A época feliz do Kuwait que dava dólares até ao "Quem"
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 24 de fevereiro de 1991
Normalmente, amanhã seria um dia de recepções de primeira categoria nas embaixadas de um pequeno e riquíssimo país árabe. Afinal, a Data Nacional sempre justifica que ao menos as embaixadas e consulados recepcionem convidados para encontros de autoridades, diplomatas e outras personalidades. Só que este ano não é de festas: o Kuwait (Kuait em algumas grafias) vive seus piores momentos desde setembro do ano passado quando foi invadido pelas tropas do ditador do Iraque, Sadam Hussein.
Há apenas cinco anos, o Kuwait era tão próspero que se dava ao luxo de comemorar sua Data Nacional a 25 de fevereiro com coloridos encartes e suplementos publicados nos principais veículos do Brasil. O hoje próspero empresário Carlos Eduardo Jung, 46 anos, ex-colunista social de "O Estado do Paraná" e que se dedica exclusivamente a Diretriz Empreendimentos (promovendo feiras e exposições no Parque Barigui), em 1985 engordou sua já bela conta bancária com um faturamento especial: através da Embaixada do Kuwait, em Brasília, faturou um colorido suplemento de 4 páginas no número 122 da revista "Quem" (2ª quinzena de fevereiro/1985), publicação que viria a desativar há três anos.
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Bem relacionado com o então embaixador do Kuwait no Brasil, Carlos Jung trouxe para sua revista - que tinha uma tabela de anúncios das mais salgadas - várias matérias pagas de países árabes e, especialmente o Kuwait reservou as páginas nobres da edição que circulou exatamente no dia 25 de fevereiro, sendo inclusive distribuída durante a recepção na Embaixada - ao qual o então jornalista compareceu. Na época, ele até teria recebido convite para visitar o país - já que, viajava constantemente ao Exterior (por duas vezes, em seguida, esteve no Japão a convite da Japan Airlines), entre regulares passeios a Europa e Estados Unidos.
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Com o título de "Kuwait: Uma Lição de Progresso", e tendo na capa do encarte, em cores, fotos da capital do país e do xeque Jaber Al Ahmed Al Jaber Al Sabah, a publicação despejava otimismo por todos os lados. Em duas páginas, uma manchete garantia: "Povo e governo / Segurança social: objetivo maior de um governo esclarecido". Em outras páginas estava um longo histórico do país com o título: "Uma metrópole às portas do século XXI". Na secção de "Economia e Finanças", anunciava-se: "Um gigante do petróleo frente às tendências da economia mundial".
Hoje, com o país quase destruído após a invasão, chega a ser melancólico a leitura daqueles textos. Por exemplo, um tópico com o título: "Capital e Distritos" dizia: "A capital é a cidade de Kuwait. Ao Sul, encontra-se Ahmadi, cidade de petróleo, juntamente com Al Fahahil, próxima a ela. A Leste, encontra-se Jahre, e a Oeste, Halally e Salmiya. O Plano de Desenvolvimento instituído pelo governo prevê a construção de duas cidades, a primeira ao Norte da zona de Sibiya e a segunda ao Sul de Jairan. Ambas as cidades-modelos estão projetadas para fazer frente ao crescimento da população até o ano 2.000". Um mapa em preto e branco detalhava o país e suas cidades, cercado de informações (dados de 1984) que apontavam uma população (1980) de 1.357.962 habitantes. Sua Alteza, Xeque Jaber Al Ahmed Al Jaber Al Jabah, 13º Emir de Kuwait, nascido em 1926 e que em 31 de dezembro de 1977 havia sucedido ao seu pai, Xeque Sabah Al Salem Al Sabah, ganhava duas fotos internas.
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Realmente, o Kuwait tinha razões de sobra para esbanjar otimismo antes da divisão - e justificar, assim, a publicidade que fazia.
As jornalistas Judith Miller e Laurie Mylroe em "Sadam Hussein e a Crise do Golfo" registram que "por qualquer ângulo que se analise, o Kuwait antes da invasão era um esplêndido país. Em todo o mundo árabe, era conhecido como a "Beirute do Golfo" - cuja atmosfera liberal, imprensa livre e espírito independente lembravam a capital do Líbano nos anos que antecederam a trágica guerra civil. Sem dúvida, o Kuwait era o Estado mais culto do Golfo. Sua pequena população podia ler treze jornais - sete diários (cinco impressos em árabe e dois em inglês) e seis semanais. A Universidade do Kuwait, com seus 17 mil alunos, possuía um padrão comparável ao que se pode encontrar nos EUA.
LEGENDA FOTO - Tempos de petrodólares: Embaixada do Kuwait patrocinando colorido encarte na revista curitibana "Quem". Amanhã, 25, é o Dia Nacional do país, hoje dividido e anexado pelo Iraque.
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