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Aramis

Erasmo Pilotto, o educador

Numa de suas bibliotecas, uma sala extensa e agradável, na casa branca da Rua Angelo Sampaio, na qual mora há quase 50 anos, os livros de filosofia, teatro grego, literatura convivem com centenas de textos sobre ensino e pedagogia. De um lado, paisagens de Curitiba, assinadas por Viaro e Bakum, dois entre seus maiores amigos das artes plásticas. Numa das prateleiras, sobre os livros, um poster com a letra de "Imagine", sobre um desenho, a traço de John Lennon. Imagine não há céu É fácil, basta tentar Nenhum Inferno embaixo de nós Em cima só firmamento - Não. A presença de Lennon e sua poesia não é para agradar nenhum neto. É porque eu gosto. E quem não gosta dos Beatles. Esta descrição já faz penetrar no mundo liberal de Erasmo Pilotto, um adolescente de 78 anos incompletos (nasceu em 21 de outubro, em Rebouças), antes de tudo um educador. Um homem que se dedicou desde os 18 anos ao magistério, foi um dos responsáveis pela modernização do ensino no Paraná, praticamente revolucionou a Secretaria da Educação e Cultura há 40 anos passados, mas, com modéstia, diz que nunca fez questão de ir buscar o diploma de professor de ensino médio e que não chegou a cursar a universidade. - O que sempre fui, um incendiário. De idéias. Ainda hoje me sinto flamejante. xxx O projeto Memória Histórica do Paraná, que graças ao Bamerindus, através de sua diretoria de marketing dirigido pelo executivo Sérgio Reis, vem realizando um trabalho admirável em termos de preservação das imagens e palavras dos homens e mulheres que fizeram o Paraná, foi enriquecido nesta semana com mais um depoimento, no mínimo, emocionante: Erasmo Pilotto é daquelas personalidades fortes, intelectual de formação e que, como todas as pessoas realmente que conhecem as coisas, é extremamente modesto e humilde. Ele afirma que não sabe exatamente quantos livros já publicou. Mas são dezenas, incluindo desde pequenas brochuras até volumes que reuniram, há 15 anos, ensaios que vão de Mallarmé e Spinoza a perfis biográficos de Emiliano Perneta, Dario Velloso, João Turin, Theodoro de Bona, entre tantos amigos com quem conviveu e partilhou uma época intensa da vida intelectual curitibana. A primeira, maior e definitiva influência foi de Tolstoi - o conde Leon Nicolaievitch Tolstoi (1828-1910), cuja obra de pensamento o menino Erasmo já tinha lido e relido aos 14 anos, ele que sempre foi um devorador de livros. Da paixão pelo pensamento e ideais do autor de "Ana Karenina", nasceria a sua disposição de abraçar o magistério. Orgulha-se de possuir quatro volumes de um obra rara: livros que Tolstoi escreveu para o ensino das crianças. Como Tolstoi, também Erasmo mergulhou nas idéias de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). "Emílio", a mais famosa obra do filósofo, pensador e pedagogo francês, foi por 40 anos o livro de cabeceira de Erasmo Pilotto, capaz de falar por horas sobre ensino e filosofia, que estudou profundamente. De uma sólida formação cultural, resultaria o professor aplicado e, principalmente, o pedagogo, que sem nunca ter ocupado a direção do Instituto de Educação do Paraná, mas como seu coordenador disciplinar, ali desenvolveria um trabalho dos mais intensos e cujos resultados permanecem até hoje - quatro décadas após. Orgulha-se de sempre ter procurado despertar nos alunos o entusiasmo pela carreira do magistério e cita dois exemplos: - Nos anos 30, uma aluna, Joaquina Fagundes, quando concluiu o curso normal, procurou-me para ser nomeada professora, pedindo para ser designada ao lugar que ninguém quisesse, o mais difícil possível. E Joaquina Fagundes, hoje aposentada, grande amiga da poeta (e também professora) Helena Kolody, trabalhou durante anos num dos mais distantes pontos do Paraná de então (Erasmo nem se lembra do nome do lugarejo) ali levando o ensino para centenas, milhares de jovens que se não fosse sua