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Aramis

Entre a política e o underground quem ganha o festival de Brasília?

Brasília A política ou a invenção? Esta deve ter sido a grande questão analisada pelo júri que definirá até a tarde de hoje os premiados com 15 troféus Candangos e cheques no valor de NCz$ 40 mil destinados aos melhores na área do longa-metragem. Se houver uma consciência política, dentro do momento que se vive aqui e agora, sem dúvida que o filme que deverá levar os principais prêmios é "Que bom te ver viva", de Lúcia Murat. Um hino à vida justamente na emoção de resgatar a memória de 8 mulheres que sofreram torturas, num filme perfeito, este documentário provoca lágrimas em qualquer espectador sensível. Com notável competência e uma montagem magistral de Vera Freire (que se não levar o prêmio será a maior injustiçada), utilizando nove horas de depoimentos em vídeo com expressa políticas - e mais a ficção-realidade interpretada também com genialidade por Irene Ravache (difícil imaginar que não seja a premiada como atriz), o filme de Lúcia Murat trouxe tanta emoção que reduziu, inclusive, a chances de premiação maior de "Uma Avenida Chamada Brasil", de Octávio Bezerra - igualmente um documento atualíssimo sobre o Brasil deste final de governo Sarney, registrando toda a miséria, violência, desespero - mas também esperanças - de milhões de pessoas que vivem em 25 favelas do Rio de Janeiro. Estes dois maiores momentos do cinema-documentário, com toda a energia e importância de um gênero que necessita mais do que nunca ser valorizado, enfrentam, entretanto, o chamado cinema de invenção, aqui representado por um dos mais controvertidos, polêmicos e rebeldes cineastas dos anos 70, Júlio Bressane, 48 anos, 22 longas-metragens, que com sua leitura pessoal, contemporânea e criativa de "Os Sermões" do padre Antônio Vieira, ganhou fervorosos defensores e poderá repetir o sucesso que obteve há 7 anos, quando seu igualmente delirante "Tabu", levou as principais premiações. Outro cineasta que pode ser enquadrado no chamado cinema-invenção, embora menos hermético que o carioca Bressane, o mineiro Carlos Prates, 49 anos, era até na segunda-feira a grande incógnita seu "Minas-Texas", uma crônica entre o nostálgico e o sentimental da mineirice e imagens de cinemas do Interior - como legítima usina de sonhos - poderia ser a grande surpresa no encerramento dos filmes em competição. Praticamente ninguém viu o seu filme antes da sessão da noite (as primeiras duas cópias só foram finalizadas no último fim de semana) e para um cineasta com obras controversas mas inspiradas que vão desde sua estréia "Crioulo Doido" até o lírico "Noites do Sertão", inspirado em Guimarães Rosa (e que há 3 anos saiu com várias premiações de Gramado), tudo pode acontecer. Portanto, o júri altamente qualificado que Marco Aurélio Guimarães montou para premiar tanto os longas como os curtas, tem passado as últimas horas reunido para encontrar a forma mais justa de fazer as distinções. Contando com profissionais conhecidos na área da fotografia (Fernando Duarte), música (Sérgio Sarraceni), roteiro (José Joffily e Alcione Araújo), cineastas Vladimir Carvalho e Paulo Augusto Gomes e o escritor Marcelo Rubens Paiva (autor de "Feliz Ano Velho") tem condições de encontrar o ponto de equilíbrio para fazer com que na premiação esta XXII edição do Festival de Brasília seja tão correta quanto foi o evento. O mesmo júri também é o encarregado de premiar os curtas - seis produções inéditas, de níveis desiguais e que registraremos em próxima coluna. Este ano, ao contrário do que vinha ocorrendo tanto aqui em Brasília como em Gramado, os longas conseguiram merecer maior atenção, já que no passado os curtas vinham mostrando maior criatividade. No melhor dos festivais do cinema realizados nesta capital nestes últimos anos, no qual o pequeno orçamento (NCz$ 500 mil), reduzido número de convidados (apenas 80) e poucas estrelas presentes - Irene Ravache, atriz de "Que bom te ver