Login do usuário

Aramis

A espionagem sem glamour

Há 22 anos passados, época em que os filmes de James Bond atingiam o auge do sucesso, estimulando imitações (Matt Helm, Harry Palmer) e o mundo da espionagem internacional era visto de uma forma falsamente glamorizada, um romancista francês, John Le Carré, publicava uma estória desmistificadora, revelando a sordidez, o jogo sujo e desumano que marcava os lances da espionagem entre as grandes potências. "O Espião Que Saiu do Frio", best-seller durante anos, ganhou uma digna transposição cinematográfica em 1966, com direção de Martin Ritt e trazendo Richard Burton numa de suas mais sensíveis interpretações. Entre a realidade e a ficção, com a espionagem constituindo-se hoje em matéria do quotidiano no jornalismo internacional, o gênero cresceu, em livros e filmes, amadurecendo na denúncia das intrigas internacionais que pautaram o jogo bruto pelos interesses de países e grupos. Somou-se à espionagem também uma escalada na violência do terrorismo político, de modo que já não se vêem mais as estórias de ficção como um mundo distante mas, sim, muitas vezes, como pálidos reflexos de uma realidade cruelmente mais sangrenta. Assim, um filme como "A Garota do Tambor" (Cine Astor, ainda hoje), baseada num recente livro de John Le Carré, inclui-se naquela categoria de obras em que a atualidade leva a que se veja uma espécie de telerreportagem, apenas com frios narradores cedendo lugar a personagens de carne e osso. A própria complexidade do problema / espaço abordado - a questão Palestina -, até hoje pouco esclarecida em termos de documentação e cobertura internacional, o verdadeiro puzzle montado para fazer com que a atriz americana, Charlie (Diane Keaton), de repente se transforme em peça condutora para a morte de um perigoso líder terrorista palestino, Halil (Sami Frey), prejudica a linguagem do filme para um grande público, pouco preocupado em assimilar / entender as sutilezas de uma guerra de bastidores. O cinema, especialmente o norte-americano, tem buscado cada vez mais a contemporaneidade dos temas. Assim, um filme como esse "The Little Drummer Girl" (curiosamente, o título - original e traduzido - não é explicado em momento algum) não só se volta para a psicologia da espionagem, as intrigas da política internacional e as [conseqüências] de certos expedientes éticos. Como acentuou a revista news-week, John Le Carré focalizou no livro "aquela região onde heróis e vilões [mudam] de papel, em confusão prismática, e onde as causas mais nobres perdem a lógica nos sangrentos campos de batalha". Pelo próprio zizaguear da ação, as filmagens têm um roteiro internacional: começam em Bad Godesberg, na Alemanha Ocidental (com um atentado terrorista), passam para uma pequena cidade da Inglaterra, vão à Grécia - com algumas [seqüências] bastante turísticas da ilha de Mikonos - e, posteriormente, da Acrópole, em Atenas, chegam ao destruído Líbano, vão a um [campo] de refugiados palestinos, retornam a Munique, na Bavaria, e incluem Londres. Enfim, só pela movimentação de ambientes, nenhum espectador adormece, durante o filme. Aliás, perder uma única [seqüência] tornará ainda mais difícil acompanhar a trama, repleta de dados e informações básicas para o entendimento. Surpreende que um filme como esse, de tema um tanto árido, tenha sido realizado de um cineasta que o público acostumou a ver dedicado a obras das mais agradáveis, embora sempre com requinte: George Roy Hill. Aos 63 anos, 23 dirigindo filmes (a partir da adaptação da comédia de Tennesse Willians para a tela, "Period of Adjustment" /Contra marcha Nupcial), George Hill colecionou sucessos de bilheteria ("Butch Cassidy", "Golpe de Mestre") e se mostrou um seguro adaptador de bons romances, especialmente aquele de ação múltipla, ao longo de muitos anos, como "Matadouro 5" (de Kurt Wonegutt), em 1971, ou, mais recentemente (1981), "O Mundo Segundo Garp", de John Irving. Roy Hill é um cineasta que sabe trabalhar com bons roteiristas. No caso, coube a Loring Mandel a responsabilidade de adaptar o livro de Le Carré, conseguindo uma linguagem enxuta. No elenco, há surpresas agradáveis. Diane Keaton, após uma passagem brilhante, sob direção de diretores-amantes (Woody Allen, em "O Dorminho", "Annie Hall", "Interiores" e "Manhattan"; Warren Betty, em "Reads"), está diferente, lembrando bastante a inglesa Vanesa Redgrave (atriz que realmente apoia a causa palestina e que, de longe, pode ter inspirado John Le Carré). O alemão Klaus kinski, normalmente caricato, compõe um bom tipo - o frio Kurtz, enquanto Sami Frey, ator que há anos não se via nas telas e que é mais lembrado como ex-marido de Brigitte Bardot (com quem fez "A Verdade", de Clouzot), aparece pouco mas num papel marcante como o terrorista Khalil. Um novo ator, o grego Yorgo Voyagis, como o israelense Joseph, cria um bom personagem. Um filme denso e atual. Interessante e nervoso. Merece ser visto. LEGENDA FOTO : Klaus Kinski, uma interpretação vigorosa em "A Garota do Tambor", em exibição no Cine Astor.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
20/11/1985

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br