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Aramis

Em tempo de fuga, a nossa Camerata está se esvaindo

Após o concerto em que a Camerata Antiqua e Carlos Lyra homenagearam ao poeta Vinícius de Moraes, sábado, 27, no 9º aniversário do Paiol, o maestro Roberto de Regina e Lyra comentavam com o prefeito Jaime Lerner um fato: será lamentável que este evento fique restrito apenas a uma única apresentação, que lotou o teatro, tal como no dia de sua abertura, em 1971. Por isso, no primeiro semestre de 1981, uma temporada normal deste encontro da música antiga com a bossa de Lyra poderá ser o ponto de partida de uma excursão nacional. Afinal, se com apenas dois ensaios se produziu um concerto agradável, emocionante até, imagine-se o que pode resultar com um trabalho feito com mais calma e tranqüilidade. Lauro Simões, ex-ator no Rio de Janeiro, declamador, hoje decorador de interiores em Curitiba, leu o texto de "Rancho das Flores", parceria de Vinícius/Bach, que abriu o espetáculo, e, no final, com emoção, também disse outras palavras de Vinícius. Um astral positivo, como se Vinícius estivesse ali presente, fez com que mais este aniversário do Paiol não ficasse esquecido. xxx Ao mesmo tempo que a Camerata Antiqua prepara-se para comemorar seu 100º concerto, em 7 anos de atividades - programado para março próximo, na inauguração do Museu de Arte Sacra, uma preocupação justa: este grupo, que se dedica à música medieval e renascentista, pode enfrentar sérios problemas no futuro. Formado amadorísticamente, a Camerata reúne, entretanto, jovens músicos de imenso talento que, pouco a pouco, vão sendo contratados para orquestras de outros Estados. O maestro Roberto de Regina, cravista, o mais dedicado pesquisador e divulgador da música antiga no Brasil, desde 1973 vem dirigindo a Camerata quase que graciosamente, tendo encontrado na pianista Ingrid Seraphim uma entusiasta, que o substitui na continuidade de seu trabalho. Entretanto, os jovens que formam a Camerata, a maioria egressa de musicais famílias (Brandão, Gomes, Jucksh, etc.), têm sido convidados para ocuparem posições profissionais em outros Estados ou, numa justa preocupação de evolução profissional, buscam cursos no Exterior. Assim é que a violinista Maria Esther Brandão, uma das grandes virtuoses deste instrumento, está hoje em São Luiz, junto com seu marido, Kuiti Watanabe, também violinista, contratados pela orquestra do Maranhão. Sua irmã, Maria Alice Brandão, está na Alemanha, para onde também irá em breve Maria Luísa. Outro que seguirá para aquele país é Luiz Felipe Klein, contrabaixista de inegável talento, enquanto a violinista Bettina Jucksh - solista no programa de sábado, foi convidada por Paulo Bosísio para ser sua assistente no Rio de Janeiro. A flautista Elisabeth Mueller Serafim reside hoje em Toronto. A lista de jovens instrumentistas que têm deixado o Paraná, por falta de oportunidades profissionais, é imensa; o fagotista Harry Schweitzer está hoje em Brasília, como professor da Escola de Música, quando gostaria de ter aqui permanecido. xxx Nunca é demais lembrar o caso de Norton Morozowicz. Só o idealismo e o amor à sua cidade, faz com que hoje o melhor flautista do Brasil, integrante há onze anos da Sinfônica Brasileira, venha mensalmente até aqui para lecionar para um grupo de alunos talentosos. Já tendo recusado convites para se radicar no Exterior, Norton - como muitos outros virtuoses, gostaria de encontrar condições locais para desenvolver o seu trabalho. Infelizmente, todas as tentativas feitas até hoje esbarraram na tradicional antropofagia paranaense, que faz com que o nosso Estado se ressinta de uma grande Sinfônica. Afinal, a que existe junto à Universidade Federal do Paraná, resultado da antiga Orquestra Estudantil, sofre do problema da falta de melhores condições financeiras, sobrevivendo graças também ao idealismo de seus integrantes, mas que, naturalmente, com o passar do tempo, vão cansando e desanimando, recebendo cachês quase simbólicos, sem possibilidades de se dedicarem exclusivamente à música e, o que é mais grave, sem chances de evoluírem e fazerem cursos de especialização. O que ocorre nas grandes orquestras não acontece no Paraná: a reciclagem dos músicos, o investimento de recursos financeiros para a contratação de instrumentistas e maestros visitantes, realização de cursos, seminários, etc. Assim, há um processo de arteriosclerose musical, condenando vocações, desanimando talentos e provocando o êxodo de instrumentistas. No ano passado, várias reuniões se sucederam para se encontrar uma forma de se dotar o Paraná de uma grande orquestra sinfônica, em moldes de ter [uma presença] nacional. O engenheiro Eduardo Garcêz Duarte, presidente da Pró-Música e um dos homens que melhor conhece a área, elaborou um belo relatório, com gráficos, números, detalhamento daquilo que seria ideal. Em cifras de 1979, uma sinfônica custaria uma média de Cr$ 40 milhões por ano. Faça-se a correção após a inflação de 120% e verifica-se a impraticabilidade de se realizar tal investimento. xxx A idéia de formar uma orquestra de câmara ao redor da Camerata Antiqua, também esbarra em problemas técnicos, já que há características especiais de cada conjunto. O fato é que enquanto Maranhão, Paraíba, e outros Estados sem a projeção do Paraná mantêm grandes orquestras, o Paraná ainda capenga nesta área. E a própria Camerata Antiqua, capaz de se tornar um grupo de projeção internacional - haja visto a repercussão de seu 2º LP ("As Núpcias Campestres", 1978)e a expectativa em torno de seu novo disco, a ser lançado em março, também vai sofrendo a fuga de seus integrantes, obrigando Roberto de Regina e Ingrid Seraphim a fazerem malabarismos para que o grupo subsista. LEGENDA FOTO - Camerata Antiqua: em tempo de fuga (de seus melhores elementos),
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
8
30/12/1980

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