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Aramis

A explosão Free Jazz Festival

São Paulo - O III Free Jazz Festival, que se encerra neste domingo com uma reunião de ritmos brasileiros (Cama de Gato), americanos (Lee Ritenour) e africanos (King Sunny Ade) que se estenderá até a madrugada de segunda-feira - pois, afinal, participações incríveis devem acontecer, na própria liberdade que um evento desta natureza possibilita - confirmou o interesse crescente do público pela velha música que, com o nome genérico de jazz, se espalha por várias praias sonoras. Investimento de US$ 1.200.000,00 - só tornado possível graças ao patrocínio da Souza Cruz e Pan-Am, mais a garra e a organização das irmãs Monique e Sylvia, o Free Jazz se insere, de agora em diante, no calendário dos grandes eventos artístico-promocionais do Brasil. Afinal, poucos acontecimentos ganharam um espaço tão grande nos veículos, em primeiro lugar, pela credibilidade e atração artística com que o festival foi organizado, mesclando nomes consagrados como de Sarah Vaughan e Art Blakey and His Jazz Messengers - aos representativos estilos novos, incluindo, por exemplo, o vanguardista Philip Glass, passando por guitarristas veteranos como o brasileiro Arlindo de Almeida e o norte-americano Jim Hall, o lendário Gil Evans em cuja banda atuou Airto Moreira, chegando a surpresas como o som africano de King Sunny Ade e do pianista ítalo-americano Michel Petrucciani. Os brasileiros não foram esquecidos, revezando-se os nomes entre o Rio de Janeiro (Hotel Nacional) e São Paulo (Anhembi), sempre dentro daquele critério de não repetir profissionais que estiveram nas duas edições anteriores. Acrescentando-se a atraente constelação musical, as irmãs Monique e Sylvia buscaram assessorias altamente profissionais em vários setores. Ivone Kassu, uma das mais conhecidas e respeitadas agentes de imprensa do Brasil, montou um esquema perfeito para a divulgação do festival, credenciando centenas de jornalistas, superando dificuldades e abrindo espaços nobres nos jornais, revistas, redes nacionais de televisão, para todos os acontecimentos relacionados ao festival. Assim, há mais de duas semanas que se fala, discute e consome-se jazz - em suas múltiplas variantes. O interesse por aquele que, no passado, era considerado um gênero até elitista de privilégio de uma minoria de iniciados, amplia-se - atingindo tanto a juventude, que descobre existir vida (música) inteligente além dos zumbidos pop, como chegando a faixa mais adulta, que nos anos 50/60, teve sua iniciação a música que, nascendo dos blues e subindo pelo Mississipi para o Chicago Style, passou a ter novos caminhos depois do Bebop nova-iorquino. Didaticamente, imensas matérias sobre jazz - especialmente nos cadernos especiais da "Folha de São Paulo", "O Estado de São Paulo" e "Jornal da Tarde" nesta última semana (repetindo-se aquilo que "O Globo" e o "Jornal do Brasil" haviam feito no Rio, no início do mês), mostraram a preocupação dos editores em dar aos leitores, interessados em saber mais, tudo que fosse possível em matéria de informações relacionadas ao Free Jazz Festival. Evidentemente, que as gravadoras se beneficiam com este boom jazzístico. Se há 9 anos, a então Secretaria da Cultura de São Paulo, bancou o São Paulo - Montreaux Jazz Festival, também realizado no Anhembi, houve um grande interesse pelo gênero, com a edição de mais de cem discos e mesmo uma literatura a respeito - repetindo-se o fato na segunda e (última) edição, realizada 18 meses depois. Já o Rio - Monterrey Jazz Festival, em 1981, no Maracanãzinho, não teve o mesmo êxito, e agora esgotando-se na primeira edição, com prejuízos para a firma organizadora, dirigida pelo jornalista Roberto Muylaert. Assim, o fato das irmãs Monique e Sylvia da Dueto Produções, terem consolidado o Free Jazz, é altamente significativo. Quem conheceu, aliás, Monique como a principal executiva artística no evento "Brasil de Todos os Cantos", realizado há cinco anos (maio/1982) no Teatro Guaíra, sabe que ela não brinca em serviço. Compensando sua pouca idade - fez 28 anos há pouco - com uma seriedade profissional incrível, conseguiu se impor junto aos mais mal humorados empresários de estrelas do jazz internacional e se nas duas primeiras edições do Free Jazz, enfrentava relutâncias na assinatura de contratos, hoje ocorre o contrário: superstars -entre nomes consolidados, ou daqueles em ascensão - se interessam em vir ao Brasil, não só pelos honestos cachês oferecidos, como pela abertura do mercado que se oferece. Na organização de um festival de jazz, de características internacionais, os mais diferentes problemas tem que ser resolvidos com a maior agilidade. Por exemplo, o pianista Michael Petrucciani exigiu um Steinway para a sua apresentação na noite de abertura do Free Jazz Festival, no Anhembi. Ao chegar para o ensaio não aceitou a meia cauda que ali se encontrava. Faltavam menos de seis horas para o espetáculo e mesmo em São Paulo não é fácil encontrar um Steinway de cauda que se possa remover para um espaço público. O mais famoso dos pianos (em