos que lhe ofereceram apenas promocionalmente. Primeiro, gritos, assovios e mesmo palavrões contra Roberto Correa (26 anos, notável pesquisador e instrumentista de viola caipira), que abriu o espetáculo. Artista jovem, em início de carreira, Roberto sentiu-se, naturalmente, assustado, com uma reação tão agressiva do público, incapaz de entender a importância dos temas tradicionais de violeiros, pesquisadores e apresentados pelo artista. A agressividade continuou, mesmo quando a Camerata Carioca começou a apresentar seuepertório, com temas de Radamés Gnatalli, Piazzolla e Anacleto de Medeiros, entre outros mestres. A perfeição instrumental de virtuoses como Joel Nascimento (bandolim), Joaquim Santos (violão), Maurício Carrilho (viola, violão), Luis Otavio Braga (violão de 7 cordas), Henrique Cazes (cavaquinho), Dazinho (sax-alto/flauta) e Beto Cazzes (percussão), era quase impossível de se ouvir, pelo borburinho da platéia, pelos gritos e palavrões, com frases tipo "Queremos o Menudo", "Chega disso! Vim aqui ver Os Tremendos", "Aonde está a Gretchen?" - demonstrando, claramente, que os ingressos distribuidos pela Cohab-CT acabaram em mãos de pessoas que confudiram o Projeto Pixinguinha com os shows dos Tremendos, do Dominó e de Gretchen que eram esperados em Curitiba no último final de semana. Elizeth Cardoso, ao adentrar o palco, estava nervosa e irritada. Embora os assovios e vaias tivessem diminuido, ela não sentiu clima para interpretar muitas das músicas previstas no roteiro, o mesmo acontecendo com a Camerata Carioca. "Na verdade, não pudemos apresentar nem 50% do espetáculo", comentava Maurício Carrilho, 29 anos, arranjador do grupo, revoltado pela violência e má educação do público. A Camerata Carioca acaba de retornar do Japão (onde acompanhou Nara Leão e Roberto Menescal), e duas vezes, em 11 agosto de 1979 e junho de 1980, ao lado do pianista e maestro Radamés Gnatalli, apresentou-se no mesmo Teatro Guaíra, em espetáculo antológicos, perpetuados em gravações: "Tributo a Jacob do Bandolim" e "De Vivaldi a Pixinguinha". Elizeth Cardoso, 65 anos, 49 de carreira, 55 elepês gravados, glória maior da MPB, é uma cantora que, no Brasil, corresponde a Ella Fitzgerald ou Sarah Vaughan nos Estados Unidos. Só que, por culpa da desorganização da Secretaria de Estado da Cultura e Esportes, e irresponsabilidade em querer explorar politicamente um evento cultural, foi humilhada e agredida em Curitiba. Um fato que mais uma vez comprova com as coisas vão mal na área artística, em nosso Estado, com essa infeliz administração José Richa.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
20/08/1985

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