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"Filme Demência", um Fausto perdido na noite paulista

Se "Anjos do Arrabalde" - o melhor filme do Festival de Gramado - só poderá ser visto, por enquanto, em vídeo (já lançado pela Transvídeo, sendo distribuído as locadoras) e, no circuito comercial, em Curitiba, ainda não tem data marcada para estrear, o filme anterior de Carlos Reichenbach - e que lhe valeu o Kikito de melhor diretor no Festival de Gramado -1986, está em exibição no cine Groff, nesta semana: "Filme Demência". É um filme oposto ao clima de "Anjos do Arrabalde". O próprio Reichenbach nos dizia, na semana passada: - "Filme Demência" foi um filme meu, pessoal, introspectivo. "Anjos do Arrabalde" é outra proposta, liberta, social. FAUSTO PAULISTA Livremente inspirado em "Fausto" - dos textos de Goethe e Christopher Marlowe - Reichenbach colocou em "Filme Demência" a viagem de um dorrotado ao interior de si mesmo. Após assistir, impotentemente, a falência da pequena e tradicional indústria de cigarros que herdara do pai e na impossibilidade de conduzir sua vida matrimonial, Fausto (Enio Gonçalves, esplêndida atuação) se refugia na visões de Mira-Celi (o paraíso que idealiza para si mesmo) e de sua "Margarida" (menina-criança, simplória transfiguração da inocência perdida). Praticamente expulso de casa pela esposa Doris (Imara Reis), ao demonstrar os primeiros sinais de insanidade, Fausto se apossa do revólver do porteiro de seu prédio e inicia sua descida aos infernos, mergulhando na noite da metrópole desvairada em busca dos últimos elos vitais. Nesse trajeto alucinado, vai encontrando diversos personagens. O amigo de infância Wagner (Fernando Benini) serve de coringa, conduzindo o herói pelos labirintos do delírio. Mefisto (Emílio Di Biasi), surge inicialmente travestido em traficante pederasta, e logo depois como o vampiro do filme "As Dores do Sonho" que Fausto assiste aterrorizado. Deliqüentes, policiais, bebuns, gatinhas da PUC, poetas, hell angels, psicanalistas abilolados, prostitutas da pesada, bandidos e safadas são elementos importantes para que Fausto faça uma revisão de existência. Com a morte da Lógica, abandona o conformismo e se trasnforma em seu próprio juiz e justiceiro. A GRANDE VIAGEM "Filme Demência" é um filme profundo, simbólico e extremamente criativo. Foi a grande sensação do XIV Festival de Gramado, só não levando maior número de premiações porque no ano passado ali também concorria "O Homem da Capa Preta". Mas Reichenbach foi escolhido o melhor diretor e Emílio Di Biasi ganhou o Kikito de melhor coadjuvante - dividindo a premiação com Paulo São Thiago, por "Fulaninha", de David Neves (já exibido no Lido I, há 2 meses - e a disposição em vídeo). Reichenbach é o exemplo do cineasta que saindo da Boca-do-Lixo, com produções confundidas com obras pornográficas (inclusive "Extremos do Prazer", 1984, o primeiro a ter o reconhecimento da crítica e júri, em Gramado, há 4 anos), hoje é elogiado internacionalmente - comparado a Godard e, mais especificamente, a Werner Fassbinder. Simples, amigo, sem pretensões - como são os verdadeiros talentos (só os medíocres procuram auto-promoção, o escândalo, fazendo acusações de "sabotagem" aos festivais em que suas fitas fracassam), Reichenbach é hoje um cineasta em ascensão. No ano passado, por ocasião da exibição de "Filme Demência" em Roterdam, o crítico Louis Skorecki, do "Liberation", escreveu que "é realmente fascinante: reencontramos obsessões familiares de Reichenbach (um burguês urbano em confronto com seus fantasmas intelecto-pornôs sob a forma de prostitutas lascivas e de esposas masoquistas), acompanhadas de uma nova reflexão sobre a força (e a fraqueza), o êxito (e o fracasso) e o desejo forçado do sonho (com alguns momentos de realidade em volta). A partir da história de Fausto, "Filme Demência" deriva docemente (mas seguramente) para o thriler poético, enquanto a encenação de Reichenbach passa, depois de extremos porno-tropicais a um estilo mais próximo do esboço. As mais belas cenas são violentamente inventivas com, em particular, uma utilização muito astuciosa do "carrinho ótico" inventado por Cocteau (em lugar de fazer um zoom ou um travelling para aproximar a Câmara de um personagem, faz-se o contrário, isto é, leva-se o personagem até a câmera); esta técnica associada a efeitos de profundidade de campo permite a Reichenbach inventar um espaço absolutamente inédito, em que seus heróis (Fausto, Mefisto...) deslocam-se como fantasmas". FOTO LEGENDA - Enio Gonçalves (Fausto) e Emílio Di Biasi (Mefistófeles) em "Filme Demência", um filme-mergulho no fracasso de um homem. Em exibição a partir desta quinta-feira no cine Groff.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
15
07/05/1987

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