Curitiba, existe um único, pertencente ao Pró-Música e que se encontra no auditório da Reitoria), custa mais de Cz$ 10 milhões, atualmente. Zuza Homem de Mello, produtor da Jovem Pam, assessor do festival, fez mil contatos e, finalmente, com aluguel de 60 mil - pela sua utilização por menos de duas horas - o piano foi colocado momentos antes da apresentação de Jim Hall e Michael Petrucciani. Problemas como este acontecem sempre - mas se diluem na correria para dar ao festival um final feliz, com os músicos convidados fazendo duas apresentações. Pela própria característica de festival de jazz - a exemplo do que acontece em qualquer parte do mundo, musicais libertos de um programa rígido podem ter intervenções inesperadas e que fazem um determinado músico ou grupo estender por horas sua presença no palco. Hermeto Pascoal, o mais talentoso e imprevisível dos bruxos sonoros brasileiros, é um caso típico. No I São Paulo - Montreaux Jazz Festival, em 1979, estendeu sua apresentação até as quatro horas da manhã - com o público, delirante, querendo mais. Portanto, era natural que até a noite de sábado, antes do início de sua apresentação no Anhembi, se fizessem conjecturas do que poderia ali acontecer - e sobre o que naturalmente, relataremos nas colunas da próxima semana. Intercâmbio - Assim como os eventos cinematográficos vêm se multiplicando - na quinta-feira, 10, teve início em Porto Alegre a Mostra Internacional de Cinema, Leon Cakoff dá os últimos polimentos a XII edição de sua mostra de Cinema em São Paulo - Curitiba terá, de 4 a 10 de outubro, a 1ª Mostra Latino-Americana de Cinema, também os eventos musicais vão se firmando cada vez mais. De modestos festivais regionais a competições de maior fôlego - como o "Som das Águas" em Lambari, Minas Gerais - até esta terceira edição do Free Jazz Festival. São eventos que mobilizam milhões de cruzados - buscados agora, junto a iniciativa privada. No caso do Free Jazz Festival, a Souza Cruz bancou os custos maiores e a Pan-Am ofereceu 120 passagens internacionais - ficando o resto por conta da bilheteria. Se o primeiro festival deu prejuízo e o segundo empatou, este terceiro deve apresentar lucro, mas que reforçará o caixa da Dueto Produções para fazer do quarto festival, que logo começa a se organizar, um evento de significado mais amplo. O intercâmbio entre músicos estrangeiros e brasileiros, o clima de camaradagem e entrosamento, as canjas que se sucederam após as apresentações oficiais - ocorridas no Rio, em vários ambientes, e que se repetiram em São Paulo, especialmente no "150" do Maksoud Plaza, são resultados paralelos dos mais positivos. No "150", o mais sofisticado e agradável ambiente musical do Brasil, no qual tem se apresentado grandes nomes da música (inclusive jazz), foi formada especialmente para a última semana, um all star festival, reunindo basicamente os integrantes do quarteto Cama de Gato - o tecladista Rique Panteja (que fez um elepê com o lendário Chet Blaker, recém lançado pela WEA), o saxofonista e flautista Mauro Senise (ex-aluno do curitibano Norton Morozowicz), o baixista Arthur Maia e o baterista Pascoal Meirelles (com seu segundo elepê independente sendo lançado agora). O Cama de Gato já vez um belíssimo disco na etiqueta Som da Gente, de Teresa Souza/Walter Santos (que há 6 anos vem prestigiando basicamente os instrumentos) e, nestas últimas noites, dividiu seu som com alguns dos maiores nomes estrangeiros (e muitos brasileiros) que vieram a São Paulo. No domingo, o Cama de Gato abriu o programa de encerramento no Anhembi, seguindo-se o guitarrista Lee Ritenour, 35 anos - apaixonado pelo Brasil (tanto é que um de seus últimos discos chama-se "Rio" e foi gravado em estúdios cariocas) e ao som de King Sunny Ade, a presença mais polêmica neste Free Jazz. Nigeriano, com formação européia, Ade, o rei da música Juju (não confundir com Jujuka, a música das montanhas do Marrocos, que tanto fascinou os Rolling Stones nos anos 60), integra a corrente de renovação da música africana - que começou neste ano de 1987 a chegar ao Brasil em "pacote" lançado pela WEA e RCA, entre outras gravadoras. Embora marcada por um predomínio do ritmo, a música de King Sunny Ade é também suave para alguns ouvidos - assemelhando-se à música dos jamaicanos e de brasileiros como Gilberto Gil. Por ser um som novo, vigoroso e naturalmente não enquadrado ainda em esquemas tradicionais, provocou tão discordantes [opiniões]. No quadro de cotações que o "Jornal do Brasil" montou para apreciar os participantes do Free Jazz, King Sunny Ade ganhou desde bola preta (do crítico Armando Rapallo, do "Clarim", de Buenos Aires - um dos convidados do festival), até as quatro estrelas, após seu segundo show, de parte de Tarik de Souza. Zuza Homem de Mello, que se entusiasmou com o som do nigeriano desde o início. Dizia, eufórico, no domingo: - "Eu saquei que era algo novo e controvertido, mas de muito vigor". LEGENDA FOTO - Sarah Vaughan, a principal atração do Free Jazz.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
13/09/1987

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