disposição, jamais se teriam alfabetizado. Outro exemplo que lembra é o do professor Francisco Thiago da Costa, que seria um de seus maiores amigos e a quem inclusive dedicou uma de suas obras. Recém-formado, Thiago foi lecionar numa improvisada escola isolada na localidade de Tanguá, próximo a Curitiba mas que, na época, era abandonada "um imenso lamaçal" e com a escola caindo aos pedaços". Em 6 meses, com a participação da comunidade, em mutirões noturnos e nos fins de semana, Thiago transformou o local. - Estes são resultados dos quais me orgulho. Como estes, outros jovens que tive alegria de ter como alunos entenderam a importância de ensinar, enfrentando as dificuldades. xxx Amigo pessoal de Moysés Lupion, Erasmo Pilotto, foi seu secretário da Educação e Cultura por dois anos, entre 1947/49, modestamente, não gosta de falar das introduções que trouxe para o ensino na época e procura, inclusive, minimizar a sua gestão. Reconhecida, entretanto, como uma das mais importantes que aconteceram no campo do ensino e que lhe fizeram ser elogiado por educadores do nível de Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Fernando de Azevedo e outros grandes educadores. Espírito sensível foi quem estimulou escolinhas de arte em Curitiba, diversificando o ensino normal pelo Interior, ampliando as escolas. Na emotiva biografia que sua esposa, a também professora Anita Camargo Pilotto, publicou no ano passado ("Erasmo, um educador de alma romântica", 100 páginas), encontram-se anotações extraídas de seu diário que mostram o amor, o entusiasmo com que Pilotto se dedicou ao ensino. Pessoalmente, orgulha-se de, "apesar das pressões políticas, jamais ter nomeado ou demitido qualquer professor por imposições de deputados". Sua esposa, dona Anita, confirma. - E não foram poucas as perseguições. Até a Joaquina queriam prejudicar, mas o Erasmo jamais cedeu às pressões. xxx Assim como a lucidez de seus ensaios sobre o poeta Mallarmé ou o filósofo Spinoza relidos hoje, décadas após terem sido desenvolvidos, tem um sabor de atualidade, suas idéias sobre o ensino, os métodos de pedagogia, podem orientar muita gente que se julga entendida no assunto mas que deveria buscar o exemplo de seu trabalho. Por exemplo, entre 1982/85, como sempre com recursos próprios, Erasmo reuniu em quatro volumes, num total de 480 páginas os seus "Apontamentos para um pedagogia fundamental". Definindo-os como "escritos para meu uso pessoal", Erasmo procurou organizar nestes volumes suas idéias em relação ao ensino, desenvolvidas numa linguagem sempre clara, intercaladas de pensamentos de Platão, Spinoza, Tolstoi e muitos outros autores que tão bem conhece - e cujos textos buscou sempre o intermezzo certo para as citações precisas. xxx Aposentado há anos, nem por isto Erasmo Pilotto deixou de se interessar pelos problemas do ensino. Embora discreto em suas análises, evitando fazer qualquer crítica capaz de ferir "aos que me sucederam na condução das coisas da educação, desde que deixei a Secretaria da Educação", não esconde sua preocupação em relação à queda do nível da educação. Tem, entretanto, para isto, uma explicação clara e lúcida: - "Quando eu terminei o ginásio, a nossa turma era de 15 garotos, daquilo que se poderia chamar de elite curitibana. Assim como era a elite que integrava o corpo docente do antigo Ginásio Paranaense, mestres como Álvaro Jorge, Dario Velloso, Lysimaco Ferreira da Costa e tantos outros. O Paraná cresceu. Hoje são milhões de estudantes e é necessário milhares, dezenas de milhares de professores e, naturalmente, esta massificação trouxe uma queda na qualidade do ensino". Erasmo nunca foi o primeiro aluno da turma. Nem o último. - Estes, os professores sempre conhecem. Eu era apenas um tipo do aluno que o professor não conhecia. LEGENDA FOTO - Erasmo: "Sempre fui um incendiário..."
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
10/04/1988

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