viva", favorita ao Candango de melhor atriz, somente chegaria ontem à tarde (está em São Paulo, fazendo uma peça de teatro) não impediram excelentes resultados. Teremos na noite desta terça-feira, o anúncio dos premiados desta 22ª edição, entre os 12 filmes em disputa (seis longas e seis curtas), cada um significativo em sua proposta. Se dos longas, apenas dois foram absolutamente inéditos - "Os Sermões", de Júlio Bressane e "Minas Texas", de Carlos Alberto Prates - isto não dignificou menos interesse ao público, que todas as noites superlotou o Cine Brasília (610 lugares), praticamente com o dobro de sua capacidade. - "O público ansiava pelo retorno do Festival ao Cine Brasília" - comentava feliz, o coordenador geral Marco Antônio Guimarães, 44 anos, mineiro de Abaeté, funcionário da Pró-Memória em Minas Gerais, mas a cuja competência se devem nove das melhores edições do festival. Foi secretário executivo do festival de 1975 a 1979 e coordenador de 1986 a 1987. No ano passado, devido a divergências com o maestro Marlos Nobre, presidente da Fundação Cultural do Distrito Federal (que transferiu o evento para o conjunto de salas de exibição do distante Park Shopping), Marco Antônio afastou-se do evento. Agora, retornou, organizando-o de forma prática, econômica, com excelentes resultados. Em menos de 40 dias, contando com uma pequena equipe (entre a mesma, a poeta curitibana Christina Gebran, agora radicada em Brasília), conseguiu viabilizar um festival enxuto, no qual tudo funcionou em ordem. Não aconteceram eventos paralelos (encontro de pesquisadores, reunião da Associação dos Documentaristas etc.) mas, em compensação, todas as sessões do festival - filmes infantis pela manhã, mostra informática à tarde e competição à noite - tiveram excelente público. No Cine Itapoã, mantido pelo Cineclube da cidade-satélite de Gama (250 mil habitantes, 40 km do Plano Piloto), os filmes em competição também foram exibidos, para um público humilde e que acompanhou os longas e curtas, e com idêntico interesse participou de debates com alguns membros das equipes que se dispuseram a ir até a cidade-satélite. Por exemplo, Emanuel Cavalcanti, da equipe de "Uma Avenida Chamada Brasil" - o contundente documentário sobre a violência urbana no Rio de Janeiro - chegou até a se emocionar com o interesse de crianças, jovens e adultos que no Cine Itapoã assistiram, com o maior interesse as fortes imagens do filme de Octávio Bezerra. O fato de contar com pequenos recursos e num ano em que a produção cinematográfica foi das mais reduzidas não impediu que se conseguisse uma amostragem representativa dos filmes que só agora - ou no primeiro trimestre de 1990 - estarão em exibição. "Lili, a estrela do crime", de Lui Farias (já lançado em Curitiba, no Cine Condor) entrou na última hora na fase competitiva para substituir "Barella", de Marco Antônio Cury que a exemplo do "Círculo do Fogo", de Geraldo Moraes não ficou pronto a tempo. Este foi substituído por "Jardim de Alah", que já valeu a David Neves dois prêmios especiais do júri (Gramado e Natal). Apesar de produções simpáticas, são azarões na bolsa de apostas sobre os premiados. O clima político nesta semana que antecede as eleições refletiu, obviamente sobre o festival - além de três filmes aqui exibidos - dois em competição ("Avenida Brasil" e "Que bom te ver viva") e um na mostra competitiva ("Corpo em Delito", de Nuno Cesar) abordarem aspectos explícitos do Brasil nos anos da ditadura e da violência urbana - nas discussões, nas redes informais, em todos os momentos - a confusão, situação que ficou o campo eleitoral após a entrada de Sílvio Santos no páreo - passou a ocupar momentos maiores do que a discussão formal sobre os filmes apresentados. No domingo à noite, muitos preferiram vir para o hotel Carlton, assistir ao debate dos presidenciáveis (TV Bandeirantes) do que ver o filme "Jardim de Alah".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
10/11/1989

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