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Funarte vai à luta e lembra Assis Valente

Para não ser acusada de imobilismo - num momento grave no qual está sem recursos e com riscos de ter mais de 60% de seu pessoal demitido - a Fundação Nacional de Arte não ficou apenas nos protestos contra a ameaça das demissões - aliás, a exemplo do que aconteceu em vários outros setores do Ministério da Cultura após 15 de janeiro. Ao contrário, a Funarte, completando 13 anos no último dia 15 de março (foi implantada quando Ney Braga ocupava o Ministério da Educação e Cultura) decidiu promover, através de seus cinco institutos (Artes Plásticas, Música, Folclore, Fotografia e Artes Gráficas) uma programação intensiva durante este mês, com o nome de "Funarte em Movimento". Produzida a custos mínimos, a programação está envolvendo há duas semanas dezenas de artistas e instituições "que se dispuseram a participar desse mutirão cultural para marcar o início das atividades em 1989 e a reafirmar sua disposição de continuar o seu trabalho de apoio às atividades artísticas de todo o país" - como diz Hermínio Bello de Carvalho, diretor da divisão de música popular, a grande cabeça que há 14 anos impulsiona a Funarte. Por uma questão operacional - e de custos - a maioria das atividades realiza-se no Rio de Janeiro, como a apresentação do conjunto Os Flautistas, na sala Sidney Miller. Outros eventos incluem uma exposição de luteria, encontro e artesãos e técnicos em instrumentos musicais, um recital do pianista Luizinho Eça, oficina de criação musical e seminário sobre a criação musical brasileira contemporânea; seminário sobre Direito Autoral, outro sobre Arte-Educação, um encontro de corais no Rio e até um novo encontro de pesquisadores musicais. xxx O Instituto Nacional de Música iniciou também um programa de Pesquisa Musicológica e Organização de Acervos Musicais, dando prosseguimento - e caráter de permanência e continuidade - a ações até agora esporádicas nessa área, como a recuperação do Acervo Curt Lange (em colaboração com o Museu da Inconfidência de Ouro Preto, e o levantamento de partituras do Acervo Padre João Mohana de São Luiz, o projeto de organização do Acervo da Sociedade Filarmônica Neotrentina de Nova Trento, SC (eis uma notícia que vai entusiasmar o mais famoso dos intelectuais daquela cidade, o chargista Dante, editor do Almanaque). Nessa linha de trabalho incluem-se também as coleções editoriais "Música Sacra Mineira", "Padre José Maurício" e "Acervo Curt Lange". O primeiro passo para o programa de Pesquisas Musicológicas e Organização de Acervos é o mapeamento de todos os acervos existentes no país. Espera-se que a Secretaria da Cultura não durma e colabore no que diz respeito ao acervo do compositor e maestro Bento Mossurunga (1879-1970). A propósito, a situação da Sala de Música Popular Janguito do Rosário - criada para apoiar a área de MPP (Música Popular Paranaense) ainda está a espera de uma definição maior. xxx Enquanto já se tomam as primeiras providências para a VIII Bienal de Música Brasileira Contemporânea (Rio, 22 a 29 de novembro/89), a divisão de Música Popular, mesmo com suas limitações orçamentárias, continua a enriquecer a bibliografia/discografia, lançando o livro "A Jovialidade Trágica de Assis Valente" de Francisco Duarte Silva e Dulcinéia Nunes Gomes e o disco, 19ª produção do Projeto Almirante que há 7 anos vem trabalhando numa série de ações com os objetivos de apoiar a divulgar as manifestações culturais no campo da MPB. Para quem não poderá assistir ao show "As Cantoras de Rádio Cantam Assis Valente" (Teatro João Caetano, até o dia 28, 18h30), com Zezé Gonzaga, Nora Nei, Rostia Gonzales, Violeta Cavalcante, Carmélia Alves e Ellen de Lima, direção de Tulio Feliciano, uma compensação: o elepê "Assis Valente'7" com Leci Brandão, João Nogueira, o Grupo Coro Come, Clara Sandroni, Dida Forasteiro, Célia e Paulo Moura (que nos dias 21 a 23, faz temporada no Paiol, com a pianista Clara Sverner). O livro e o elepê com músicas de Assis Valente já podem ser encontrados na loja da Funarte (Rua Cruz Machado) mostrando um pouco da obra deste excelente compositor, que fez mais de 150 músicas, "muitas obras-primas que resistiram às transformações e modismos por que vem passando nossa música", como diz Hermínio. José de Assis Valente (Santo Amaro, Bahia - 19/3/1911 - Rio de Janeiro, 10/3/1958) em 1927 veio para o Rio, trabalhando como ilustrador e protético e seu primeiro sucesso foi "Tem francesa no morro", que satirizando a moda "elegante" de falar francês, foi lançado por Araci Cortes. Mas seria Carmen Miranda (1909-1955), quem se tornaria a grande intérprete de suas músicas - "Minha embaixada chegou" (1934), "Camisa listrada" (1937), "E o mundo não se acabou" (1938), "Uva de caminhão" (1939), "Recenseamento" (1940) (no ano anterior, Carmen recusou "Brasil Pandeiro", gravado com sucesso pelos Anjos do Inferno e incluído no filme "Céu Azul", de J. Rui). Embora casado com Nadile (com quem teve uma filha), Assis era apaixonado por Carmen e teria sido esta a razão pela qual a 13 de maio de 1941, tentou o suicídio, atirando-se do alto do Corcovado, mas ficou preso a uma árvore de onde foi retirado pelo Corpo de Bombeiros. Recuperando-se, lançou em 1942 "Fez Bobagem", sucesso na voz de Araci de Almeida. Reduzindo sua atividade de compositor, reduziu-se em sua atividade de protético e nos anos 50 viu-se deprimido por sua situação financeira, cortando os pulsos depois que a cantora e atriz Elvira Pagã lhe cobrou uma dívida. A 10 de março de 1958, endividado e esquecido, foi para a praia do Russel e bebeu uma garrafa de guaraná com formicida. A partir dos anos 70, suas músicas foram revalorizadas - inclusive por novas cantoras, como Olivia Byghton, que nos show apresentado no Paiol, há duas semanas, deu uma excelente releitura a "Uva de Caminhão". LEGENDA FOTO - Assis Valente, que se suicidou há 31 anos, é lembrado em disco, livro e pela Funarte.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
13/04/1989

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